Mapeamento analisa a distribuição e a mobilidade espacial de indígenas, ribeirinhos e quilombolas que vivem em 64 comunidades do Baixo Rio Negro
Parceria entre o Laboratório de Urbanização e Mudanças no Uso e Cobertura da Terra (l-UM), da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, e o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá resultou no mapeamento de 64 comunidades localizadas no Mosaico de Áreas Protegidas do Baixo Rio Negro, no estado do Amazonas. O objetivo do trabalho foi analisar a distribuição e a mobilidade espacial da população tradicional – indígenas, ribeirinhos e quilombolas – que vive nessas unidades de conservação (UCs) desde o ano 2000. O mapeamento relaciona as informações coleta- das aos impactos na cobertura da terra e às políticas de gestão para essas áreas.
A coleta de informações contou com a colaboração de organizações civis e não-governamentais das comunidades mapeadas. Os dados estão numa plataforma digital* disponível para consulta pública. A ferramenta facilita a gestão conjunta e integrada, fomentando a participação das comunidades nas decisões sobre seus próprios territórios e colaborando para a proteção do Mosaico.
De acordo com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), os mosaicos são cria- dos quando há um conjunto de UCs próximas, justapostas ou sobrepostas. O Mosaico do Baixo Rio Negro é forma- do por 14 UCs, com cerca de sete milhões de hectares e grande diversidade biológica. Coordenada pelo economista e professor da FCA Álvaro de Oliveira D’Antona, a pesquisa “Populações tradicionais em áreas protegidas: dinâmicas socioambientais e gestão de unidades de conservação no Mosaico Baixo Rio Negro, no Amazonas” foi a única, na área de Humanidades, financiada por edital lançado em parceria entre a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam).
“Ampliar, organizar e integrar dados que auxiliem na gestão das Áreas Protegidas é importante para melhorar as condições de vida e a gestão das unidades na área de es- tudo, como também para fortalecer as políticas ambientais no país”, afirma D’Antona. Para ele, as ações de ordenamento territorial na Amazônia brasileira e os processos socioeconômicos para o desenvolvimento das Áreas Protegidas devem ser ampliados. “Dessa forma, será possível dimensionar os efeitos das políticas de conservação implantadas na Amazônia de forma geral e, particularmente, na Região do Baixo Rio Negro”, complementa.
Alvo de pressão resultante de desmatamento e ocupação ilegal nos últimos anos, o território do Mosaico é estratégico para a conservação da Amazônia – sua importância ecológica contribuiu para que a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) transformasse parte da região em Patrimônio Natural da Humanidade.
Relembrando o trabalho e legado de Chico Mendes – seringueiro e ativista político, pioneiro na defesa da Amazônia, assassinado em 1988 –, o professor afirma que, na perspectiva conservacionista, a “floresta em pé” depende das práticas sociais e dos habitantes das unidades de conservação. “Acreditamos que as populações tradicionais preservam a floresta, inclusive porque de- pendem dela para sobreviver. São elas que protegem as áreas de conservação de atividades ilegais, entre as quais ações de madeireiros e desmatamentos para agropecuária”, lembra. Nesse sentido, prossegue o docente, os moradores desempenham um serviço ambiental fundamental, pelo qual deveriam ser, de alguma forma, remunerados. “Precisamos pensar no custo de vida dessas pessoas e em quem vai pagar por ele. Algumas necessidades são atendidas pelo Estado, mas não todas”, apontou o pesquisador da FCA.
Ele também chama a atenção para os vários desafios que o Brasil ainda enfrenta na gestão e implantação do SNUC, especialmente no que se refere à regularização fundiária, à elaboração e à atualização dos planos de manejo e infraestrutura básica. “Prevalece no país a visão de que as políticas para criação de UCs representam um entrave ao desenvolvimento econômico, considerado incompatível com a conservação. Essa visão está muito relacionada à ausência de dados e de sistematização de informações que demonstrem o papel das UCs no desenvolvimento econômico e social do país”.
O Brasil conta com dois grandes projetos de mapeamento por satélite: o TerraClass, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), focado nos biomas Cerra- do e Amazônia; e o MapBiomas, que abrange todos os biomas brasileiros, monitorando desmatamentos e queimadas desde 1985 e do qual participam várias universidades, ONGs e startups de tecnologia. Na próxima fase da pesquisa, os pesquisadores do l-UM irão utilizar as in- formações oriundas desses dois projetos, combinando-as com os dados colhidos por meio dos questionários aplicados nas comunidades e com imagens detalhadas feitas por drones. “O histórico de dados sobre o uso e cobertura da terra, em conjunto com os dados coletados em campo, permitirá um entendimento mais quantitativo e qualitativo dos problemas. Percebemos, por exemplo, que muitas áreas desflorestadas estão passando por processos de regeneração, resultante das mudanças no cotidiano da po- pulação nas comunidades rurais, tais como a migração de jovens para as cidades e a redução do trabalho nas roças, além da criação das unidades de conservação”, explica José Diego Gobbo Alves, integrante do l-UM.
Os mapas elaborados pela equipe do Laboratório evidenciam o aumento espacial das áreas urbanizadas na Área de Proteção Ambiental Margem Direita do Rio Negro (Setor Paduari-Solimões, que faz parte do Mosaico) e o papel ambivalente das rodovias como vetores tanto do desmatamento como da conservação ambiental. “A literatura aponta as estradas como vetores de desmatamento, mas estamos problematizando esse entendimento e mostrando que elas também podem estar a serviço das populações locais, facilitando a mobilidade espacial das pessoas, com efeito positivo na conservação de porções anteriormente desflorestadas e que, agora, passam por processo de regeneração”, explica. O grupo espera demonstrar que as unidades de conservação têm uma relação estrita com o ambiente urbano, observável na mobilidade dos moradores e nas mudanças no uso e cobertura da área.
** Acesse a plataforma digital em: https://bit.ly/mosaicobaixorionegro
De drones a tablets
A fim de complementar as respostas dos questionários, foram utilizados tablets e drones para produzir vídeos e fotos de alta qualidade, permitindo um mapeamento mais preciso do que o feito por satélites. Além da base de dados única que será compartilhada publicamente e, portanto, poderá ser acessada por ONGs da região e moradores das unidades de conservação, a consolidação da parceria entre a Unicamp e o Instituto Mamirauá também é apontada pelos pesquisadores como outro resultado importante do projeto, que deve ser concluído até meados de 2023. “Nós temos muita experiência de campo, conhecemos de perto as comunidades e temos um grande interesse na questão socioambiental em unidades de conservação. Então, toda a experiência teórica e metodológica da equipe da Unicamp está agregando muito conhecimento aos estudos de campo que realizamos”, disse Ana Claudeise Silva do Nascimento, pesquisadora associada do Instituto Mamirauá e docente da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa).