Editora da Unicamp lança guia das obras do moçambicano João Paulo Borges Coelho
A obra literária de João Paulo Borges Coelho. Panorama crítico traz uma análise da produção do autor, incluindo seus 12 livros e sua mais recente obra, Museu da Revolução. Trata-se de um guia das obras do escritor moçambicano e uma porta de entrada para aqueles que se interessam pela literatura produzida no continente africano.
Até o momento, Borges Coelho possui quatro livros publicados e sua obra auxilia na tarefa de desmistificar equívocos sobre a literatura africana, ao romper com uma visão romantizada de Moçambique, o que a torna fundamental para estudiosos da área. As organizadoras do livro, Elena Brugioni, Fernanda Gallo e Gabriela Beduschi Zanfelice, falam sobre a obra e o autor.
Jornal da Unicamp – Qual a importância de JPBC na produção literária de língua portuguesa feita atualmente na África?
Organizadoras – João Paulo Borges Coelho é um dos mais notáveis autores no cenário literário, acadêmico e editorial de língua portuguesa, nomeadamente em Moçambique, Portugal e, mais recentemente, no Brasil. Contudo, é importante lembrar que sua obra não se restringe apenas aos países de língua portuguesa, tendo sido traduzida para o italiano, o espanhol, o inglês, o alemão e o mandarim, para além dos inúmeros artigos e estudos sobre ela publicados em diversos contextos acadêmicos.
No âmbito da produção literária de língua portuguesa, a escrita do autor é muito inovadora. Contribui para enriquecer essas literaturas com temáticas relacionadas aos múltiplos desafios do período pós-independência, aos dilemas da pós-colonialidade, às problemáticas decorrentes de um mundo abertamente capitalista e neoliberal, à crise ambiental, às conexões passadas e presentes com o universo do Oceano Índico. As relações entre história, geografia e literatura, dentre outros aspectos e temas passíveis de contemplação, são investigados e desdobrados a partir de sua obra.
JU – Outros autores africanos de língua portuguesa, entre os quais Mia Couto, José Eduardo Agualusa, Pepetela, Ondjaki, possuem muitas obras publicadas no Brasil, diferentemente de Borges Coelho. Por que?
Organizadoras – Ao que parece, alguns entraves editoriais dificultaram a publicação do autor no Brasil até 2019. O cenário, porém, vem se alterando. Exemplo disso é a publicação de Museu da Revolução, lançado em Portugal e Moçambique no segundo semestre de 2021 e, no primeiro semestre de 2022, no Brasil. No entanto, vale a pena lembrar que o caso de Borges Coelho não é isolado. Pensemos, por exemplo, num escritor como Luandino Vieira, cuja obra permanece até hoje majoritariamente inédita ou esgotada no Brasil, ou ainda em Paulina Chiziane, Germano de Almeida ou Abdulai Sila.
A lista poderia ser muito longa. O que importa constatar é que o que se encontra publicado e acessível no Brasil das chamadas literaturas africanas em língua portuguesa é realmente uma diminuta amostra daquilo que se escreve e publica em Moçambique, Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.
JU – Como os autores africanos de língua portuguesa podem enriquecer a literatura produzida no Brasil?
Organizadoras – Durante décadas, a literatura brasileira foi um importantíssimo manancial para os escritores africanos de língua portuguesa que, naquela altura, elaboravam os ideários político e, sobretudo, estético de suas soberanias nacionais – e, portanto, de suas independências literárias – diante de Portugal.
Hoje, é muito importante que se concretize um movimento contrário, pois as literaturas de língua portuguesa produzi- das na África caracterizam-se por estilos, léxicos, imaginários e temas pertinentes para o Brasil de hoje e que, no entanto, são ainda pouco conhecidas.
A leitura e o estudo dessas literaturas (e de outras do continente africano) se configuram como um passo indispensável para ampliar o conhecimento dos múltiplos e diversos contextos em que se faz literatura em língua portuguesa. É importante que as Áfricas “que fizeram o Brasil” se tornem cada vez mais estuda- das, conhecidas e valorizadas.
JU – No livro, vocês dizem que os capítulos “mostram a sofisticação e a complexidade de um corpus que dificilmente poderá caber em cartilhas e paradigmas críticos preconcebidos”. Qual a importância de lançar um livro que traz ensaios sobre a obra de João Paulo Borges Coelho?
Organizadoras – Especialmente no atual cenário, dentro e fora do Brasil, a obra de Borges Coelho contribui de forma substancial para desfazer alguns equívocos que acabam pautando o debate sobre as literaturas africanas, dentro ou fora da academia, na qual frequente- mente nos deparamos com leituras romantizadas ou tão somente pessimistas e estereotipadas da África.
O projeto literário do autor contribui para quebrar certos binarismos que ainda são bastante comuns em algumas leituras, desfazendo essencialismos e apontando para os processos, as contradições e as ambiguidades que pautam o tempo e o espaço pós-colonial não apenas na África, mas em todo o mundo.
Suas histórias inscrevem experiências e memórias de importantes figuras públicas e de cidadãos comuns, inscritos em diversas posições no espectro político, social, geográfico e racial que caracterizam a diversidade e a multiplicidade constitutivas das nossas vidas. Nesse sentido, um livro sobre sua obra é importante para realçar tais características, demonstrando como sua literatura situa-se na contramão de regimes de verdade que se pretendem únicos e inquestionáveis.
Título: A obra literária de João Paulo Borges Coelho. Panorama crítico
Organizadoras: Elena Brugioni, Fernanda Gallo e Gabriela Beduschi Zanfelice
Páginas: 336
Formato: 14 x 21 cm
Editora da Unicamp