Aluno de doutorado do Instituto de Biologia vence concurso de imagens de micrografia
Enxergar beleza e sofisticação na rigidez metodológica da ciência parece um exercício paradoxal, mas quem já observou imagens de microscopia sabe que tais imagens podem representar verdadeiras obras de arte. Estes equipamentos, utilizados para a documentação científica de detalhes impossíveis de serem vistos a olho nu, fornecem imagens ampliadas em milhões de vezes dos organismos estudados, revelando um conjunto surpreendente de padrões elaborados, sobreposições, texturas e contrastes.
“Você encontra uma enorme beleza nas coisas pequenas”, acredita Francisco Breno S. Teófilo, que venceu um concurso de imagem de microscopia promovido pela Sociedade Brasileira de Microscopia e Microanálise (SBMM). Aluno de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Biologia Molecular e Morfofuncional do Instituto de Biologia (IB), ele defende que trabalhar com microscopia significa descobrir um universo totalmente novo. “Você vai alterando a magnificação e descobre a célula, aumenta mais um pouco e vê os diversos detalhes subcelulares. E essa possibilidade de se deparar com o diferente, o inesperado, é muito estimulante”, avalia.
Teófilo submeteu duas imagens à competição. Elas ficaram classificadas na primeira e na sexta colocações. A imagem vencedora, intitulada “Brasis”, apresenta uma célula do endotélio, o tecido que reveste a parede interna dos vasos sanguíneos, oriunda de um pulmão bovino, em um desenho que lembra a bandeira nacional espelha- da e em que é possível enxergar estruturas como a rede mitocondrial, o núcleo celular e os filamentos de actina. Já a sexta colocada, “Carnaval”, mostra em detalhes reconstruídos tridimensionalmente a asa multicolorida de uma borboleta.
De acordo com o pesquisador, a associação das imagens com objetos e situações do cotidiano é uma maneira de tornar os resultados científicos mais palatáveis e chamar a atenção da sociedade para o conteúdo ali presente. É o caso da imagem da célula pulmonar bovina, cujo nome surgiu da dificuldade em dimensionar a rede mitocondrial na figura. Como Teófilo desejava manter toda essa estrutura como uma região de interesse na imagem, ele decidiu invertê-la para caber melhor. “Ao fazer isso, eu vi que parecia haver uma linha dividindo os círculos em duas metades e lembrei das montagens que mostram a bandeira do Brasil em um rio. Parecia que eu estava vendo essa mesma imagem em um espelho”, comenta.
Ambas as imagens foram produzidas em um microscópio óptico confocal de resolução aumentada do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Fotônica Aplicada à Biologia Celular (Infabic), criado me- diante uma parceria entre o Instituto de Física “Gleb Wataghin” (IFGW) e o Instituto de Biologia (IB) da Unicamp. O equipamento, disponível para uso da comunidade em geral, possui uma tecnologia chamada Airyscan, que permite a obtenção de micrografias com ganho de resolução. Isso possibilita, em um segundo momento, uma melhor segmentação de organelas de interesse, facilitando a análise e quantificação das estruturas estudadas.
Teófilo obteve as imagens vencedoras com o objetivo de estudar a morfologia mitocondrial por meio de técnicas de resolução aumentada, visando a sua aplicação didática em um curso de análise e processamento de imagens de microscopia durante o Workshop Teórico-Prático do Infabic. Essas micrografias costumam ser processadas com ajuste de aspectos como brilho, contraste e escolha das cores-fantasia, para facilitar a compreensão das estruturas ali presentes. No caso da asa da borboleta, por exemplo, foi preciso adquirir uma sequência de 240 imagens com um espaçamento de 717 micrômetros, unidade de medida que equivale a um milionésimo do metro, e sobrepô-las para que adquirissem o seu efeito tridimensional.
Uma característica interessante dessa fotografia da asa é a sua fluorescência natural. Geralmente, quando uma célula ou um tecido é examinado no microscópio, os cientistas acrescentam um marcador fluorescente para ressaltar a parte que desejam examinar – o que foi feito na imagem do endotélio bovino. Mas as asas das borboletas possuem revestimento de quitina, um polissacarídeo que compõe o exoesqueleto de artrópodes e que já possui a sua própria fluorescência, eliminando a necessidade de acrescentar o marcador.
“A asinha da borboleta é muito didática porque a quitina basta. Eu a escolhi porque o objetivo era pegar um material autofluorescente, fazer algo tridimensional e ter um exemplo para ensinar como usar o programa em imagens com mais dimensões”, revela Teófilo, ressaltando que, apesar da beleza, o mais importante é que as micrografias passem a informação correta. “Essas imagens precisam ser reprodutíveis, temos que tomar bastante cuidado com o rigor no tratamento para que não acabemos omitindo algo ou prejudicando a análise. Principalmente na biologia celular, um campo muitas vezes abstrato, em que a visualização dessas estruturas ajuda no entendimento dos processos biológicos”, revela o cientista.