Estudo comprova a existência na cidade de rochas de fundo oceânico formadas há mais de 600 milhões de anos
Um passeio de bicicleta pelo Parque Ecológico Monsenhor Emílio José Salim, em Campinas, levou o docente Wagner Amaral, do Departamento de Geologia e Recursos Naturais do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, a fazer uma descoberta importante sobre a geologia do município. Ele comprovou, por meio de análises petrográficas e geoquímicas, a existência de rochas de fundo oceânico em um afloramento presente no parque. A formação pode estar associada à evolução do supercontinente Gondwana.
O docente conta que, na região de Campinas onde se localiza o Parque, há muitos afloramentos de rochas que não haviam sido descritos anteriormente. Amaral é idealizador do Projeto de Extensão Geobike, em que percorre de bicicleta, com alunos de graduação e pós-graduação, além de pessoas de fora da Unicamp, trilhas em locais aos quais não é possível chegar de carro ou de ônibus. Em 2020, ele identificou, no Ecológico, rochas máficas (escuras) com pontos em formato de “catapora” que apontavam para a presença do mineral granada; isso despertou sua atenção. Como ele é docente de disciplina que pesquisa esse tipo de rocha, nada mais natural que as estudar.
A partir de análises feitas no microscópio eletrônico de varredura do IG, Wagner Amaral identificou a composição química do mineral e as texturas presentes nas amostras de rochas. “O microscópio revelou feições que são evidências de que essas rochas atingiram um grau metamórfico muito elevado, típico de zonas de subducção, quando duas placas tectônicas começam a deslizar uma para debaixo da outra.”
“No caso de Campinas, as rochas do assoalho oceânico desceram para debaixo de uma outra crosta, a uma profundidade superior a 45 km, foram metamorfizadas em condições de alta pressão e, posteriormente, exumadas por processos geológicos que possibilitaram que fossem encontradas na superfície”, explica o docente. Esse metamorfismo foi também datado no Laboratório de Geologia Isotópica (Lagis), do IG, a partir de análise geocronológica de um mineral chamado rutilo, o que estabeleceu a idade de aproximadamente 626 milhões de anos.
Processos semelhantes são encontrados na formação de zonas de subducção modernas, como nos Andes, que é formado pelo movimento de descida da crosta oceânica do Pacífico, que empurra a crosta para debaixo do continente, fazendo soerguer a cordilheira de montanhas. Nos Alpes, ocorre o mesmo: a África está indo de encontro à Europa, soerguendo o velho continente.
Cálculos das condições de temperatura e pressão indicam que as rochas encontradas atingiram temperaturas próximas a 740°C e pressões superiores a 12 kbar. “Ao retornar à superfície e passar por um processo de descompressão, as rochas adquiriram texturas como os simplectitos, uma espécie de intercrescimento de duas ou mais fases minerais em desequilíbrio. Assim, a rocha permaneceu, por milhões de anos, enfrentando outros movimentos tectônicos, deformações, glaciações e erosão. Esses fenômenos causaram a intemperização da rocha, deixando-a exposta em formato de afloramento”, explica Amaral. Há, portanto, evidências de que Campinas está em uma região em que provavelmente, há milhões de anos, existia um oceano.
A história geológica do planeta nos mostra a formação de diversos supercontinentes e oceanos em ciclos de aproximadamente 450 milhões de anos – o chamado Ciclo de Wilson. Há 1 bilhão de anos, existiu um supercontinente chamado Rodínia, que se fragmentou gerando outros continentes menores e oceanos. As rochas identificadas no Parque Ecológico podem estar associadas à evolução e ao fechamento de outro supercontinente, Gondwana, que ocorreu entre 600 e 500 milhões de anos, no hemisfério sul do globo, pela colisão dos fragmentos continentais de Rodínia. “Há cerca de 250 milhões de anos, o supercontinente Gondwana aglutinou-se com outros continentes dispersos no hemisfério norte, conhecidos como Laurásia, para formar a Pangeia. Hoje, somos produto da quebra desse último supercontinente, que permaneceu unido por apenas 50 milhões de anos. Como consequência, temos os oceanos atuais ainda em desenvolvimento”, explica o docente.
A descoberta de Amaral é coerente com situações geológicas similares encontradas no sul de Minas Gerais, nas regiões de São Sebastião do Paraíso, Varginha e Pouso Alegre, que também têm rochas com idade, composição química e contexto geológico semelhantes às encontradas em Campinas. “Nosso município tem grande potencial geológico. A cidade é cortada por duas zonas de cisalhamento transcorrente e está situada dentro de quatro domínios geológicos distintos. Estamos avançando no entendimento da história geológica da nossa região com mapeamento geológico mais detalhado e técnicas analíticas mais refinadas. A caracterização dessas rochas encontradas no Parque Ecológico reforça a hipótese da existência de uma antiga zona de subducção que passa por Campinas e vai além”, aponta o docente.
De acordo com Amaral, há dois artigos em preparação. Em seu trabalho de conclusão de curso de graduação, Lucas Prado Bertini Oliveira, aluno de mestrado do IG, fez um mapeamento geológico da região onde essas rochas ocorrem. “O mapeamento também nos revelou a presença de diversos outros afloramentos com características similares, fundamentais para entendermos como estavam dispostos os corpos, quais rochas estavam associadas, além das dimensões e deformações estruturais que estavam presentes. Identificamos afloramentos, com cerca de 500 m2, dessa rocha”, explica o professor. Agora, Oliveira vem aprofundando os estudos analíticos nas rochas metamórficas dessa região. “Um outro aluno de mestrado, Marcos Zacarias Farhat Junior, está catalogando pontos de interesse geocientíficos de modo que seu trabalho se torne uma ferramenta de divulgação científica”, finaliza o docente.