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Livro de professora da Faculdade de Educação revisita a trajetória de Paulo Freire

O educador Paulo Freire no início da década de 1980, quando ingressou como docente na Unicamp
O educador Paulo Freire no início da década de 1980, quando ingressou como docente na Unicamp

Paulo Freire reverbera em Débora Mazza. Entre 1981 e 1991, a convivência entre os dois foi frequente e frutífera: ex-aluna do educador na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp e sua orientanda no mestrado, a hoje docente chegou a colaborar em projetos e textos do antigo professor. No livro Paulo Freire, a cultura e a educação: pensando à sombra de uma mangueira, Mazza revisita essa relação e resgata trabalhos de e sobre o pensador pernambucano.

Trata-se de uma abordagem sociológica que recupera a experiência e a leitura de mundo do educador, ao mesmo tempo que ressalta sua humanidade. Originalmente apresentada como tese de livre-docência na FE, em 2021, a obra acaba de ser lançada pela Editora da Unicamp.

A proposta de Mazza foi interligar vida, trabalho e obra de Freire. A docente quis demonstrar como o professor pavimentou seu pensamento a partir do diálogo com instituições e autores engajados na ampliação dos processos de inclusão. “Faço uma leitura contemporânea. Não é uma biografia oficialesca nem tampouco que o coloca no lugar de mito. Resgatá-lo é continuar resistindo contra muitas formas de opressão”, esclarece.

A autora da obra recorre a sete textos sobre Freire – alguns assinados em parceria com colegas e cinco publicados em momentos, formatos e suportes diferentes. O conjunto repassa o amadurecimento das ideias do educador por mais de 50 anos, apresentando-o, segundo Mazza, “como homem profundamente banhado no oceano da cultura e das manifestações populares, que gravitava na ambiência social de sua época e que, a partir de suas redes relacionais, entendeu a educação como elemento heurístico fundamental de processos de mudanças sociais.”

Recolhendo escritos do próprio biografado e de seus contemporâneos, Mazza descreve os cenários em que Freire desenvolveu sua metodologia – e, também, o interesse que suas ideias despertaram entre governantes de diferentes espectros políticos. Registra, por exemplo, os impactos da campanha De Pé no Chão, em Natal (RN), e a alfabetização de 300 trabalhadores rurais em Angicos (RN), em 45 dias, a partir do levantamento do universo vocabular, dos Círculos de Cultura e do método de alfabetização de adultos.

A professora Débora Mazza, autora do livro: “Resgatar Paulo Freire é continuar resistindo contra muitas formas de opressão”
A professora Débora Mazza, autora do livro: “Resgatar Paulo Freire é continuar resistindo contra muitas formas de opressão”

Exílio fecundo

Os anos em que seu antigo professor passou exilado são vistos como uma experiência transformadora e um período de trabalho intenso, em diversas frentes, instituições e países. Mazza discorre sobre essas vivências: no Chile, Freire assessorou o Instituto do Desenvolvimento Agropecuário e o Ministério da Educação, período em que sistematizou os livros Pedagogia do Oprimido, Ação Cultural para a Liberdade Extensão ou Comunicação.

Com relação aos 11 meses vividos nos Estados Unidos, onde lecionou na Universidade Harvard e publicou, pela primeira vez, Pedagogia do Oprimido, o livro de Mazza relembra o momento em que Freire descobriu o “Terceiro Mundo incrustado no Primeiro Mundo” (nas palavras dele), tendo se decepcionado com as condições de vida das populações negras e hispânicas.

A autora lembra a aproximação de Freire com movimentos sociais antirracistas norte-americanos e traz as impressões da ativista bell hooks (sua principal interlocutora no país) sobre o encontro com a pessoa e a obra do educador brasileiro. Por fim, revela o que a estadia de Freire na Suíça representou, principalmente como base de trabalho para assessorar países africanos recém-libertos do jugo colonialista de Portugal – Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique –, coordenando projetos e equipes de formação de professores, bem como políticas públicas de alfabetização.

Na Unicamp

A chegada de Freire à Unicamp, como professor do Departamento de Ciências Sociais da FE, data de 1981. Um ingresso, observa Mazza, que mobilizou docentes e servidores da Universidade, tanto a favor como contra sua admissão. A obra recupera pormenores dessas movimentações, contextualizando-as e, ao mesmo tempo, situando o educador no cenário social e político da época.

O livro repassa minuciosamente o episódio de sua contratação – partindo das primeiras articulações de amigos dos tempos de exílio, como Antonio Muniz de Rezende, Angel Pino, Ivany Pino e Moacir Gadotti, ansiosos em tê-lo como colega de trabalho. Detalha, também, o vaivém burocrático que retardou tanto a efetivação de sua contratação como o reconhecimento de seus títulos, publicações e homenagens internacionais recebidas. Estão no livro, por exemplo, todos os pareceres escritos pelos professores Antonio Muniz de Rezende, Rubem Alves, Roberto Romano e Maria Amélia Americano de Castro, a pedido do Conselho Universitário, para justificar a “promoção” de Freire a professor titular da Unicamp.

Ao mesmo tempo, o livro evidencia o pioneirismo do educador nas aulas livres que ministrou em Campinas, adotando bibliografias, leituras e autores de países não hegemônicos e periféricos, sobretudo os africanos. “Freire indagava como poderíamos pensar as dinâmicas da sociedade contemporânea a partir do ponto de vista dos oprimidos e não do mainstream. Isso já nos anos de 1982, 1983, 1984.”

Por fim, Mazza apresenta a prolífica atuação do teórico como coordenador de programas de extensão da Unicamp, desenvolvidos por outras unidades da Universidade, como a Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e o Núcleo Interdisciplinar de Matemática e Etnociência (Nimec). Nesses programas, Freire colaborou com médicos sanitaristas e voluntários, atuando em favelas e aldeias indígenas.

Assim como sua atuação, que não se limitou à sala de aula, suas ideias transcenderam seu tempo, embora nem sempre tenham sido efetivamente entendidas e implementadas, pondera Mazza. Partindo dessa tese, a autora seleciona alguns princípios do educador que considera fundamentais para repensar a educação pública dos dias de hoje no Brasil, fortemente afetada pela ideologia neoliberal.

A obra atualiza uma leitura de mundo que, no passado, colocou-se como alternativa para a construção de uma política de inserção e inclusão de populações pobres por meio da educação. São demandas educativas defendidas por Freire, conclui Mazza, que ainda não foram totalmente alcançadas.


Título: Paulo Freire, a cultura e a educação: pensando à sombra de uma mangueira

Autora: Débora Mazza

Ano: 2023

Editora da Unicamp

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