Pesquisadora identifica motivações que levaram a Fapesp a incorporar os 17 ODS
Em 2015, a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que devem ser atingidos até o final desta década – a chamada Agenda 2030. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) vem buscando alinhar-se a essa Agenda, apoiando o desenvolvimento da ciência, da tecnologia e da inovação por meio da indexação de programas e projetos a cada um dos ODS. Uma tese, defendida por Thais Dibbern, no Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, buscou compreender as motivações que levaram a Fapesp a incorporar os ODS e apontou, por meio de uma análise crítica, como a fundação deve gerenciar sua agenda de modo a se alinhar melhor aos Objetivos da ONU, de acordo com a realidade brasileira.
Thais Dibbern identificou e sistematizou quatro motivações da Fapesp para o alinhamento à Agenda 2030: a cooperação internacional estabelecida com outras agências e instituições, bem como o desempenho da comunidade científica na adoção dos ODS como linha de pesquisa e financiamento; a adoção da Agenda pelo governo do Estado de São Paulo, seguindo uma diretriz governamental de uma entidade financiadora, mesmo tendo autonomia institucional; a aplicação do conhecimento gerado na formulação de políticas públicas; e as tentativas de justificar sua importância, relevância e impacto perante a sociedade paulista. Para fundamentar a sua análise, Dibbern entrevistou nove pesquisadores que integram a estrutura organizacional da Fapesp.
O processo de alinhamento da fundação ao tema da sustentabilidade é, no entanto, anterior à criação da Agenda 2030. A criação dos Programas Estratégicos, como o de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade (Biota), e a participação da entidade em chamadas de fomento à pesquisa sobre desenvolvimento sustentável são exemplos dessa adesão prévia. “Especificamente em relação aos ODS, a Fapesp vem se alinhando a partir da organização de eventos que possuem como tema alguns tópicos que a agenda dos ODS incorpora. Além de chamadas em conjunto com outras agências de financiamento à pesquisa. Contudo, esse alinhamento pode ser mais bem visualizado a partir do lançamento do portal ‘A Fapesp e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável’, que foi um dos marcos comemorativos dos 60 anos da instituição”, disse.
Pelo portal, que é uma iniciativa pioneira no Brasil, é possível identificar que, para cada um dos ODS, há uma relação de pesquisas, programas e outras iniciativas ligadas ao desenvolvimento sustentável. Tal classificação foi desenvolvida pela Biblioteca Virtual da Fapesp a partir da busca de palavras-chave. “Quando acessamos o portal, por exemplo, é possível identificar todas as pesquisas financiadas pela Fapesp que se relacionam com os ODS 13 (Ação contra a mudança global do clima). A partir daí, distinguem-se quais as principais áreas do conhecimento envolvidas, as instituições sede das pesquisas, os tipos de cooperação firmados etc.”, explica Dibbern. Ainda assim, nem todos os problemas locais e regionais estão incluídos nessa agenda internacional, observa a autora do estudo. “Há pontos pouco explorados pelos ODS, como a violência, que mostram sua baixa adequação ao contexto brasileiro, o que é de extrema importância.”
Outra crítica apontada na tese refere-se ao caráter predominantemente discursivo da adesão da Fapesp aos ODS. “Por se tratar de um movimento recente, a classificação dos projetos e esse alinhamento da Fapesp em relação aos ODS não vêm alterando a forma como a pesquisa vem sendo realizada. Então, por mais que haja essa classificação e as demais iniciativas, ela não modificou a forma como o conhecimento é produzido”, explica
A professora Milena Pavan Serafim, orientadora de Dibbern, lembra que “a tese foi desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Política Científica e Tecnológica, pelo qual passaram importantes intelectuais latino-americanos, em particular o fundador do instituto, Amilcar Herrera, e os docentes Hebe Vessuri, Renato Dagnino e Léa Velho, os quais contribuíram para que o programa fosse referência nacional e internacional nos estudos críticos relativos à ciência, tecnologia e sociedade. Parte das discussões deles endereçava críticas a processos acríticos de emulação da agenda científica e tecnológica internacional. A inspiração dessas referências foi importante para a qualidade e o desen- volvimento do trabalho”.
Dibbern aponta que é necessário rever a forma como a Agenda vem sendo guiada dentro da própria Fapesp. “A definição de uma agenda de pesquisa que incorpore métricas a partir dos desafios brasileiros dos ODS orientará melhor os pesquisadores paulistas”, recomenda. Na tese, sugere-se que a instituição possa partir dos indicadores já formulados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para elaborar indicadores de impacto em relação ao alcance dos ODS.
Agências de financiamento internacionais, como as da União Europeia, indicam os ODS como componentes obrigatórios para a obtenção de fomento à pesquisa. Entre as associações científicas internacionais, como a Global University Network for Innovation (Guni), “observa-se a realização de uma série de atividades sobre o tema, desde a publicação de estudos e relatórios, até a atuação direta com gestores públicos, tendo em vista a formulação de políticas públicas orientadas”, expõe a pesquisadora.
Dibbern critica a utilização dos ODS pela Fapesp como forma de ganhar visibilidade junto a outras agências de financiamento. “Ainda que essa inserção internacional seja importante, a forma como os ODS vêm sendo utilizados pela fundação não provoca mudanças na comunidade interna”, aponta.
Os ODS também encontram pouca reverberação na governança científica da Fapesp. “Se tomarmos como exemplo os ODS 5 (Igualdade de Gênero), é possível observar uma maior quantidade de homens em cargos de alto escalão, especialmente quando consideramos o número de mulheres no Conselho Superior e Conselho Técnico-Administrativo. Quando analisamos por área do conhecimento, essa diferença também é perceptível, havendo maior número de homens vinculados às hard sciences”, finaliza Dibbern.