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Retirantes
Quadro “Retirantes”, de Candido Portinari: regionalismo é tema frequente nas artes plásticas e na literatura brasileiras

Literatura regionalista através do tempo

Obra analisa temática regional em produções literárias brasileiras desde o século 19 até os dias atuais

As conexões do regionalismo, uma das categorias mais importantes da literatura nacional, com processos históricos brasileiros e o desenvolvimento de nossa cultura são analisadas em Pelo prisma rural, de Fernando Cerisara Gil, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR). O livro reúne ensaios que apresentam a relação de contextos políticos e sociais com o surgimento da literatura regionalista no país, além de analisar importantes obras da ficção nacional que abordam o universo rural. Em seu livro, o autor chama a atenção para aspectos pouco explorados pela crítica literária como, por exemplo, a articulação do regionalismo com a formação da república brasileira, principalmente quando se leva em conta as disputas políticas regionais no começo do século 20. Nesta entrevista, Gil lista as motivações para aprofundar-se no tema e explica como foi o processo de curadoria de obras para a composição do livro.

Jornal da Unicamp – Como surgiu o interesse pelo regionalismo e quais foram as motivações para a produção do livro?

Fernando Cerisara Gil – Meu interesse pelo regionalismo surgiu não a partir dos problemas diretamente ligados a discussões de longa data já travadas na crítica e na historiografia brasileiras, mas emergiu da leitura de romances, de narrativas rurais, daquilo que a crítica chama de literatura regionalista. Foram essas narrativas e alguns problemas que essas leituras suscitaram que me levaram, depois, ao estudo do tema do regionalismo. Então, foi como leitor e como alguém que se interessa pelo que chamo de romance rural, desde seu surgimento no século 19, que me aproximei da discussão, digamos, mais teórica, mais historiográfica dos problemas e das questões que circunscrevem o fenômeno do regionalismo na literatura brasileira. A relação entre ficção rural e regionalismo é inevitável? Eu diria que depende. No meu caso, como passei, num determinado momento, a me interessar pelo processo histórico e literário como um todo, diria que sim.

JU – Na sua opinião, como o livro contribui para essa área nos estudos literários no Brasil?

Fernando Cerisara Gil – Talvez o livro possa contribuir em dois sentidos. O primeiro seria o de enfocar aspectos que me parecem pouco explorados ou pouco percebidos pela crítica sobre o regionalismo e trazê-los para a discussão. É o caso, por exemplo, do modo como a noção de regionalismo literário e cultural está vinculada visceralmente com o problema da formação política do Brasil republicano, no quadro das disputas políticas regionais e do centro de poder. Não dá para entender o regionalismo sem essa articulação. Outro ponto que busco examinar são algumas das tensões entre o regionalismo e o modernismo paulista, pouco consideradas pela crítica. A segunda contribuição refere-se ao fato de ser um livro de análise literária que procura estudar as diferentes maneiras com que a ficção brasileira deu forma e voz ao que chamo genericamente de matéria rural, predominante ao longo do século 20, mas já com algum ingresso de estudo também no século 21.

JU – Como você vê a presença do regionalismo literário na produção contemporânea?

Fernando Cerisara Gil – A própria pergunta, em si, já traz um problema, que é o seguinte: até que ponto se pode falar em regionalismo na produção contemporânea brasileira? Faz sentido, ainda hoje, utilizar a noção de regionalismo no estudo da cultura e da literatura brasileiras? Visto pela perspectiva do modo como, nas últimas três, quatro décadas, o capitalismo globalizou as relações sociais, a produção e o consumo em todas as esferas, é muito difícil se falar em regionalismo no século 21 da mesma forma como nos referíamos a este conceito até o final da década de 1950. Isso não significa que a matéria rural deixou de estar presente na ficção brasileira. Estão aí escritores como Ronaldo Correia de Brito, Maria Bessa, Itamar Vieira Junior, para citar apenas alguns, para comprovar isso. No entanto, parece-me que a questão, aqui, não é mais o regionalismo, apresentado com os problemas de cunho literário, cultural e político como vemos até a metade do século passado. A presença do rural e tudo o que esse espaço implica na ficção e fora dela precisam ser pensados em outros termos.

JU – Como se deu a escolha das obras e dos autores abordados no livro?

Fernando Cerisara Gil – Essa obra é composta por uma série de ensaios que foram escritos ao longo de um bom tempo; portanto, não foram produzidos especificamente para esse livro. Eu diria que há um eixo que os articula em algum nível, e que diz respeito ao modo como a ficção brasileira, no romance, no conto ou na novela, procurou dar forma à matéria rural. Ou, visto por outro ângulo, como a matéria rural tensionou nossa ficção mesmo em lugares em que parece ausente. E não falo em matéria rural como uma essência, uma substância histórica. Pelo contrário, os ensaios buscam mostrar como a forma literária, deixando-se penetrar por ela, a faz multiforme e variada, do ponto de vista histórico, social e formal. Uma instabilidade histórica e formal com presença constante, cuja experiência se estende como resíduo de grande força até hoje.


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