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Moradores são afetados pela ausência de políticas públicas em conjuntos habitacionais de Limeira

Acima e na foto abaixo, moradores no bairro Geada, que passou a ser habitado em 2014: sem equipamentos de saúde e de educação
Acima e na foto abaixo, moradores no bairro Geada, que passou a ser habitado em 2014: sem equipamentos de saúde e de educação
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Uma pesquisa de mestrado desenvolvida na Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp mapeou a distribuição dos equipamentos comunitários públicos de educação, saúde e assistência social na área urbana de Limeira (SP), bem como avaliou de que maneira a população é atendida por tais estruturas. O estudo, feito no âmbito do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas e Sociais, apontou que novos bairros periféricos demoram anos para serem atendidos por essas políticas públicas – algo infelizmente bastante comum na maioria das cidades brasileiras.

Dois exemplos trazidos pelo trabalho são o bairro Geada, inaugurado em 2014 e, até o momento, desprovido de equipamentos de saúde e educação, e o Residencial Rubi, entregue em 2017 e que recebeu o primeiro equipamento de saúde previsto para o local somente três anos depois, em 2020. Isso significa, no mínimo, que a população dessas localidades, formada pela classe trabalhadora e por grupos em vulnerabilidade social, fica um longo período sem acesso garantido a direitos fundamentais.

Foram levantados todos os equipamentos públicos do município (creches, escolas, unidades básicas de saúde, hospitais e centros de assistência social) e produzidos vários mapas com a localização dessas estruturas e seus respectivos raios de atendimento, além de mapas sobre a distribuição da população da cidade. Com o auxílio dessas imagens, os pesquisadores realizaram uma análise minuciosa sobre o panorama dos serviços e equipamentos públicos presentes no espaço urbano do município.

O grupo relacionou dados como localização dos conjuntos habitacionais e de condomínios fechados com indicativos de renda domiciliar, raça e cor, bem como com a taxa de trabalho infantil. Esses números foram obtidos em levantamentos feitos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O trabalho, desenvolvido por Noan Sallati, com orientação do professor Carlos Etulain e co-orientação do professor Rodrigo Toledo, membros do Laboratório de Economia e Gestão (LEG) da FCA, foi contemplado, este ano, com o Prêmio de Reconhecimento em Direitos Humanos Unicamp – Instituto Vladimir Herzog. “O prêmio foi um reconhecimento muito merecido, pois o trabalho é uma pesquisa aplicada que permite apontar possíveis melhorias nas políticas de educação, saúde e assistência social do município”, afirma Etulain.

Segundo Angela Cristina Lucas, assessora da Pró-Reitoria de Pesquisa da Unicamp e coordenadora da Comissão de Avaliação do Prêmio, a dissertação de Sallati revela informações importantes, completas e detalhadas para a elaboração de políticas públicas baseadas em evidências científicas e que promovam equidade social.

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O bairro Geada, inaugurado em 2014 que, até o momento, está desprovido de equipamentos de saúde e educação

Moradia é direito

As três localidades apontadas pela pesquisa como prioritárias para as políticas públicas urbanas em Limeira – áreas noroeste, sul e leste –, que apresentaram os piores indicadores de Rendimento por Domicílios, maior taxa de trabalho infantil e maior potencial de vulnerabilidade, são justamente as que abrigam a significativa maioria dos 44 conjuntos habitacionais populares construídos na cidade.

Entretanto, a existência de bairros populares afastados do centro da cidade e desprovidos de equipamentos públicos essenciais que garantam o respeito aos direitos básicos da população mais vulnerável não é exclusividade de Limeira. Estudiosos da área da urbanização apontam que a situação é muito comum na maioria das cidades brasileiras de médio e grande porte e tem como causa a especulação imobiliária aliada ao poder público, ou seja, a financeirização da moradia e da terra, processos que geram injustiças sociais e segregam os mais pobres da convivência urbana.

Esse fenômeno ocorre quando a política pública de habitação atende aos interesses privados da elite (grandes incorporadoras e donos de terra, por exemplo) por meio de parcerias público-privadas ao invés de beneficiar a população que precisa e tem direito a habitar a cidade e usufruir dos benefícios oferecidos. As cidades são, portanto, produzidas como mercadorias e não como espaços públicos aos quais todos merecem ter igual acesso.

Segundo Toledo, atualmente, as cidades brasileiras produzem e reproduzem formas de morar que são excludentes, violentas e segregacionistas – e a população mais pobre é usada como “isca” para a valorização de terrenos privados. “A elite endinheirada de um município determina onde irá residir a população que é cidadã na letra da lei, mas não o é na vida social concreta. São os bairros chamados de populares, construídos na extrema periferia da cidade em conluio com o poder público municipal. É a forma de expansão da cidade, que se utiliza da população de mais baixa renda para, ao longo do tempo, valorizar vastas extensões de terras no interior do tecido urbano que se converterão em condomínios fechados de luxo.”

O trabalho também aponta o papel da Emenda Constitucional 95/2016, conhecida popularmente como “Teto de Gastos”, na redução permanente dos gastos públicos e, consequentemente, no estrangulamento da capacidade do Estado de atender às demandas sociais mínimas. “Na prática, as implicações de políticas macroeconômicas de austeridade resultam em menor disponibilidade de recursos para os municípios, os quais, por sua vez, realizam menores aportes em suas políticas públicas, incluindo os equipamentos comunitários e demais políticas urbanas, acarretando sucateamentos e piores condições de atendimento da população”, esclarece Sallati.

A atribuição da administração pública de identificar a exclusão social e projetar perspectivas de cidadania é destacada pelos pesquisadores como algo fundamental para a produção de cidades com maior justiça socioespacial. Conforme argumenta Toledo, a história das cidades é uma história de lutas. “São muitos territórios em disputa e as assimetrias de poder econômico e político dão o tom e o formato dos desenhos urbanos. O poder público pode fazer com que o direito à cidade se amplifique. O direito de todos os habitantes, presentes e futuros, temporários e permanentes, de usar, ocupar, governar e usufruir as cidades. Que as cidades não sejam apenas um tecido composto por moradias histórica e socialmente desconexas.”

Acesse o trabalho completo.

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