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Estudo descobre espécies em regiões da Amazônia que, em razão da seca, emitem mais carbono do que acumulam

Árvores mortas na Floresta Amazônica: estudo demonstra como a adaptação das espécies à seca pode afetar sua capacidade de sequestrar carbono da atmosfera
Árvores mortas na Floresta Amazônica: estudo demonstra como a adaptação das espécies à seca pode afetar sua capacidade de sequestrar carbono da atmosfera

Até que ponto as árvores da Amazônia suportam condições de seca? Um estudo conduzido por pesquisadores da Unicamp, da Universidade de Leeds (Reino Unido) e de instituições da América do Sul e Europa analisou aspectos importantes da dinâmica de vida de espécies de árvores encontradas em diferentes partes da floresta e descobriu que a capacidade de lidar com a seca varia de região para região, o que sustenta a ideia de que a Amazônia é um bioma muito mais diverso e heterogêneo do que supõe o senso comum.

Publicada na revista Nature, a pesquisa também explica como a adaptação das espécies à seca pode afetar sua capacidade de sequestrar carbono da atmosfera, concluindo que existem porções da floresta que, possivelmente, devido ao estresse hídrico ao qual são submetidas, já emitem mais carbono do que absorvem. O trabalho foi coordenado por pesquisadores brasileiros e conta, entre seus autores, com Rafael Silva Oliveira, professor do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, e Júlia Tavares, doutora em Geografia pela Universidade de Leeds, que é, atualmente, pesquisadora na Universidade Uppsala (Suécia), além de outros pesquisadores da Europa, do Brasil, do Peru e da Bolívia.

O estudo faz parte do Tremor (sigla em inglês para “mortalidade de árvores”), importante projeto financiado pelo Conselho de Pesquisa sobre Ambiente Natural do Reino Unido, cujo supervisor é David Galbraith, também brasileiro. O objetivo do projeto é compreender os mecanismos e as consequências do aumento na mortalidade de árvores na Amazônia.

A coleta de amostras das plantas para o estudo foi realizada em 11 sítios, locais da floresta de inventário permanente, onde os pesquisadores conhecem e acompanham o desenvolvimento de todas as espécies de árvores. Os sítios abrangem porções do centro-leste da Amazônia (mais próximas de Manaus e do Pará), do sul (já no Mato Grosso), e no oeste, incluindo pontos localizados no Estado do Acre, no Peru e na Bolívia. Ao todo, foram extraídas amostras de 540 árvores, compreendendo 129 espécies.

Os ramos das plantas foram coletados das copas, a uma altura de 30 a 40 metros, durante as estações úmida e seca do ano. Para tornar perceptíveis as condições das árvores em seu ponto máximo de hidratação, as coletas ocorreram por volta das 3 horas da madrugada. “Abranger essa vasta escala da Amazônia é algo muito grande; precisamos ser um pouco loucos para fazer”, diz Tavares entre risos. “Encontramos, contudo, as pessoas certas para encarar esse desafio.”

Rafael Silva Oliveira, um dos autores do artigo publicado na Nature, em trabalho de campo: coleta de amostras das plantas para o estudo foi realizada em 11 locais
Rafael Silva Oliveira, um dos autores do artigo publicado na Nature, em trabalho de campo: coleta de amostras das plantas para o estudo foi realizada em 11 locais

As amostras foram submetidas a testes que simularam um processo de seca na floresta. Conforme o ramo secava, os pesquisadores avaliavam o quanto a condução de água se mantinha nos ramos e em que ponto a tensão necessária para esse transporte excedia o limite da espécie, fazendo com que ocorressem o embolismo e a formação de bolhas de ar nos vasos internos. Na natureza, situações de estresse hídrico desse tipo podem desencadear nas árvores processos responsáveis por matá-las. “Cada espécie de árvore, a depender do local, vai ter que transportar a água sob tensões maiores ou menores. Seria um tipo de adaptação à seca”, explica Oliveira. Os dados obtidos foram comparados com os das folhas coletadas na estação seca e, a partir disso, o limite de estresse hídrico de cada espécie foi determinado.

Os resultados foram classificados entre amostras de regiões que permanecem sempre úmidas, áreas em que estações úmidas e secas se alternam e regiões que margeiam outros biomas, como é o caso da porção sul, próxima ao cerrado e às fronteiras agrícolas, que possui maior índice de seca. A porção sul, descobriram os cientistas, encontra-se atualmente fora de seu limite fisiológico, com margem de segurança negativa, provavelmente devido às mudanças climáticas já ocorridas. São árvores que suportam maior tensão para manter o transporte de água, mas operam mais próximas do limiar de falha hidráulica. Já as das regiões constantemente úmidas têm menos adaptações às secas. No entanto, por estarem menos expostas ao estresse hídrico, contam com margem de segurança maior.

Na comparação apenas entre florestas que alternam períodos úmidos e secos, há diferenças entre as porções leste e oeste. No leste, as florestas crescem em solos menos férteis, o que aumenta o custo de produção de biomassa. Assim, são florestas mais resistentes à seca e possuem dinâmica de vida mais lenta e conservativa. Já no oeste, onde os solos são mais férteis, a dinâmica de vida é mais intensa. São árvores que investem mais no crescimento e na produtividade, sendo mais vulneráveis às secas.

No entanto, a capacidade de suportar secas pode se voltar contra a própria floresta. Por serem espécies que se aproximam muito do limite de estresse, há pouca margem de segurança, tornando-as mais vulneráveis às mudanças climáticas que, hoje, atingem em cheio a Amazônia. “Apesar de as plantas estarem adaptadas, o clima tem se tornado tão seco que elas não conseguem mais resistir à seca”, pontua Oliveira. Isso traz impactos também à ca- pacidade de capturar carbono da atmosfera. De acordo com o estudo, porções mais próximas do limite de estresse hídrico estocam menos carbono se comparadas às que mantêm margens de segurança maiores. “São regiões que já se tornaram mais emissoras que captoras de carbono.”


RAIO X DA DIVERSIDADE

A relação existente entre características fisiológicas das árvores e o potencial da floresta de estocar carbono foi um resultado inédito obtido pela pesquisa. Com base nesse conhecimento, é possível apontar zonas mais propensas não só aos efeitos das mudanças climáticas, mas também às atividades humanas, como o desmatamento e as queimadas. Tavares adverte que estudos já apontam para o aumento da mortalidade vegetal em áreas onde há maior estresse. “Não é que essas espécies não estejam adaptadas, e sim porque o clima muda muito intensamente.”

Os autores ressaltam a importância da pesquisa para que o meio científico tenha uma compreensão maior da diversidade amazônica. “Quando pensamos em floresta tropical, temos a imagem de uma floresta homogênea, totalmente úmida. Mas existem áreas diversas dentro da Amazônia, com espécies adaptadas à seca”, exemplifica Oliveira. Segundo ele, a maior parte dos estudos relativos ao tema consideram apenas a porção centro-leste da Amazônia, justamente a que se mostra mais resistente à seca. “Se tomamos como referência apenas as árvores da porção centro-leste e os dados sobre como elas responderam às secas nos últimos 20 anos, por exemplo, e adotarmos isso como uma verdade para toda a Amazônia, corremos o risco de subestimar a vulnerabilidade da floresta”, analisa Tavares.

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