Aplicativo refinará plano de intervenção para atletas e praticantes regulares de esporte
Avaliar o tratamento de lesões em atletas e pra ticantes regulares de esporte é um desafio para a medicina esportiva porque essas pessoas possuem demandas físicas que diferem das da população geral. Pensando nisso, um grupo liderado pelo professor Sérgio Rocha Piedade, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, está desenvolvendo um aplicativo que irá auxiliar no refinamento de um plano de intervenção para esses pacientes. A tecnologia está sendo desenvolvida com uma bolsa de US$ 15 mil que o docente recebeu da Sociedade Internacional de Artroscopia, Cirurgia do Joelho e Medicina Esportiva Ortopédica (Isakos, na sigla em inglês), concedida para projetos realizados em países com recursos limitados.
A ideia do software surgiu a partir de um trabalho iniciado ainda em 2013, quando Piedade – que coordena a área de Medicina do Exercício e do Esporte da FCM – começou a estudar o Prom, acrônimo de patient reported outcome measures, ou desfechos relatados pelos pacientes. Trata-se de um questionário que identifica a avaliação do paciente sobre seu próprio tratamento antes da resposta de um especialista. Até cerca de 20 anos atrás, os resultados dos procedimentos médicos eram avaliados a partir da visão do próprio profissional de saúde. No entanto, a partir da perspectiva do cuidado centrado no paciente, surgiu uma abordagem mais com- preensiva sobre como a intervenção médica pode afetar a vida dessas pessoas.
Durante suas investigações, o docente conduziu uma revisão sistemática que identificou um hiato, a ausência de um Prom desenhado especificamente para a medicina esportiva. O mais próximo dessa abordagem eram questionários destinados a pacientes ortopédicos – aplicados tanto para atletas como para não atletas – e que não eram uniformes nem mesmo para procedimentos cirúrgicos semelhantes. Além disso, esses questionários eram anatomicamente específicos, ou seja, destinados a avaliar apenas um determinado local do corpo, como ombro, cotovelo, punho ou quadril, e não levavam em consideração as necessidades da população atleta, que possui demandas físicas específicas.
“Um goleiro, por exemplo, usa as mãos, salta, defende, enquanto os demais jogadores do time têm o drible, correm, aceleram. Então, essa dinâmica do esporte é diferente porque pode ter impactos em várias regiões do corpo dependendo da função que o atleta desempenha”, explica o médico, que, a partir dessa constatação, desenvolveu um questionário Prom cujo ponto-chave consiste no padrão de demanda física reportado pelo próprio atleta. Assim, o paciente responde às questões a partir do ponto de referência que ele mesmo estabeleceu. “O questionário tem quatro pilares. O primeiro coleta dados e informações sobre a condição do atleta antes de ter a lesão e o segundo, do atleta já lesionado. O terceiro e o quarto abordam, respectivamente, a expectativa inicial e a avaliação posterior do paciente quanto ao tratamento”, acrescenta.
São, ao todo, 11 questões cuja pontuação vai de zero a dez. O atleta tem a oportunidade de resonder a perguntas sobre a influência da atividade física em sua vida; o nível de competição da qual participa; o quão estimulante é a atividade esportiva; quais são as principais demandas físicas da atividade; e o quanto a lesão afetou a qualidade de vida e o desempenho esportivo, entre outros assuntos. Discorre também sobre as expectativas quanto ao tratamento e sobre como se sente psicologicamente no pós-operatório. “Nós acabamos criando o primeiro Prom da literatura científica voltado para atletas profissionais e regulares. Para além da felicidade pela premiação, o financiamento viabiliza o desenvolvimento de um software que dará continuidade a esse processo”, comenta Piedade.
Análise estatística
O questionário 4-Domain Sports PROM, como é chamado, é mais complexo que os Proms utilizados em outras áreas porque permite agrupar e analisar atletas de acordo com a modalidade esportiva, o local da lesão e o tipo de procedimento cirúrgico realizado, comparando os resultados do tratamento. Tendo isso em vista, o software a ser desenvolvido pretende otimizar a implementação do questionário, interpretando com maior precisão as informações fornecidas dentro de cada um dos domínios apresentados. Esse objetivo deve ser alcançado por meio de um cálculo estatístico capaz de gerar, automaticamente, os dados conforme o aplicativo é alimentado.
O emprego de uma ferramenta reprodutível, fácil de usar e validada por pares permitirá, ainda, criar gráficos e fazer análises comparativas dos resultados dos pacientes a fim de avançar nas estratégias de tratamento. “A partir do momento em que eu tenho esses dados mais precisos, consigo definir a tomada de decisão. Eu posso ter uma abordagem cirúrgica que é muito boa do ponto de vista técnico, mas o que o paciente acha disso? Ela vai impactar a qualidade de vida dele? Trata-se de voltar a ser mais humano ao cuidar do paciente, oferecendo outras possibilidades além de uma pontuação final, como ocorre nos questionários tradicionais, que focam parâmetros objetivos e, na sua maioria, não consideram a avaliação subjetiva do paciente”, comenta o professor.
Desde que iniciou o projeto de desenvolvimento do questionário, em 2017, o grupo de Piedade produziu quatro artigos sobre o tema, incluindo dois capítulos de livros publicados pela editora Springer International e dois artigos publicados nos periódicos Journal of ISAKOS e International Journal of Sports Medicine. Paralelamente ao desenvolvimento do software, o questionário – ela- borado em inglês – passou por um processo de tradução e adaptação cultural para a língua por- tuguesa, realizado no âmbito do mestrado profissional do aluno André Henrique de Toledo, orientado por Piedade.
O 4-Domain Sports PROM também está sen- do traduzido para os idiomas chinês, italiano, espanhol e francês. A expectativa é que o software já esteja com todas essas opções de idioma disponíveis ao final de seu desenvolvimento, previsto para meados de 2024, o que possibilitará o uso do aplicativo por médicos do esporte de diversas partes do mundo. “É importante ressaltar que esse trabalho do nosso grupo de medicina esportiva está contribuindo para a internacionalização da Universidade. É um projeto que vai trazer benefícios para toda a instituição”, garante o pesquisador.