Grupo identifica mecanismo responsável por queima de calorias horas depois de atividade física
Pesquisadores da Faculdade de Ciências Aplica- das (FCA) da Unicamp descreveram o circuito neuromuscular responsável pelo afterburn, efeito que faz com que as pessoas continuem queimando gordura horas após a prática de atividades físicas. Apesar de esse ser um fenômeno conhecido há anos pela comunidade científica e por profissionais de educação física, somente agora foi possível saber a sua causa: a proteína interleucina-6 (IL-6) age no hipotálamo, região do cérebro que controla os processos metabólicos, enviando sinais via sistema nervoso simpático para que o músculo continue queimando gordura após a prática de atividade física. O mecanismo foi descrito em um artigo publicado recentemente na revista Science Advances [1].
“O efeito da [da queima] permaneceu após três horas da realização do exercício”
A descoberta foi realizada pelo grupo de pesquisa do Laboratório de Biologia Molecular do Exercício (LaBMEx), coordenado pelos docentes Eduardo Ropelle e José Rodrigo Pauli, e contou com a participação de pesquisadores da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. Integraram o estudo também cientistas da Universidade de São Paulo, da Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha, e da Escola Politécnica de Lausanne, na Suíça.
“A literatura científica já mostrava que exercícios aumentam a produção de interleucina-6 no músculo. Nosso objetivo era descobrir se, com a contração muscular, os seus níveis chegariam ao sistema nervoso central. Ademais, por meio de experimentos, observamos que a IL-6 também é produzida pelo hipotálamo, em resposta ao exercício. Ou seja, depois de sintetizada no sistema nervoso central, [a IL-6] desencadeia todo o circuito de queima de gordura mesmo após o individuo cessar o exercício”, esclarece Ropelle.
A descrição do circuito é resultado de um trabalho iniciado em 2013 com a participação de pesquisadores de diversas áreas. Em seu mestrado, defendido em 2015, sob a orientação de Ropelle, a nutricionista Thayana Micheletti realizou os primeiros ensaios para a identificação do mecanismo. Inicialmente, ela injetou a IL-6 no hipotálamo de camundongos, provocando queima de gordura nos músculos dos animais, com um pico de três horas após a injeção. Em seu estágio, realizado na Universidade de Compostela, ela submeteu camundongos geneticamente modificados, que possuem deficiência na produção da IL-6, a exercícios físicos e observou que a queima de gordura após o exercício foi muito menor nesses animais, confirmando a importância da presença da IL-6 para o afterburn.
Em seu pós-doutorado, o educador físico deu sequência à pesquisa para verificar como a presença de receptores de superfície e receptores de IL-6 determinam a ação da interleucina-6. Também foram feitos testes por meio de exercícios de natação e esteira com os camundongos para avaliar se os efeitos eram os mesmos que os obtidos com a injeção de IL-6. “Observamos o aumento dos níveis da proteína no hipotálamo e da oxidação [queima] da gordura no músculo em apenas uma sessão. O efeito permaneceu após três horas da realização do exercício”, comenta o cientista, que assina o artigo como primeiro autor.
[1] pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35905178/
Efeito da IL-6 também ocorre em humanos
Além da pesquisa com modelos animais, o estudo obteve os mesmos resultados quando feito em humanos. Por meio de uma base de dados, a equipe da Universidade de Lausanne realizou análises de bioinformática e encontrou forte correlação positiva entre a expressão gênica de interleucina-6 no hipotálamo e a expressão de diversos genes relacionados à queima de gordura no músculo. “Isso significa que os indivíduos que possuem altos níveis de IL-6 no hipotálamo também apresentaram altos níveis de marcadores de oxidação no músculo”, afirma Ropelle. Portanto, esses dados indicam a presença desse circuito neuromuscular em humanos.
De acordo com o professor da FCA, embora ainda incipiente, o conhecimento de que mamíferos possuem um neurocircuito desencadeado pela interleucina-6 poderá ser utilizado futura- mente para prescrever exercícios que potencializem a queima de gordura depois de o indivíduo concluir a atividade física. “Já sabemos que exercícios mais intensos estimulam maior produção de IL-6, fazendo com que o efeito afterburn seja mais prolongado. Talvez esse seja o caminho”, completa o docente.
O principal objetivo do trabalho do grupo foi evidenciar o papel isolado da IL-6 na célula, como uma prova de conceito da sua existência. A descoberta pode ser benéfica em trata- mentos de pessoas com obesidade. Entretanto, a observação dessa ocorrência em uma situação fisiológica como o exercício físico ainda está em um estágio inicial.
“Algumas pessoas tendem a criticar o afterburn porque a energia consumida nesse período, de fato, é bem mais discreta do que a consumida durante o exercício. Mas, da mesma forma com que engordamos consumindo um pouco mais de calorias a cada dia, o processo contrário também é verdadeiro. Você emagrece queimando calorias um pouco a cada dia. Então, todos os processos relacionados ao gasto energético corporal devem ser contabilizados nessa equação, e isso inclui o afterburn”, comenta.
Próximos passos
Segundo o docente, as próximas etapas envolvem ampliar os achados acerca desse circuito neuromuscular. Esse tem sido o foco das pesquisas de Carlos Katashima, atualmente, pesquisador associado da FCA. Ao injetar a interleucina-6 nos camundongos, foi observado um aumento na temperatura corporal desses animais, algo que também favorece a queima de gordura, abrindo caminho para um novo braço do estudo. Em colaboração com pesquisadores da FCM e do Hospital de Clínicas da Unicamp, o grupo de pesquisa da FCA também está acompanhando pacientes reumatológicos que tomam remédios que inibem receptores de IL-6. O objetivo é avaliar a temperatura corporal e o gasto energético desses pacientes durante e após o exercício físico. A perspectiva é concluir o estudo em um prazo de no máximo dois anos.