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Aparelho de navegação oferece mais autonomia, segurança e economia

O professor Eric Rohmer, orientador da pesquisa: “Nossa preocupação era trabalhar com aparelhos que possibilitassem uma leitura mais sensível do ambiente e dos comandos faciais”
O professor Eric Rohmer, orientador da pesquisa: “Nossa preocupação era trabalhar com aparelhos que possibilitassem uma leitura mais sensível do ambiente e dos comandos faciais”

Não bastam preconceito, exclusão social e falta de autonomia para se deslocar. Para quem é tetraplégico, conduzir uma cadeira de rodas motorizada costuma ser exaustivo. Embora onerosos, os modelos atuais pecam pela ausência de recursos que ajustem velocidade e direção de acordo com o fluxo de transeuntes ou que possibilitem manobrar o equipamento com mais segurança e precisão – principalmente em vias estreitas ou sinuosas. Tampouco oferecem a opção de controle da navegação. Diante dessas lacunas, João Vitor Assis e Souza desenvolveu um assistente de navegação modular de baixo custo como projeto de mestrado em robótica assistiva – área em que a tecnologia é empregada para criar aparelhos que deem suporte a pessoas com deficiência –, na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Feec) da Unicamp. 

“Vi uma palestra sobre robótica assistiva do professor Eric Rohmer [da Feec] ainda na graduação, na Universidade Federal de Juiz de Fora. Foi meu primeiro contato com esse tipo de pesquisa, o que despertou o meu interesse”, lembra Souza, cujo mestrado foi orientado justamente pelo professor que o inspirou. Já a ideia para seu projeto foi ganhando forma após tomar conhecimento sobre pesquisas em que tetraplégicos revelaram o desejo de retomar sua autonomia quando utilizam suas cadeiras de rodas robóticas. “Meu objetivo é oferecer uma gama de possibilidades para que o usuário esteja efetivamente no controle do que está fazendo”, conta ele. 

Orientador da pesquisa, o professor Rohmer ressalta o ineditismo do trabalho. “Não existe ainda no mercado esse tipo de aparelho, com tudo o que o João desenvolveu. Um aparelho que entenda o ambiente e que possa tomar decisões no sentido de ajudar o cadeirante”, avalia. Vinculada a um dos mais longevos projetos em andamento, o Brainn (Instituto Brasileiro de Neurociência e Neurotecnologia), fundado há 11 anos no escopo do Cepid (Centros de Pesquisa, Inovação e difusão), a pesquisa contou com financiamentos múltiplos – da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), do próprio Brainn e de uma empresa alemã de motores.

O projeto, esclarece Souza, é composto por três módulos, para poder fornecer diferentes níveis de assistência. Para cada um, foi desenvolvido um algoritmo específico – utilizando métodos de inteligência computacional – que funciona como um controlador de velocidades e modulador. Todos foram instalados em um microcomputador embarcado na cadeira de rodas robotizada. 

Compartilhando o controle

Batizado de módulo de controle compartilhado, o primeiro deles depende da atuação conjunta entre quem está na cadeira e o algoritmo. Tendo em mente a necessidade de manter os custos baixos, 16 sonares e dois lasers unidimensionais foram posicionados na cadeira e, segundo o engenheiro, “captam os obstáculos em seu entorno e os classificam em um mapa polar que permite 30 possibilidades teóricas de arranjo de obstáculos possíveis”.

Registrando o ambiente, esses aparelhos permitem o controle da velocidade a ser adotada pelos motores, funcionando como uma camada de segurança. Já o cadeirante define a direção a ser tomada utilizando uma interface – um aplicativo de smartphone instalado no veículo –, que lê seus comandos faciais, indo para frente, para trás, para a esquerda e para a direita. Forma-se, assim, um mecanismo anticolisões.

Por um lado, a escolha por sonares e lasers e, de outro, por um aplicativo de celular que captasse diferentes posições faciais, posteriormente transformadas em comandos para a cadeira, não foi puramente econômica, ressalta Rohmer. “Nossa preocupação era trabalhar com aparelhos que possibilitassem uma leitura mais sensível do ambiente e dos comandos faciais.” Os assistentes disponíveis, de acordo com o professor, não conseguem obter informações com a riqueza de detalhes desejada.

João Vitor Assis e Souza, autor da dissertação: “Meu objetivo é oferecer uma gama de possibilidades para que o usuário esteja efetivamente no controle”
João Vitor Assis e Souza, autor da dissertação: “Meu objetivo é oferecer uma gama de possibilidades para que o usuário esteja efetivamente no controle”

Nada de fazer baliza

Ainda enquanto treinava a rede neural do primeiro módulo no simulador 3D, Souza percebeu a necessidade de desenvolver um aparato que assumisse a direção da cadeira em momentos de literal aperto. Isso porque, durante os experimentos, a ação de manobrar repetidamente o veículo em espaços muito pequenos e estreitos – mesmo que no ambiente virtual – o exauria.  Assim, nascia o AutoEMA (assistente de manobra de escape), módulo em que o controle da direção é assumido pela rede neural da cadeira, poupando o usuário da obrigação extenuante de dividir sua atenção entre a tela do seu celular, o ambiente ao seu redor e seu veículo para conseguir sair de um espaço diminuto. Concebeu-se, então, uma espécie de “piloto automático”.

Desenvolvido com base em uma heurística e treinado no simulador 3D já utilizado na primeira fase da pesquisa, esse módulo também trabalha com as informações fornecidas pelos sonares e lasers instalados na máquina. Entretanto, ao contrário do módulo anterior, somente entra em ação após ser ativado com um comando do usuário, via interface (aplicativo de leitura facial).

Seguindo o fluxo

Uma vez que o intuito era oferecer ferramentas para ampliar os níveis de autonomia, segurança e conforto de quem usa cadeiras robotizadas, o trabalho contemplou ainda a possibilidade de os usuários controlarem o ritmo da navegação. Assim surgiu o terceiro módulo, de velocidade adaptativa, que permite uma condução mais harmônica, seguindo o fluxo de pessoas em locais de grande circulação, como aeroportos, shoppings e universidades. 

Diferentemente dos dois módulos anteriores, pontua Souza, o terceiro aparato funciona com base em informações fornecidas por um radar de ondas milimétricas, igualmente acoplado à cadeira. Esse radar, explica, rastreia a distância e a velocidade de qualquer obstáculo – uma pessoa, um objeto – que estiver se movendo na região frontal do veículo. “O algoritmo utiliza essas informações como referência para calcular a velocidade máxima da cadeira e ir ajustando o ritmo, no controlador, seguindo a movimentação geral”, esclarece o pesquisador. Serve, portanto, como mais um mecanismo de segurança.

Tese defendida, o próximo passo é testar a cadeira, já toda equipada, com pessoas portadoras de altas restrições de mobilidade. Devido à pandemia, não só o desenvolvimento como a validação do trabalho de Souza foram feitos em simuladores, como em um videogame. “Minha motivação em fazer esse projeto sempre foi ver o impacto real. Matematicamente, na simulação, vimos que os módulos são eficazes, que seu comportamento é apropriado. Mas validar ajuda a amadurecer o trabalho, ter um retorno”, conclui.

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