Estudo investiga fatores que podem resultar em crescimento econômico inclusivo
Em um doutorado realizado no Instituto de Economia (IE) da Unicamp, Lilian Rolim desenvolveu um novo modelo econômico, baseado em agentes e com características kaleckianas (do economista polonês Michael Kalecki), enquanto investigava a relação entre a estrutura econômica e a distribuição de renda para estudar possibilidades de se chegar a um crescimento econômico inclusivo. Contemplado com a Menção Honrosa do Prêmio Capes de Tese (edição 2023), seu trabalho explicita a complexidade da relação entre as duas questões e evidencia a eficácia da combinação de políticas estatais redistributivas com medidas de regulamentação do mercado de trabalho como instrumento para conquistar um maior equilíbrio entre distribuição de renda e crescimento.
“Sua tese fornece subsídios para a discussão de estratégias que visem a uma distribuição da renda mais igualitária. Essa temática é muito importante, porque se tornou um problema real e crescente no mundo, tanto para os países ricos como para os periféricos. Por mais que seja uma proposta teórica e pensada em uma economia abstrata, seu trabalho pode ter efeitos concretos na política”, avalia Carolina Baltar, professora do IE que orientou o doutorado em parceria com o professor Gilberto Lima, da Universidade de São Paulo (USP).
Recém-contratada como docente no IE, Rolim partiu da análise da interação entre poder de barganha dos trabalhadores e crescimento da produtividade para estudar as influências dessas variáveis na relação entre distribuição de renda e crescimento econômico. Porém, logo notou que seria necessário explorar primeiro – e de forma aprofundada – a influência da distribuição funcional de renda na distribuição pessoal de renda. A questão já havia se apresentado em seu mestrado, quando se debruçou sobre a literatura kaleckiana (que se concentra na macroeconomia) para analisar o processo no qual o Brasil, entre 2003 e 2015, conjugou crescimento econômico com redistribuição de renda.
Historicamente abordado de forma superficial – embora venha ganhando espaço recentemente, ressalta a pesquisadora –, o estudo teórico dos fatores envolvidos no processo das distribuições pessoal e funcional de renda (e em suas interações) tornou-se, concluiu, premente para seu trabalho. Portanto, em seu doutorado, Rolim associou características da teoria kaleckiana com modelagens baseadas em agentes para tratar, com mais precisão, dessa complexidade. “Minha hipótese era a de que seria importante conseguir um diagnóstico mais preciso sobre quais são os instrumentos capazes de serem usados para redistribuir renda. E isso sem cair em uma trivialidade de achar que a relação entre distribuição de renda e crescimento econômico seja necessariamente positiva, pois considerar que o resultado dessa interação possa não ser favorável permite justamente lidar com a situação como ela é”, argumenta a autora da tese.
“Embora a distribuição de renda não seja algo dado, muitas vezes, na literatura kaleckiana, ela é abordada como se fosse. Portanto, suas mudanças são tratadas sem mostrar como fazê-las. Também existe uma ideia de que, se a distribuição funcional está evoluindo – no sentido de aumentar a parcela salarial –, a distribuição pessoal caminhará na mesma direção”, esclarece Baltar.
Já o modelo baseado em agentes, compara a orientadora, consegue investigar comportamentos e mudanças que explicam a distribuição – além de sua evolução em determinada direção. “A pesquisa que a Lilian realizou é muito rica ao mostrar que o funcionamento das relações entre crescimento e distribuição é muito mais complexo. Nem sempre o resultado vai ser o que se espera, e o desafio foi entender o porquê. Às vezes, a distribuição funcional tem um efeito na atividade econômica. Pode haver grandes alterações distributivas, e a parcela salarial pode se manter a mesma. Nesse sentido, outros fatores têm um impacto muito grande.”
Segundo Rolim, trabalhar com textos dedicados ao estudo do comportamento dos agentes (principalmente trabalhadores e firmas heterogêneas) viabilizou a criação de um modelo que dá conta de analisar mais detalhadamente o que acontece no nível microeconômico, que se apresenta compatível com aspectos macroeconômicos da teoria kaleckiana. Olhar para o comportamento daquela distribuição – e para como os agentes envolvidos em suas mudanças fazem com que ela vá para uma direção e não para outra – auxilia no entendimento aprofundado sobre sua estrutura e fornece subsídios para discutir como modificá-la, notou.
O modelo foi testado em dois cenários diferentes, de economia fechada e aberta. No primeiro experimento, em cenário fechado, Rolim se concentrou em investigar a contraposição entre crescimento da produtividade e distribuição de renda, tocando em um dilema comum – ao mesmo tempo que pode levar a um aumento da renda, o crescimento da produtividade pode permitir que as empresas ampliem seus lucros, promovendo, assim, a concentração de renda.
Para esse primeiro cenário, de economia fechada, a pesquisadora considerou o aumento do poder de barganha dos trabalhadores como contraponto para conciliar as duas pontas, partindo do pressuposto de que, em uma situação real, essa situação poderia resultar em aumento salarial e pressionar para baixo a margem de lucro das empresas. “Como consequência, o que se vê é que as companhias tendem a alterar os preços de seus produtos e serviços para compensar suas perdas, desencadeando uma mudança na distribuição funcional que pode impactar também a pessoal”, argumenta. Em seu estudo, Rolim constatou que, na literatura existente, a análise da dinâmica da margem de lucro considerava apenas a competição entre as empresas, sem contemplar a influência do poder de barganha dos trabalhadores. “Poderíamos pensar, então, que o aumento desse poder não afetaria a distribuição funcional. Portanto, foi preciso avançar para poder chegar a uma dinâmica de alguma forma um pouco mais realista.”
Para ser aplicado em cenário de economia aberta, o modelo construído foi estendido, incorporando aspectos de economias de países emergentes a fim de captar os efeitos econômicos de choques externos – como crises, conflitos bélicos e aumento ou queda na exportação de commodities. “Choques externos afetam muito o comportamento dessas economias. Por isso, buscamos analisar seus impactos na dinâmica da economia doméstica e quais os seus efeitos sobre a distribuição de renda em países periféricos. Por exemplo, na década de 2000, o Brasil passou a exportar muito mais e a preços mais altos, o que favoreceu a balança comercial e seu próprio crescimento”, cita Rolim.
Após testar o modelo ampliado para o contexto de economia aberta, o estudo se voltou para a exploração dos efeitos obtidos quando ações de regulamentação do mercado de trabalho e de minimização da desigualdade de renda são combinadas (com o emprego de políticas estatais voltadas ao salário mínimo e à tributação progressiva). Para tanto, considerou variáveis como desemprego, inflação e atividade econômica. Após simular situações com diferentes combinações de políticas redistributivas e regulações, a pesquisadora constatou a possibilidade de utilização de tais medidas para conciliar um maior crescimento econômico com uma menor desigualdade de renda. “Como um laboratório para uma economia, o modelo se mostrou capaz de detectar alterações em uma mesma estrutura quando diferentes políticas são aplicadas”, concluiu.