Pesquisa demonstra que aumento da temperatura e perda de predador afetam cadeia alimentar sustentada por bromélia
Uma pesquisa do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp foi vencedora do Prêmio Elton 2022, concedido pela Sociedade Britânica de Ecologia para o melhor artigo publicado no periódico Journal of Animal Ecology. O estudo tem como primeiro autor o pós-doutorando Pablo Augusto Poleto Antiqueira e avaliou como o aumento da temperatura e a perda do predador aquático de topo afetam diferentes pontos da cadeia alimentar sustentada por bromélias-tanque. Os resultados trazem evidências sobre como mudanças ambientais antropogênicas – causadas pelo ser humano – podem afetar diversos grupos biológicos e revelam, ainda, que os impactos do aquecimento global e da perda de predadores podem atravessar as fronteiras entre ecossistemas.
A conquista do prêmio é resultado da inovação em avaliar, de maneira experimental, os efeitos conjuntos da perda de predadores e do aumento da temperatura em um sistema natural diversificado. Usualmente, esse tipo de pesquisa é realizado teoricamente, com o emprego de modelos matemáticos ou em sistemas naturais muito simples. Como explica Antiqueira, realizar experimentos em ecossistemas complexos é uma tarefa difícil porque simular a perda de predadores de topo, como leões em uma savana, não é algo factível. Além disso, esse tipo de experimento encontra desafios relacionados ao uso de réplicas, uma exigência do método científico.
“Imagine que você queira testar os efeitos do aquecimento em uma lagoa”, sugere o autor. “Você precisa simular o aquecimento dessa lagoa usando a temperatura que é esperada para daqui a 50 ou 100 anos a partir de modelos climáticos. Se você testar em apenas um corpo d’água, você não saberá se o resultado obtido é próprio daquele local ou padrão de todos eles, então é necessário fazer réplicas do experimento. Contudo, é muito difícil arrumar e manusear quarenta ou cinquenta lagoas para poder aplicar a mesma simulação em várias unidades experimentais”, comenta o pesquisador.
Bromélias-tanque, por outro lado, são plantas neotropicais que atuam como microecossistemas naturais e cuja complexidade pode ser comparada à das lagoas – embora em menor escala. Elas abrigam uma fauna rica em micro e macro-organismos como bactérias, algas, fungos e artrópodes, podem ser replicadas quantas vezes forem necessárias e, também, contam com um compartimento aquático e outro terrestre que se interligam quando as larvas que vivem na água se transformam em insetos adultos. Esses insetos, por sua vez, são utilizados como alimento por predadores terrestres, o que permite avaliar os efeitos da perda do predador aquático para além desse ecossistema.
Ademais, o compartimento aquático da bromélia é uma das principais fontes de água doce em sistemas de água salgada, como praias e mangues. Segundo Antiqueira, alguns estudos estimam que, em regiões de restinga – vegetação encontrada nas áreas do litoral –, um hectare de floresta com bromélias pode fornecer até 50 mil litros de água, que são consumidos por aves e outros animais locais. “A gente já viu cachorros-do-mato, gambás e outros marsupiais bebendo da água dessas plantas. Existem estudos que chamam a bromélia de amplificador da biodiversidade porque ela aumenta a presença de animais, seja fornecendo recurso ou habitat para proteção e reprodução”, revela.
Resultados
Como principal resultado, o estudo concluiu que a perda do predador aquático de topo gerou um efeito em cascata desde a microfauna aquática até a macro-fauna terrestre. Por um lado, a simplificação trófica – que ocorre quando predadores de topo são retirados da natureza – diminuiu a quantidade de algas no sistema, pois os restos de carcaças e fezes liberados por esses caçadores fornecem nutrientes para esses organismos. Por outro lado, a ausência dos predadores aumentou a quantidade de larvas e insetos que chegam à fase adulta – e antes eram consumidos pelos predadores –, amplificando o fornecimento de recursos (presas) para o sistema terrestre.
Contraintuitivamente, o aumento da temperatura da água não impactou a fauna estudada – com exceção de alguns organismos terrestres construtores de teia –, o que os autores atribuem a uma provável adaptação evolutiva dos bichos que vivem nas bromélias, uma vez que a temperatura da água, durante os experimentos, chegou a variar 13°C em um único dia. No entanto, como a pesquisa só investigou os efeitos do aquecimento no compartimento aquático, eles alertam que é preciso realizar mais estudos para saber como o aquecimento na atmosfera terrestre impacta esses animais.
Para obter os resultados, a pesquisa envolveu a simulação cruzada da perda de predadores e do aquecimento nos mesmos grupos de bromélias. Foram utilizados cinco blocos experimentais, cada um deles com nove bromélias, que tiveram três variações diferentes de temperatura pareadas com três variações diferentes de predadores. “Com isso, a gente conseguiu cruzar os dois acontecimentos, o que nos permitiu ver os efeitos simultâneos de vários estressores ambientais, que são fatores antropogênicos como desmatamento, poluição e perda de biodiversidade. Isso foi importante porque pouco se sabe do que acontece quando eles interagem e menos ainda de forma experimental e em ambientes tropicais”, complementa Antiqueira, ressaltando que o prêmio é resultado de muitos anos de dedicação e trabalho árduo.
Para o pesquisador, o reconhecimento da Sociedade Britânica de Ecologia veio em um momento muito importante por mostrar à comunidade científica brasileira que vale a pena fazer ciência no país, apesar da falta de investimento dos últimos anos. No entanto, destaca o autor, a premiação teve um significado pessoal ainda mais importante para ele. “A primeira pessoa a me ensinar o que era um rastro de animal e a me incentivar a trabalhar com ecologia foi meu pai. Infelizmente, ele faleceu ano passado. Então, ganhar esse prêmio por um artigo que também saiu no ano passado foi algo muito especial. Esse prêmio eu dedico a ele”, finaliza Antiqueira.