Projeto tem apoio da Unesco e agrega iniciativas de letramento midiático e combate às notícias falsas
A profusão de informações falsas no Brasil atingiu um patamar inédito nos últimos anos, suscitando discussões sobre formas de conter essa epidemia de fake news. Com o objetivo de reunir iniciativas práticas, de reflexão e de formação relacionadas ao problema, pesquisadores da Unicamp e da Universidade Federal do Acre (Ufac) criaram o Observatório da Desinformação. O projeto, ligado à Aliança Unesco para Letramento Midiático e Informacional, realizará uma olimpíada nacional contra a desinformação, entre outras atividades hoje em andamento ou a se iniciarem.
O observatório é coordenado pelas pesquisadoras Claudia Wanderley e Eliara Ferreira, do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência (CLE), pela professora e historiadora Josianne Cerasoli, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), ambos da Unicamp, e pelo professor e biólogo Ewerton Machado, do Centro Multidisciplinar (CMulti) da Ufac. Do projeto podem participar pesquisadores que desenvolvam trabalhos nessa área ou que queiram contribuir com as atividades já em andamento.
“Queremos agregar ações sobre o combate à desinformação”, aponta Wanderley, que representa, no Brasil, o projeto da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). A pesquisadora conta que o projeto-raiz do observatório é a iniciativa Pergunte a um Cientista, da qual fazem parte instituições como a Unicamp, a Ufac, a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Por meio dessa ideia, estudantes são incentivados a enviar perguntas para pesquisadores. “O projeto vem de uma rede chamada Ask a Scientist [pergunte a um cientista], que nasceu nos Estados Unidos. Quando o [hoje ex-presidente Donald] Trump assumiu, encerrou a rede, mas, depois, ela voltou em uma versão ligada à desinformação”, explicou a pesquisadora.
O Pergunte a um Cientista, segundo Wanderley, coloca colegas para pensar juntos sobre a desinformação. “Vamos percebendo o que desperta a curiosidade de um estudante, o que ele perguntaria se tivesse um canal direto com um cientista, e isso cria um radar sobre as questões que geram mais dúvidas.” No site pergunte.online, qualquer pessoa pode deixar sua pergunta.
Além desse projeto, o observatório oferece cursos e atividades de letramento midiático. “Verificar a fonte da informação faz parte do trabalho acadêmico e jornalístico, assim como é algo de responsabilidade do cidadão. A escala que a questão tomou vem acompanhada de uma transformação grande nos meios de difusão e na geração da informação. Hoje, a gente precisa de uma alfabetização para não se desinformar”, indica Cerasoli.
Com parte desse esforço, o grupo desenvolve, por exemplo, oficinas ministradas no âmbito do projeto UniversIdade, programa de atividades voltadas a idosos que ocorre na Unicamp. Essas oficinas têm como objetivo ajudar o público idoso a checar informações e a identificar o que é falso ou duvidoso. Os membros do observatório também ministram o curso Direitos Humanos, Diálogo Intercultural e Letramento Midiático, voltado a professores da rede básica de ensino de Campinas (SP). As aulas duram um semestre e abordam o uso ético da informação, da mídia e da tecnologia. Outro curso oferecido é o Alfabetização Midiática, Informacional e Diálogo Intercultural – Unesco e Unicamp, disponível na plataforma Coursera.
Adicionalmente, os idealizadores do projeto estão elaborando uma revista científica e de opinião, denominada MilJournal. Textos poderão ser enviados à publicação por meio da página miljournal.org. Outra atividade do observatório é o evento MilWeek – Semana do Letramento Midiático e Informacional. Na edição de 2023, que ocorreu entre 24 e 31 de outubro, o tema da atividade foi “Conjunturas Brasileiras, Meio Ambiente e Desinformação”.
Todas essas iniciativas atacam um ecossistema que, para Ferreira, cresce em consonância com a extrema direita no mundo e que, embora espalhe confusão, é organizado. “Ele é organizado porque não é só a mentira que é disseminada. Há também a produção da mensagem como conteúdo midiático. Isso se consolida no Brasil com o bolsonarismo, porque hWá um suporte financeiro a esse processo e há o agenciamento de uma voz pública a favor dessa disseminação e produção,” disse a pesquisadora, que também é jornalista.
Expandindo o observatório
Professor na região Norte do país, Machado aponta que busca trazer a iniciativa para pensar a desinformação no contexto dos povos da floresta. Enquanto biólogo pesquisador dos impactos humanos na biodiversidade, ele ressalta a importância de coibir a desinformação no atual contexto de crise ambiental. “Quanto mais se escancara a grave situação ambiental que enfrentamos hoje, mais se tenta mascarar esse cenário. Não é do interesse financeiro de grandes grupos que questões ambientais ganhem difusão. A desinformação e o mau uso da informação sustentam um discurso que piora nossa relação com o meio ambiente”, avalia.
Junto a alunos da Ufac, e dentro do escopo do observatório, o docente desenvolve o projeto de extensão Filosofia e Biologia para Todos. Nele, estudantes do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas levam o que aprenderam na disciplina “Bases Filosóficas da Ciência, do Ensino e da Biologia” para a praça central da cidade de Cruzeiro do Sul (AC). No local, dialogam com quem passa, buscando despertar o interesse das pessoas pela filosofia e pela ciência.
Atividades como as desenvolvidas por Machado e seus alunos são importantes e incentivadas pelo Observatório da Informação, cujos membros acreditam no potencial construtivo e formativo que tais ações possuem. Interessados em somar-se aos projetos do instituto podem entrar em contato por meio de formulário no site observatoriodadesinformacao.org.
Olimpíada nacional
Junto ao governo federal, o Observatório da Desinformação está articulando a criação de uma olimpíada nacional contra fake news, a primeira competição nacional com esse perfil. A iniciativa foi divulgada no dia 23 de outubro, durante a Semana Brasileira de Educação Midiática, organizada pela Secretaria de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, com apoio do Ministério da Educação e da Unesco.
Segundo membros do observatório, a olimpíada tem como objetivo levar sua mensagem à educação formal e provocar um efeito multiplicador. A ideia é capacitar estudantes e docentes do ensino médio a atuarem de modo crítico, informado, responsável e consciente nas interações sociais que envolvem o acesso a informações, seu uso e sua divulgação.
A olimpíada deve mobilizar 400 mil estudantes em atividades científicas que promoverão uma leitura crítica sobre os meios de comunicação e o desenvolvimento de soluções para contextos em que a desinformação e a circulação de notícias falsas crescem exponencialmente.