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Materiais utilizados em implantes ortopédicos e odontológicos: manufatura aditiva abre novo caminho para pesquisas na área
Materiais utilizados em implantes ortopédicos e odontológicos: manufatura aditiva abre novo caminho para pesquisas na área

Tecnologia desenvolvida na Unicamp viabiliza implantes biocompatíveis

Projeto inédito da FEM utiliza impressão 3D e ligas metálicas para criar implantes personalizados

Um projeto em desenvolvimento na Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp – com ramificações na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e na Universidade de Passo Fundo (UPF), do Rio Grande do Sul – caminha para a obtenção, até o início do ano que vem, de uma classe de implantes ortopédicos e odontológicos biocompatíveis, com propriedades antibacterianas e alto índice de personalização.

A nova tecnologia passa pela fabricação do pó a partir de diferentes ligas de titânio, nióbio e tântalo, posteriormente produzidas por meio de manufatura aditiva – processo mais conhecido como impressão 3D. Por conta disso, esse novo material poderá atender a características específicas de cada paciente. Além disso, terá vida útil pelo menos duas vezes maior que a dos implantes convencionais de aço inoxidável e ligas de titânio, alumínio e vanádio, os mais usados atualmente.

Segundo o coordenador do projeto, Éder Sócrates Najar Lopes, professor da FEM, a nova classe de biomaterial inova por incluir alterações em toda a cadeia de produção – por exemplo, na seleção do material a ser usado na confecção da peça, na fabricação do pó resultante de uma liga específica e na manufatura aditiva, que vai possibilitar a personalização. “É como se estivéssemos em uma farmácia de manipulação”, resume o professor. “A matéria-prima para um determinado implante é diferente da de outro e, com isso, o design também poderá ser diferente. Assim, teremos um grau de customização muito alto”, afirma. O projeto, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), teve início em 2022.

Lopes diz que as novas ligas metálicas surgiram de uma necessidade: a de se evitar materiais com propriedades citotóxicas. A liberação de íons de alumínio no corpo, por exemplo, pode estar ligada à ocorrência do mal de Alzheimer e a processos inflamatórios crônicos que, por sua vez, podem comprometer o processo de cicatrização e a estabilidade do implante. O íon de vanádio, sob determinadas condições, pode causar danos ao material genético presente dentro das células, o que levanta preocupações sobre potenciais efeitos cancerígenos do material a longo prazo. Por outro lado, alguns pacientes podem desenvolver reações alérgicas ao vanádio, que podem levar a uma inflamação crônica e consequente rejeição do implante.

Segundo o professor, um primeiro desafio foi encontrar uma liga que pudesse substituir materiais com efeitos indesejados – um trabalho que vem sendo aprimorado pelos cientistas ao longo dos anos. Além disso, fez-se necessário que esses novos materiais mantivessem – ou melhorassem – as propriedades mecânicas fundamentais para a função a ser desempenhada pela peça.

Depois de dois anos de testes, Lopes concluiu que as ligas de titânio combinadas com nióbio e tântalo foram mais eficientes por possuírem um grau maior de biocompatibilidade, um módulo de elasticidade mais baixo, uma elevada resistência mecânica e uma alta resistência à corrosão. O docente diz que a chave do processo está na busca pela proporção certa de cada elemento na composição da liga. Assim, pode-se encontrar uma que combine melhor com o uso desejado, seja no caso de uma prótese de quadril ou de um implante dentário, por exemplo.

Depois de conseguir ligas mais adequadas do ponto de vista biológico, o grupo passou a trabalhar no sentido de reduzir o módulo de elasticidade do material, o que, segundo o estudo, foi possível juntando adequadamente o titânio com nióbio, tântalo ou mesmo molibdênio. “Combinando as porções corretas de composição química, pode-se trazer esse módulo de elasticidade que era de 115 gigapascal [unidade de pressão] nos implantes convencionais para 50 gigapascal”, revela o professor.

“Literalmente, o osso é uma espuma e apresenta um módulo de elasticidade entre 1 e aproximadamente 30 gigapascal, dependendo da região [do corpo]. Quando você anda, o osso se deforma, mas retorna à condição anterior. E esse tipo de solicitação mecânica é excelente para o osso, porque isso evita a osteoporose, por exemplo”, explica Lopes. Por isso, conclui, é importante que o implante replique esse tipo de propriedade.

Éder Sócrates Najar Lopes, coordenador do projeto: "É como se estivéssemos em uma farmácia de manipulação"
Éder Sócrates Najar Lopes, coordenador do projeto: “É como se estivéssemos em uma farmácia de manipulação”

Manufatura aditiva

Na opinião do docente, a manufatura aditiva abriu um novo caminho para as pesquisas pois, a partir desse processo, vislumbrou-se a possibilidade de refinamento na personalização do implante. A impressão 3D é capaz, por exemplo, de reproduzir reentrâncias, imitar curvas e ângulos e reeditar níveis de rigidez e elasticidade que mimetizam o comportamento de um tecido ósseo.

O problema, a partir de então, passou a ser o acesso à matéria-prima. Nesse ponto, surgiu a proposta de se fabricar o pó metálico que vai entrar na composição da liga – um material, hoje, importado. De acordo com Lopes, os grandes consumidores das ligas de titânio encontram-se nos setores aeroespacial, químico e petroquímico. O setor médico, aquele dedicado aos implantes, representa apenas uma fração muito pequena dessa cadeia. “As usinas vão preferir montar uma estrutura que atenda ao setor aeroespacial, químico ou de óleo e gás, que demandam milhões de toneladas”, explica o professor. “Assim, o setor biomédico fica apenas com a sobra. Por causa dessa característica do mercado, produzir ligas para esse setor acabou ficando caro demais.”

O professor conta que, durante o mestrado e o doutorado, estudou muito esse cenário e, nos últimos anos, percebeu a importância da manufatura aditiva. De acordo com Lopes, o processo tradicional demanda a disponibilização de ligas em chapas ou barras – que variam de espessura e tamanho e precisam ser armazenadas nos estoques das empresas. “Agora, com a manufatura aditiva, nós pulamos etapas. Só armazenamos o pó metálico e, com esse pó, eu posso fazer qualquer coisa. Vou direto para o implante que eu desenhar. É como se, com um único ingrediente, eu conseguisse cozinhar todas as receitas”, explica o professor.

A partir da melhoria do processo produtivo, Lopes vislumbra um cenário diferente. “As empresas menores vão querer entrar na cadeia a fim de produzir a liga para volumes pequenos, coisa de 100 kg, 200 kg, 1 tonelada. Isso vai facilitar a produção e ampliar as chances de essas ligas chegarem às prateleiras dentro de mais algum tempo”, avalia.

O professor conta que, no projeto proposto junto à Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), prevê adquirir um equipamento permitindo a fabricação do pó. “Uma das vertentes do projeto é justamente essa. Abrir espaços para que startups, spin offs trabalhem na produção do pó”, diz. Segundo Lopes, esse tipo de tecnologia, se usada para atender ao Sistema Único de Saúde (SUS), por exemplo, poderá reduzir de forma drástica as filas de espera e diminuir os custos envolvidos nesses procedimentos. O SUS sozinho, afirmou, faz 10 mil cirurgias de joelho por ano e a implantação de próteses de quadril chega a 30 mil procedimentos por ano.

Além da coordenação do professor Éder Sócrates Najar Lopes, a pesquisa conta ainda com as colaborações dos professores Laís Pellizzer Gabriel e Augusto Ducati Luchessi, ambos da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, e dos professores Bruno Watanabe Minto (FCAV) e Renato Sawazaki (UPF).

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