Riscos ocultos dos corantes naturais
Tese desmistifica ideia de que esses compostos são isentos de efeitos adversos para o corpo humano
Paula Penedo
Texto
Antonio Scarpinetti
Fotos
A ideia de que tudo o que é natural não faz mal é bastante difundida entre adeptos de um estilo de vida sustentável, mas deixa de fazer sentido diante da quantidade de substâncias tóxicas encontradas na natureza. Do veneno de cobra à ricina – substância letal presente nas sementes de mamona –, são diversos os produtos naturais dos quais é melhor manter distância. O que muitas pessoas não sabem é que, além de impactar a saúde humana, esses compostos também podem ser prejudiciais ao meio ambiente, contaminando corpos d’água e atingindo as espécies ali existentes.
Exemplo disso são os corantes naturais, que têm despontado como alternativa ao uso dos sintéticos nas indústrias têxtil e alimentícia. Uma pesquisa de doutorado realizada na Unicamp demonstrou que resíduos desses produtos, ao entrarem em contato com diversos organismos aquáticos, podem desencadear até mesmo a morte de crustáceos e peixes. O estudo, conduzido pela bióloga Natália Oliveira de Farias e fruto de uma parceria com o projeto finlândes BioColour, que atua no desenvolvimento de paletas de corantes naturais, foi realizado no Laboratório de Ecotoxicologia e Genotoxicidade (Laeg) da Faculdade de Tecnologia (FT). A tese foi defendida no Instituto de Biologia (IB).
A cientista explica que o uso de corantes naturais remonta à Antiguidade, porém, durante a Segunda Revolução Industrial, foram substituídos pelos sintéticos devido à sua maior acessibilidade, viabilidade e custo mais baixo. No entanto, descobertas recentes sobre o potencial mutagênico e carcinogênico desses últimos reacenderam a discussão sobre os corantes naturais, partindo-se da premissa de que não causariam os mesmos efeitos adversos. “O que acabamos descobrindo com o trabalho é que não é bem assim. Os compostos usados como corantes naturais, extraídos de fontes como plantas e fungos, podem fazer muito mal à saúde humana porque são inseridos em contextos diferentes, nos quais sua função original é alterada”, afirma.
Adicionalmente, a geração de compostos de origem natural requer a compreensão de todo o seu ciclo de produção, cujos impactos podem se estender para além da contaminação do meio ambiente. Dessa forma, se uma empresa de moda optar por utilizar um corante de origem vegetal em todas as roupas que produz, terá que levar em consideração aspectos como a quantidade de plantas a ser cultivada para atender à demanda do mercado – e, consequentemente, a extensão de terra necessária –, o método de extração do composto e até mesmo o tipo de solvente a ser empregado, sem contar os custos associados a todo o processo, os quais podem torná-lo inviável.
Além disso, é mais difícil fazer os corantes naturais se fixarem nas fibras dos tecidos, uma vez que o processo exige o uso dos chamados mordentes. Essas substâncias intermedeiam o contato entre o corante e a fibra, mas muitas delas são metais tóxicos para o ambiente. “Quando você não tem o mordente, o corante até pode se ligar à fibra, mas pouco dele vai permanecer. A maioria vai embora com os efluentes [resíduos líquidos de um processo industrial ou químico], e pode ser que a cor vá desaparecendo da fibra com o tempo. Alguns mordentes naturais estão sendo avaliados como substitutos dos metálicos, mas ainda é um trabalho em desenvolvimento”, observa a pesquisadora, defendendo que a escolha entre natural ou sintético deve ser realizada a partir do estudo de cada caso.
Resultados
Em sua pesquisa, Farias avaliou os efeitos toxicológicos dos corantes dermorubin, dermocybin e emodin, fornecidos pela BioColour e extraídos do fungo Cortinarius sanguineus – um cogumelo vermelho comum na Europa. Para tanto, os corantes foram testados em uma microalga verde e em três invertebrados, sendo dois deles de água doce e um marinho, além do peixe paulistinha. Também foram investigados potenciais danos no material genético, utilizando o Parhyale hawaiensis – um tipo de crustáceo marinho bastante usado em análises genéticas–, e de mutagenicidade, utilizando diferentes linhagens da bactéria Salmonella.
Apesar de os três corantes terem a mesma origem e uma estrutura química semelhante, os resultados demonstraram efeitos bastante diversos. Enquanto o dermorubin não apresentou nem toxicidade e nem mutagenicidade nas condições testadas, o dermocybin teve um resultado mediano, com efeitos tóxicos para os microcrustáceos. Por outro lado, o terceiro mostrou-se tóxico para os microcrustáceos e o peixe, mesmo em baixas concentrações, e foi o único corante testado que apresentou mutagenicidade para o organismo aquático e para a Salmonella.
De acordo com a professora Gisela de Aragão Umbuzeiro, coordenadora do Laeg e orientadora da pesquisa, ainda não se sabe exatamente o que causa a diferença entre esses tipos de corantes. No caso do emodin, a mutagenicidade ocorre devido a sua estrutura planar, o que faz com que a molécula se intercale no DNA, mas as causas das divergências nos efeitos tóxicos ainda são um mistério. “Ainda estamos tentando entender o que causa a diferença entre esses três corantes. Se observarmos as suas fórmulas, quase não dá para ver diferença, então é uma linha de pesquisa que nosso laboratório ainda vai desenvolver”, afirma a docente.
Além dos ensaios de toxicidade para os três corantes extraídos do Cortinarius sanguineus, a pesquisa também realizou a simulação de tingimento com outros dois corantes fornecidos pela BioColour, a partir das cascas das cebolas amarela e roxa. O objetivo foi verificar a eficácia do processo de tingimento e a toxicidade dos corantes, dos mordentes e dos efluentes gerados. Embora esses corantes não tenham sido tóxicos para os organismos aquáticos, foram mutagênicos para a Salmonella, ao mesmo tempo em que os mordentes e efluentes gerados tiveram efeitos tóxicos para os microcrustáceos avaliados.
Após mais de 15 anos trabalhando com análise de toxicidade de corantes, Umbuzeiro chegou à conclusão de que o melhor é o minimalismo. Desde as escolhas de moda até o trabalho realizado no laboratório, a professora acredita que a mensagem deve ser a redução da pegada ecológica. “Para mim, menos é mais. Consumir menos é sempre o ideal, mas se tomarmos a decisão de utilizar algo, devemos avaliar o perigo das substâncias e escolher aquelas que oferecem menor risco à saúde humana. Idealmente, devemos recorrer a programas de predição da toxicidade. Contudo, se for necessário realizar testes, devemos escolher sempre os miniaturizados, reduzindo ao máximo o uso de substâncias e a produção de resíduo”, finaliza.