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Experimento realizado no Instituto de Biologia abre caminho para o desenvolvimento de novos tratamentos

O professor Marco Aurélio Vinolo, um dos autores do artigo, em laboratório do Instituto de Biologia: efeitos da interação entre fibras solúveis e as bactérias da microbiota são muito profundos
O professor Marco Aurélio Vinolo, um dos autores do artigo, em laboratório do Instituto de Biologia: efeitos da interação entre fibras solúveis e as bactérias da microbiota são muito profundos

Os benefícios de uma dieta rica em fibras são amplamente conhecidos. Digeridas pelas bactérias que compõem a microbiota do intestino, elas cumprem funções importantes, desde dar volume ao bolo fecal, aumentando a motilidade intestinal – contrações do músculo liso do trato gastrointestinal –, até regular o funcionamento do sistema imunológico. Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Biologia (IB) da Unicamp concluiu que os efeitos da interação entre fibras solúveis e as bactérias da microbiota são muito profundos, atingindo as células-tronco intestinais. As descobertas abrem caminhos para o desenvolvimento de terapias relacionadas à saúde intestinal e ao sistema imune. O estudo foi publicado na revista Microbiome sob a autoria de Renan Corrêa, doutor em Genética e Biologia Molecular pela Unicamp, e Marco Aurélio Vinolo, professor do IB. 

As fibras são carboidratos complexos encontrados em alimentos de origem vegetal e podem ser divididas em dois grupos: as solúveis, que se dissolvem em água, como algumas fibras da aveia e a pectina, e as insolúveis, como a celulose. Como o organismo humano não possui as enzimas necessárias para a sua digestão, a quebra das moléculas ocorre graças à fermentação feita por bactérias da microbiota intestinal. Esses processos liberam compostos importantes para a regulação das atividades intestinais e da própria microbiota.

Estudos desenvolvidos pelo grupo coordenado por Vinolo já haviam verificado que os ácidos graxos de cadeia curta, um dos produtos da digestão das fibras que são importantes para a ativação de células do sistema imunológico, agem sobre as células da camada epitelial. Esta, por sua vez, reveste as paredes do intestino, alterando sua expressão gênica e, consequentemente, seu comportamento. 

Para analisar os efeitos dessa mudança na expressão gênica das células epiteliais, o estudo propôs comparar os resultados observados em camundongos alimentados com uma dieta enriquecida com 10% de inulina, uma das fibras solúveis encontrada, principalmente, nas raízes da chicória, aos resultados de um grupo controle, de animais alimentados com uma dieta convencional. Os dois grupos apresentavam as mesmas condições de saúde e o mesmo equilíbrio da microbiota intestinal. Camundongos machos e fêmeas foram submetidos ao experimento, de forma que a única diferença entre eles fosse a ingestão de inulina. Após um período de quatro semanas, o resultado mostrou-se evidente. “Ao analisarmos os órgãos internos dos animais, observamos que o intestino dos camundongos que ingeriram a dieta rica em inulina era maior do que o dos demais”, aponta Corrêa.

Renan Corrêa, coautor do artigo: animais que ingeriram inulina apresentaram maior taxa de divisão das células-tronco
Renan Corrêa, coautor do artigo: animais que ingeriram inulina apresentaram maior taxa de divisão das células-tronco

Antes de analisar a relação que o aumento no tamanho do intestino poderia ter com a atividade das células-tronco do órgão, os pesquisadores verificaram, por meio de exames, se essa alteração era consequência de os camundongos da dieta rica em inulina estarem comendo mais do que os outros ou se havia neles alguma anormalidade. Descartada a possibilidade de que tivesse ocorrido qualquer um desses casos, foi a hora de olhar para as células-tronco e seu comportamento. 

Localizadas no epitélio do intestino, as células-tronco têm como característica se diferenciarem, dando origem a outros tipos de célula. No intestino, apresentam uma alta taxa de proliferação, algo compreensível devido à necessidade do organismo de conservar a camada epitelial como um escudo protetor. “O epitélio intestinal tem uma arquitetura própria, apresenta vilosidades e criptas que estão relacionadas diretamente com as funções de cada porção intestinal, como a absorção de nutrientes. No fundo das criptas, estão as células-tronco intestinais. Elas ficam nesse local mais isolado como forma de proteção”, detalha Corrêa. No início, os pesquisadores pensaram que o organismo dos camundongos alimentados com inulina poderia apresentar uma quantidade maior de células-tronco, mas não. “No entanto, a taxa de divisão das células-tronco dos animais que ingeriram inulina é maior.”

Além do aumento no tamanho do intestino, as criptas epiteliais do cólon também tiveram um aumento de 25% em suas dimensões. O efeito ainda carece de estudos específicos para ser explicado, mas a hipótese dos pesquisadores é de que o aumento das criptas constitui um mecanismo de defesa do organismo. Como a inulina atua como alimento para a microbiota, a consequente maior quantidade de bactérias, mais ativas, fez com que as células-tronco se adaptassem a esse novo ambiente. “As criptas mais profundas conferem uma proteção potencialmente maior às células-tronco. Isso pode ser um efeito protetor do organismo frente ao que ocorre no interior do intestino”, propõe Vinolo.


TRANSPLANTE DE MICROBIOTA

As pesquisas que investigam formas de melhorar o funcionamento da microbiota intestinal são importantes para o equilíbrio de todo o sistema imune. Vinolo explica que os efeitos inflamatórios de várias doenças, como obesidade, diabetes e doenças autoimunes, têm relação com a microbiota. Por isso, o desenvolvimento de novos tratamentos passa por conhecer seu funcionamento. “A eficácia ou não de um tratamento para uma doença tumoral, por exemplo, pode envolver a ação da microbiota intestinal, que modula o sistema imune na resposta às células tumorais”, lembra o docente.

Nesse sentido, ele ressalta que uma das descobertas importantes da pesquisa é que os benefícios da ingestão de inulina podem ser obtidos também pelo transplante de microbiota. “A transferência de microbiota de um camundongo que ingeriu dieta rica em inulina para outro que ingeriu uma dieta normal provoca as mesmas alterações.” Essa constatação implicaria um maior uso de bactérias da microbiota em terapias e tratamentos. Com isso, os pesquisadores contribuem para o entendimento de como um componente da alimentação altera a composição e a função da microbiota intestinal, resultando em mudanças macro e microscópicas do intestino.

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