Projeto do Instituto de Biologia foi selecionado por associação norte-americana para financiamento de US$ 200 mil
Envelhecer é uma realidade incontornável e lidar com as consequências desse processo, um desafio para especialistas de diversas áreas. A Organização das Nações Unidas (ONU) projeta que, em 2050, a população mundial com mais de 65 anos saltará dos atuais 761 milhões de pessoas para 1,6 bilhão. Esse aumento no número de idosos implica uma maior incidência de doenças típicas do envelhecimento, como as neurodegenerativas – entre elas, o Alzheimer. Dados da Alzheimer’s Association, uma entidade norte-americana, mostram que, em 2019, 55 milhões de pessoas no mundo sofriam com algum tipo de demência. Em 2050, a estimativa é que esse número chegue a 139 milhões.
Um projeto do Laboratório de Biologia do Envelhecimento (Labe) da Unicamp pretende investigar a possível relação entre a doença e o equilíbrio metabólico do organismo – especificamente, se o papel regulatório desempenhado pelo tecido adiposo influencia no surgimento e evolução do Alzheimer. A pesquisa obteve um financiamento da Alzheimer’s Association no valor de US$ 200 mil, por três anos. A coordenação do projeto caberá aos professores Marcelo Mori, do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, Mychael Lourenço, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Eduardo Zimmer, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
“Sabemos que existe uma relação entre metabolismo e Alzheimer, mas não sabemos ainda muito bem quais são os mecanismos moleculares envolvidos”, explica Mori. Segundo o docente, o projeto quer empregar a expertise acumulada nas pesquisas relacionadas à fisiopatologia do envelhecimento para oferecer respostas sobre a doença e apontar meios para combatê-la. “Queremos entender isso para saber qual ‘botão’ molecular precisamos desativar no organismo a fim de frear a progressão do Alzheimer.”
Grande regulador
O tecido adiposo, encarregado de estocar gordura, cumpre funções importantes no equilíbrio do organismo. Como principal reservatório energético do corpo, o estoque adiposo oferece substratos necessários ao metabolismo de órgãos e outros tecidos, contribuindo para seu bom funcionamento. “Do ponto de vista endócrino, esse tecido secreta moléculas que atuam em diversas partes do corpo, como o controle do apetite e do gasto energético, das funções cardíacas e de várias outras. Isso tudo é atrelado ao nosso balanço energético”, explica Mori.
O desequilíbrio desse sistema pode ocasionar o surgimento de doenças metabólicas comuns no processo de envelhecimento, como o diabetes. No caso da obesidade, por exemplo, muitos problemas decorrem do fato de o tecido atingir seu limite quanto ao estoque de gordura, levando o organismo a estocá-la em outras regiões. Segundo o docente, os adipócitos são responsáveis por estocar a gordura em áreas do corpo onde a gordura deve ser acumulada e, quando esse processo acontece em outros lugares, como no fígado ou no coração, ocorrem sérios problemas de saúde.
Estudos anteriores conseguiram identificar mecanismos pelos quais o tecido adiposo regula o funcionamento do organismo. Suas células produzem microRNAs que se ligam a moléculas de RNA (ácido ribonucleico) mensageiro, controlando a síntese de proteínas, processo que interfere no funcionamento das células de outros órgãos, como o fígado, por exemplo. Um dos focos do trabalho do Labe é, justamente, estudar de que modo a produção dos microRNAs pelo tecido adiposo atua como sinal para regular o funcionamento de tecidos.
Também já existem pesquisas apontando que os microRNAs provenientes do tecido adiposo podem regular processos de cognição, mas ainda há poucos indícios de que eles consigam chegar ao cérebro, e isso devido à barreira hematoencefálica, uma proteção adicional desse órgão. “E se o Alzheimer tiver relação com a capacidade de produção de microRNAs pelo tecido adiposo, que chegam ao sistema nervoso central, controlando processos cognitivos?”, questiona o pesquisador. Caso a hipótese se confirme, estaria aberto um caminho para inibir a produção de microRNAs específicos, evitando o surgimento e a evolução da doença.
A pesquisa vai trabalhar com camundongos modificados geneticamente, de forma que seja possível marcar os microRNAs produzidos especificamente pelo tecido adiposo e rastreá-los para saber se chegam ao cérebro. Também serão analisadas cobaias modificadas para que seu tecido adiposo não produza microRNAs. Nesse caso, será verificado se isso afeta o surgimento de doenças relacionadas ao Alzheimer. Graças à parceria com as outras duas universidades, os pesquisadores também analisarão cérebros de pessoas que apresentaram Alzheimer ao longo da vida a fim de compará-los com cérebros sem a doença, determinando se há naqueles alterações potencialmente causadas por microRNAs.
Esse será o primeiro projeto do laboratório a relacionar o tecido adiposo, a fisiopatologia do envelhecimento e o Alzheimer. Apesar de os pesquisadores nunca terem estudado diretamente a doença, o conhecimento gerado pelo grupo é de interesse da Alzheimer’s Association, o que justifica o atual financiamento. A instituição norte-americana recebe apoio de fundos e doadores para incentivar pesquisas que ajudem a desvendar outros aspectos dessa doença, ainda incurável. “Eles [a Alzheimer’s Association] buscam pesquisadores que tragam expertises diferentes capazes de contribuir com o entendimento sobre o Alzheimer”, comenta Mori.
Além de apoiar iniciativas de diversas áreas do conhecimento, a associação também destina recursos a linhas específicas de financiamento voltadas a pesquisadores de minorias étnico-raciais e de países emergentes, como é o caso do Brasil. Para Mori, a atuação da entidade contribui para o combate à doença e fomenta o desenvolvimento científico. “É interessante pensar em um mecanismo de financiamento de pesquisa utilizado para ampliar as áreas e a diversidade de pensamento que contribuem para o enfrentamento da doença.”