Docente lidera projetos relacionados à produção de energia sustentável via eletrossíntese
Uma curiosa contradição coloca o Brasil no centro das discussões sobre meio ambiente: ao mesmo tempo que é um dos países que mais liberam gases que provocam o efeito estufa – contribuindo com 3% das emissões globais de dióxido de carbono (CO2) –, a sua abundância de recursos naturais contém um enorme potencial para a geração da chamada energia “verde”. Substituir a atual matriz energética, baseada em combustíveis fósseis, pelo uso de fontes renováveis como sol, água e vento é essencial para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, permitindo que o país cumpra com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU). Consciente da relevância desse desafio, Raphael Nagao, docente do Instituto de Química (IQ) da Unicamp e integrante do Centro de Inovações em Novas Energias (Cine) da Universidade, desenvolve diversos projetos relacionados à produção de energia sustentável via eletrossíntese – o uso de eletricidade para gerar reações químicas.
O foco da linha de pesquisa de Nagao é a busca por novos catalisadores – materiais responsáveis por aumentar a velocidade das reações e conferir-lhes seletividade. Ao longo do processo, o composto original se ramifica em diversas moléculas até chegar ao produto final. Por isso, a seletividade tem papel fundamental na obtenção do produto de interesse. Dentro do Cine, Nagao atua na Divisão de Portadores Densos de Energia (DEC, na sigla em inglês), voltada para desenvolver processos e catalisadores de baixo custo, com aplicação em reações fotoeletroquímicas, ou seja, de conversão da luz solar em eletricidade. O objetivo da DEC é utilizar a energia solar para produzir moléculas com alto grau de energia, que são, então, convertidas em energia elé- trica para substituir os combustíveis fósseis. O professor investiga catalisadores que auxiliem em reações eletroquímicas para a geração de energia limpa.
“A natureza encontrou um jeito muito eficiente de armazenar energia, a fotossíntese, que utiliza o gás carbônico do ar e os raios solares, convertendo-os em moléculas mais complexas, como carboidratos (glicose), que possuem alta densidade de energia”, explica Nagao. “Isso significa que é possível queimá-las, quando necessário, para aproveitar essa energia química armazenada. A nossa divisão faz algo parecido. Ela utiliza fontes sustentáveis de energia para produzir reações que geram as moléculas densas em energia química, e essas, por meio de outras reações, geram elétrons que alimentam dispositivos dependentes de eletricidade.”
Uma das reações com que Nagao trabalha é a de produção de hidrogênio verde para ser usado como combustível. Por meio de uma reação chamada water splitting (quebra da água), uma célula eletroquímica converte a molécula de H2O em oxigênio (O2) e hidrogênio (H2). Esse hidrogênio, que é uma molécula com alta densidade de energia, gera a eletricidade que move o veículo e, posteriormente, é convertido novamente em água, em vez de gás carbônico, que é liberada no ar.
Um dos principais desafios enfrentados no desenvolvimento dessa tecnolo- gia é o de que os catalisadores aplicados atualmente são baseados em metais muito nobres, resistentes à corrosão e à oxidação. Exemplo disso é o irídio, elemento químico que tem apresentado melhor desempenho em processos de quebra da água, mas cujo uso é inviável de maneira escalonada por ser um metal extremamente caro e escasso. “Alguns pesquisadores estão tentando substituir parte do irídio por outros metais menos nobres, mas é algo que ainda está em desenvolvimento. Aqui, no Cine, nós estamos iniciando um projeto focado no estudo do nióbio e do tântalo, que são metais da mesma família e muito frequentes no Brasil”, comenta Nagao.
Redução eletroquímica
Além da pesquisa na geração de hidrogênio verde, Nagao também busca catalisadores para duas reações de redução eletroquímica, na qual moléculas transformam-se em novos compostos por meio de uma reação em que ganham elétrons. É uma abordagem que tem apresentado resultados promissores.
Na década de 1980, pesquisadores japoneses desenvolveram o processo de re- dução de gás carbônico, em que se coleta o excedente de CO2 liberado no ar para ser convertido em moléculas de maior valor agregado, como etileno e syngas (gás de síntese). O primeiro é um hidrocarboneto aplicado na fabricação de plásticos, enquanto o outro é uma mistura de monóxido de carbono e hidrogênio que pode ser utilizada como matéria-prima para combustíveis líquidos.
A outra reação envolve a geração de amônia, uma molécula essencial na fabricação de fertilizantes e que também tem potencial para uso em combustíveis. Existem métodos convencionais para sua produção, mas que liberam gás carbônico na atmosfera e demandam pressão e temperaturas muito altas. A redução eletroquímica do nitrogênio, contudo, é um processo realizado de maneira limpa e a temperatura e pressão ambientes. A reação pode ser feita com o nitrogênio que compõe o ar atmosférico ou usando íons nitrato, que são contaminantes de lagos, emitidos em processos industriais.
O problema é que reduzir nitrogênio para síntese de amônia é um processo muito difícil e que demanda grande gasto de energia. Para se ter uma ideia, em geral, se produz 10% de amônia a partir da energia total aplicada no processo, isto é, as eficiências obtidas estão em torno de 10%. Além disso, Nagao acrescenta que é necessário haver estabilidade, ou seja, a reação precisa durar vários dias. “Ainda não encontramos catalisadores que obedeçam aos aspectos de seletividade, eficiência e estabilidade com alto desempenho simultaneamente. Sempre pensamos nesses três aspectos com qualquer catalisador que tenhamos em mente, o que é muito difícil de conseguir ao mesmo tempo”, observa.
Atualmente, já existem algumas empresas que produzem veículos a hidrogênio ou que queimam amônia para mover tratores e navios. No entanto, devido à ausência de catalisadores eficazes, esse ainda é um processo caro e que está longe de ser implementado em larga escala. Ainda assim, Nagao é otimista e projeta um cenário em que a geração de eletricidade por meio de fontes sustentáveis começará a compensar já na próxima década. “Estamos conseguindo resultados muito expressivos com síntese de amônia e que não existem em nenhum outro lugar do país. Os catalisadores que estamos utilizando são baseados em cobre e cobalto, que são metais simples, abundantes, baratos e que estão fornecendo atividades próximas de 100%. Nossos resultados são muito promissores”, garante o professor.