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Alessandra Sampaio, viúva de Dom Phillips, fala sobre sua relação com o jornalista

Da dir. para a esq., Alessandra Sampaio, Beatriz de Almeida, respectivamente, viúvas de Dominic Phillips e Bruno Pereira, e a presidente da Funai, Joênia Wapichana, durante visita a Atalaia do Norte em fevereiro deste ano
Da dir. para a esq., Alessandra Sampaio, Beatriz de Almeida, respectivamente, viúvas de Dominic Phillips e Bruno Pereira, e a presidente da Funai, Joênia Wapichana, durante visita a Atalaia do Norte em fevereiro deste ano (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dominic Phillips, no dia 5 de junho de 2022, mobilizaram a atenção do mundo todo pela brutalidade e desvelaram a política antiambiental e anti-indígena do governo Jair Bolsonaro. Eles viajavam pela Terra Indígena Vale do Javari, no Estado do Amazonas, quando sofreram uma emboscada.

A viúva de Dom, Alessandra Sampaio, em depoimento ao Jornal da Unicamp, compartilha memórias e reflexões sobre o marido, suscitadas pelos assassinatos, e fala sobre o atual contexto de ameaças envolvendo os povos indígenas. Ela conta que, depois de nove meses de um período de luto em que ficou recolhida, agora, planeja trabalhar com o legado do jornalista.

Jornal da Unicamp – Como a senhora e o Dom se conheceram e como ele era?

Alessandra Sampaio – Uma amiga em comum, minha comadre, nos apresentou no Rio de Janeiro. A gente se conheceu, uma semana depois nos encontramos de novo e, aí, tivemos uma ligação que achei até estranha. Fiquei assustada com a conectividade que rolou de primeira. Dom era uma pessoa muito legal, independentemente de ser um cara por quem eu tenha me apaixonado. Não conheço uma pessoa que não gostasse do Dom. Ele era atento, muito sincero, muito parceiro da família, de amigos. Era uma pessoa presente. Muitas pessoas já me falaram que o Dom tinha uma característica muito interessante: ele te ouvia com muita atenção.

JU – Algum fato despertou o envolvimento dele com o meio ambiente e os povos indígenas?

Alessandra Sampaio – Quando ele começou a traalhar no The Guardian, passou a ir mais para a Amazônia cobrir alguns problemas. Na verdade, o primeiro lugar da Amazônia que o Dom conheceu, em 2005, foi a Ilha de Marajó. Ele me falou: “Ale, eu vi policiais andando de búfalo, eu vi a floresta, a gente remou no rio. Foi incrível! Eu vi os ribeirinhos, eu vi a comida”. Ele ficou apaixonado. Acho que ele já tinha essa ideia de conhecer mais, mas, aí, quando começou a trabalhar no Guardian e o enviaram para coberturas de alguns problemas que estavam acontecendo, ele começou a se interessar mais. Ele falava que seus livros focavam muito nos problemas e dizia: “Eu acredito que tem coisas para fazer e acredito que quem é nativo, quem está morando na Amazônia, é que vai saber as respostas”. Então, o objetivo do livro que ele estava produzindo era dar voz às pessoas de lá sobre quais seriam as possíveis alternativas para a conservação.

JU – Sobre o livro, há alguma previsão de publicação?

Alessandra Sampaio – Não. E isso porque a gente está dependendo de recursos para finalizar o projeto. Mas já tinha muita anotação, muito material. O Dom estava fazendo todas as viagens para depois sentar e escrever tudo. Ele tinha vários cadernos, várias anotações. Ele faria mais uma viagem e depois começaria a escrever.

JU – E com o Bruno, como foi o contato com ele?

Alessandra Sampaio – Foi um encontro muito especial que ele teve aqui no Brasil. O Bruno foi um profissional que acabou virando um amigo do Dom. Embora eles não se encontrassem pessoalmente, estavam sempre se falando por telefone. O Bruno era muito experiente e tinha um diferencial: era uma pessoa muito comprometida com a causa indígena, ao ponto de os indígenas o considerarem um igual.

