Livro explora nuances cênicas do Campo de Visão
Autor compartilha experiência de três décadas dedicadas à pesquisa de método teatral
Leo Navarro
Especial para o Jornal da Unicamp
Rafaela Repasch
Ilustraçao
A obra Campo de Visão: um exercício de alteridade, escrita por Marcelo Lazzaratto, diretor de teatro e professor na Unicamp, explora o método teatral denominado Campo de Visão, destacando suas múltiplas dimensões pedagógicas, estéticas e filosóficas. No livro, Lazzaratto compartilha uma jornada de 30 anos dedicados à pesquisa e ao aprimoramento dessa técnica, fundamentada na improvisação teatral coral.
Segundo o professor, esse método pode ser usado em diversos tipos de produção teatral, desde peças clássicas até criações originais. Lazzaratto ainda destaca sua eficácia na ampliação do repertório gestual, no desenvolvimento de empatia e na expansão do potencial criativo do ator. Para ilustrar esses princípios, o pesquisador apresenta o processo de criação das peças Ifigênia, O Jardim das Cerejeiras e Diásporas, que incorporaram essa técnica. Leia abaixo a entrevista com o autor e saiba mais sobre esse método.
Jornal da Unicamp – Como essa obra pode ajudar professores e estudantes de teatro a compreender melhor o método Campo de Visão e a aplicá-lo em suas práticas pedagógicas?
Marcelo Lazzaratto – O livro, em sua primeira parte, faz uma substanciosa reflexão a respeito daquilo que comumente chamo de “aspectos de fundo”, ou seja, conceitos que calçam o e ao mesmo tempo são os maiores objetivos do trabalho: o exercício de alteridade, a relação entre individualidade e coletividade, os conceitos de complexidade e solidariedade. Ainda nessa primeira parte, descrevo, de maneira esquemática, o passo a passo dos cursos sobre Campo de Visão que costumo oferecer.
Nos capítulos seguintes, o leitor poderá se deparar com diferentes processos criativos nos quais essa técnica foi utilizada plenamente. Creio que, tudo somado, o livro seja uma ótima contribuição para que os interessados possam aplicá-lo. Entre diversas intenções, essa é a intenção pedagógica de Campo de Visão: um exercício de alteridade.
JU – Quais os principais desafios enfrentados ao longo de sua pesquisa?
Marcelo Lazzaratto – Pesquiso o Campo de Visão há mais de 30 anos. No caminho, encontrei todo tipo de dificuldade, mas também muita satisfação. As dificuldades geralmente são as de estrutura, ou seja, financiamento e apoio para a pesquisa em artes, que não são a tônica em nosso país. Muitas vezes continuamos o processo na “raça”, por pura paixão, mas também por acreditarmos plenamente em sua potência. A satisfação se dá sempre por meio das pessoas, do retorno delas depois de realizarem o trabalho. Elas me dizem o quanto ele é transformador, agregador, intenso e leve ao mesmo tempo, dinâmico e profundo. O trabalho é muito recompensador e estimulante para quem o faz e, acredite, para quem o coordena também. Ele expande horizontes, nos tira de nosso eu comezinho e nos lança em um campo de inúmeras possibilidades poéticas.
JU – Como você vê a relação entre teoria e prática no teatro e como o método Campo de Visão pode ajudar a integrar esses dois aspectos?
Marcelo Lazzaratto – O teatro é uma arte em que há um contínuo entrelaçamento entre teoria e prática. Isso está em seu DNA. No chamado teatro de pesquisa ou na pesquisa de linguagem cênica, então, esse entrelaçamento é ainda mais fortalecido. A prática insemina a reflexão, assim como a reflexão estimula a prática, constantemente. Com o Campo de Visão, é a mesma coisa. Nesse livro, por exemplo, toda a primeira parte está apoiada nas reflexões que o exercício continuado me proporcionou nos últimos dez anos. O “exercício” em teatro faz com que tanto os músculos físicos como os da imaginação e do pensamento se condicionem, mas, que fique claro, regidos pela sensibilidade. No Campo de Visão, estimulam-se, antes de qualquer coisa, o apuro e a utilização da sensibilidade.
JU – Como foi o processo de aplicação do Campo de Visão em obras já conhecidas, como O Jardim das Cerejeiras?
Marcelo Lazzaratto – O Campo de Visão, por ser um exercício e pressuposto estético com ênfase na coralidade, contribui – e muito – com os aspectos invisíveis do jogo cênico. Para de fato existir a coralidade, deve haver algo que una os indivíduos antes da aparência, do gesto, do movimento, da dinâmica imposta pela encenação. Na montagem de O Jardim das Cerejeiras, o Campo de Visão contribuiu nesse aspecto basilar, estabelecendo uma sensível e sutil relação entre os atores e seus personagens.
Concebi a encenação com o seguinte mote: todos estão no jardim, todos são o jardim – cada corpo seria, então, um corpo-paisagem que refletisse um aspecto próprio do jardim. Ou seja, o Campo de Visão ativou atmosferas nos corpos que refletiram paisagens, e os corpos-paisagens, por sua vez, ativaram atmosferas no espaço, tornando tudo evanescente, fugidio. E muito da beleza do espetáculo estava nessa percepção das coisas que vão perdendo os contornos.
JU – Quais são seus planos futuros em relação a esse método e ao teatro em geral?
Marcelo Lazzaratto – O trabalho em teatro não cessa, assim como a pesquisa sobre o Campo de Visão não se esgota. A beleza disso é porque o Campo de Visão se dá somente em interação com o outro, e, assim, tenho sempre um olhar renovado sobre ele. O Outro sempre oferece ao Eu outras possibilidades, e isso é fascinante. Por vezes amedrontador, mas sempre estimulante. No atual momento, começo a ensaiar um texto escrito por mim, 21 passos para MdEa, um monólogo a ser interpretado por Carolina Fabri, a atriz que certamente mais jogou com e experimentou em si o Campo de Visão.
Depois de tantos anos, iremos experimentar como suas premissas operam em alguém sozinho em cena, tendo o mito de Medeia, a personagem e as referências teóricas e imagéticas como interlocutores. Dessa forma, poderemos descobrir como uma pesquisa coral se dá em apenas um indivíduo.
Título: Campo de visão: um exercício de alteridade
Autor: Marcelo Lazzaratto
Edição: 1a
Ano: 2023
Páginas: 192
Dimensões: 16 cm x 23 cm