Quando o Dom conheceu o Bruno, em 2018, na expedição que fizeram ao Javari, voltou falando: “Nossa, Ale, eu estou muito impressionado com o Bruno, porque ele não é só um servidor ali, um cara fazendo o trabalho dele. É um cara que tem uma missão de vida, sabe muito, fala a língua dos indígenas, dança, come igual a eles, fica super à vontade, anda na mata como se fosse indígena, é muito parceiro na conservação do território do Javari e está pensando com os indígenas sobre como fazer isso”.

Dominic Phillips e Alessandra Sampaio durante viagem
Dominic Phillips e Alessandra Sampaio durante viagem (Foto: Divulgação)

JU – Olhando para junho de 2022, como a senhora percebe o quadro que suscitou esses assassinatos?

Alessandra Sampaio – Acho que são coisas que já aconteciam, ou não teríamos Chico Mendes, Dorothy [Stang], Maxciel [dos Santos], Paulinho Guajajara e tantos outros indígenas e [membros de] comunidades tradicionais que sofrem ameaças. Mas teve um ponto que acho que é diferente nas mortes de Dom e Bruno: foi retirada a estrutura de fiscalização e a rede criminosa sabia disso. Acho que contavam com uma certa impunidade. Ninguém que participou do que aconteceu esperava essa repercussão. Isso jogou luz sobre o Vale do Javari e sobre outras regiões onde, a gente sabe, estão ocorrendo mortes e onde tem muita gente sendo ameaçada, especialmente pessoas que trabalham para a ou participam da Univaja [União dos Povos do Vale do Javari]. Definitivamente, acho que o antigo governo legitimou, direta ou indiretamente – aí cabe à interpretação das pessoas –, uma ação criminosa. Acho que isso fugiu do controle propositadamente.

Dom realmente fez filmagens que revelavam o esquema em que estavam envolvidos o “Pelado” [um dos acusados dos assassinatos] e outros pescadores. Em momento algum acho que o Dom esteve no lugar errado, com a pessoa errada. Não. Acho que eles foram atrás do Dom e do Bruno igualmente, em uma armadilha feita para os dois, não só para o Bruno como já falaram por aí.

JU – A senhora esteve no Javari em fevereiro. Como foi a experiência?

Alessandra Sampaio – Conhecer algumas pessoas foi muito legal. Algo que me emocionou muito foi ver pessoas falando: “Alessandra, estamos juntos. Se precisar de alguma coisa, me procure”. E os indígenas perguntavam quem eu era, eu falava que era a esposa do Dom, aí me abraçavam e falavam: “Minha parente, você é nossa parente também”. O que mais me emocionou, realmente, foi esse contato com os indígenas, que são muito carinhosos. Um deles me falou: “Dom e Bruno agora são espíritos da floresta e continuam protegendo a gente. Se protegem a floresta e protegem a gente, a gente protege você e você protege a gente”. Essa é uma rede coletiva de cuidado e proteção que cada vez me encanta mais.

JU– O que se espera para a data de um ano dos assassinatos?

Alessandra Sampaio – Nós, as famílias, ou quem passa por uma situação dessas, independentemente de ser Dom e Bruno, esperamos que a justiça seja feita no nosso tempo, porque estamos tão angustiados que esperamos que a justiça traga alguma calma interna. É muito importante a gente falar sobre a segurança dos territórios, dos povos originários, das comunidades tradicionais que continuam ameaçadas. Isso é um ponto fundamental porque, para mim, não importa só a justiça no julgamento sobre o caso. A justiça tem que ir além. Se não, acho que a morte deles fica sem sentido para mim. [05 de junho] acho que vai ser um dia muito emotivo. É para lembrar deles, do quanto a gente sente falta, da importância do trabalho e legado deles, que acho que é o que traz a presença deles. E, também, pedir pela proteção dos povos originários. Bia [Beatriz Matos, viúva de Bruno] trabalhando no Ministério dos Povos Indígenas, eu com planos de abrir uma ONG com o nome do Dom, para a divulgação de projetos na Amazônia, tendo a mesma postura que ele tinha: ouvir quais são as demandas dos povos para poder pensar em algum tipo de projeto.

Eu tive um tempo de luto que considero longo. Fiquei muito quietinha em casa durante pelo menos oito, nove meses, e agora estou começando… Estou já há seis meses pensando na ONG, mas a ideia precisa amadurecer.

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