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Testes com animais mostram que substância pode melhorar desempenho em exercícios físicos

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Uma rápida busca no Google por “melatonina”, revela, em poucos segundos, que a versão sintética da substância é atualmente comercializada, no exterior, como quase milagrosa: oferece benefícios que vão de emagrecimento e prevenção de enxaqueca, passando por regulação de distúrbios do sono, tratamento do mal de Parkinson, e até mesmo prevenção e combate ao câncer. Outra suposta vantagem bastante explorada comercialmente do hormônio – que, no corpo humano, é produzido por uma região específica do cérebro, a glândula pineal – é sua capacidade antioxidante, que protege os músculos contra inflamações e danos nos tecidos dos músculos, decorrentes do esforço físico.

Pesquisa de doutorado desenvolvida pelo educador físico Wladimir Rafael Beck e orientada por Claudio Alexandre Gobatto, docente da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, investigou se a substância poderia não só proteger os músculos contra inflamações, mas melhorar a performance na realização de exercícios físicos, ou seja, se ela apresentava também um efeito ergogênico (ergo, trabalho + gênico, produção). A investigação revelou que sim, mas também apresentou uma surpresa.

Beck descobriu que o uso da melatonina em modelos animais pode implicar um aumento de até 150% no tempo de duração do exercício, dependendo do horário no qual foi administrada – ou seja, os ratos que receberam melatonina em seu período de vigília obtiveram uma melhora muito significativa na performance, conseguindo nadar por muito mais tempo do que aqueles que não haviam recebido a substância.

No entanto, o trabalho de três anos de pesquisa também revelou que o hormônio não protegeu os músculos dos animais como se esperava, por sua já citada capacidade anti-inflamatória. “O que aconteceu foi que o rato tolerou significativamente mais inflamação, mais dano tecidual e mais estresse oxidativo mas, mesmo assim, continuou o exercício. A melatonina foi ergogênica, mas, ao final do exercício, no modelo proposto, houve inflamação e dano tecidual. Portanto, ficou claro que o efeito ergogênico é mais potente que o efeito protetor”, esclarece Beck. Este foi mais um resultado importante da pesquisa, já que, inicialmente, o pesquisador tinha a hipótese de que era justamente a propriedade anti-inflamatória da substância que poderia causar a ergogenia.

Por seu ineditismo e resultados, o trabalho foi agraciado com o prêmio Capes de Teses 2016, outorgado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) às melhores teses brasileiras defendidas em 2015. Os resultados da investigação também foram recentemente divulgados em duas revistas científicas internacionais de renome – Scientific Reports, do grupo Nature (http://www.nature.com/articles/srep18065), e International Journal of Sports Medicine (https://www.thieme-connect.com/DOI/DOI?10.1055/s-0035-1559698)

Beck desenvolveu sua pesquisa como aluno da Faculdade de Educação Física (FEF), entretanto toda a parte prática do trabalho foi desenvolvida no Laboratório de Fisiologia Aplicada ao Esporte (Lafae) (http://lafaeunicamp.wixsite.com/lafaeunicamp), coordenado por Gobatto e localizado na Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, em Limeira, onde é oferecida a graduação em Ciências do Esporte.

“Este prêmio é uma grande realização para o laboratório e toda sua história, mostra que estamos no caminho certo. Nós trabalhamos com estes temas já há muitos anos e acho que esse prêmio acaba consagrando toda uma geração de pesquisadores que já foram ou estão sendo formados aqui”, comemora Gobatto. Ele destaca ainda o fato de Beck ter “brilhantemente” reunido uma série de aspectos com os quais o laboratório poderia contribuir e proposto uma nova linha de investigação. “Ele trouxe um importante avanço em práticas metodológicas que nós ainda não tínhamos conseguido padronizar”. Beck destaca que o processo de doutoramento não é simples e exige bastante determinação, mas também atribui o prêmio a todo o grupo. “É uma construção coletiva. O prêmio foi muito importante para mim, mas o trabalho vai além disso”.

Aplicabilidade
“Se além de aumentar a capacidade de trabalho físico durante a prática esportiva, a melatonina também protegesse os músculos, seria perfeito, pois o atleta poderia melhorar sua performance sem expressar grande prejuízo ao sistema motor”, afirma Gobatto.

O laboratório que ele coordena juntamente com a professora Fúlvia de Barros Manchado Gobatto, o Lafae, investiga aspectos relacionados a avaliações fisiológicas e ao treinamento físico e desportivo aplicados a modelos experimentais e humanos, ou seja, as pesquisas desenvolvidas sempre buscam resolver ou ampliar o entendimento de questões relativas à alta performance esportiva em humanos.

Segundo o pesquisador, o trabalho desenvolvido por Beck traz a possibilidade de novas investigações para verificar até que ponto seria possível para um atleta fazer uso da melatonina, caso seja verificado que a substância pode ser um recurso ergogênico seguro. “O índice de toxicidade da melatonina é baixíssimo, não há dose letal. Se encontrarmos um ponto no qual ela possa ser utilizada com segurança, podemos obter tanto alta performance quanto benefícios para a saúde como, por exemplo, aqueles relativos às questões terapêuticas do treinamento físico”, afirma. Ele revela que, apesar de estar muito ligado ao esporte de alto rendimento, seu laboratório vem desenvolvendo relações muito próximas com questões da saúde. “Nosso objetivo é trazer conhecimentos dos aspectos fisiológicos para o esporte, entretanto, pode haver aplicação à saúde”.

A tese investigou um modelo ligado à alta performance, ou seja, máxima capacidade de realização de exercício. Isso é característico de atletas, é um modelo bastante intenso. É possível que em situações de exercício submáximo, como aqueles praticados por não atletas, a melatonina otimize as condições para realização do exercício e também apresente efeitos protetores importantes. 

No entanto, Beck esclarece que algumas confederações esportivas incluem a melatonina na categoria de “substância ilícita” e proíbem o seu uso, que na verdade ainda não está regulamentado no Brasil. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informa, em nota com data de junho/2016 em seu portal na internet, que “não há medicamento registrado com o princípio ativo melatonina no Brasil. Isso porque não há solicitação de registro desta substância como medicamento. Dessa forma, a melatonina nunca foi avaliada pela Anvisa em relação aos critérios de segurança e eficácia, o que impede a sua comercialização no país”.

A agência informa ainda que a legislação garante que pacientes que recebam a indicação de uso deste produto por um profissional médico possam importar para uso, seja via bagagem de mão ou mesmo pela internet e afirma que as autoridades sanitárias podem solicitar a receita médica na entrada do produto no país. “Enfim, o consumo é permitido, mas a comercialização no Brasil, não. Com isso, sites nacionais não podem vender o produto, por exemplo. Importante destacar que o comércio da melatonina pela internet ou em estabelecimentos é proibido porque o produto não tem registro. E não porque a substância seja proibida”, diz a nota.
 


 

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Cientistas desenvolvem equipamento inovador

A melatonina é uma substância cronotrópica, ou seja, atua sobre o ritmo circadiano. Isso significa que sua administração pode modificar o padrão da atividade diária do animal. Por isso, era importante determinar esse padrão com precisão, além de identificar os momentos em que os animais apresentavam maior (acrofase) e menor (nadir) atividade espontânea nas gaiolas. Para isso, foi desenvolvido um equipamento de alta sensibilidade que permite fazer os registros de força aplicada na base da gaiola, de forma a avaliar a atividade espontânea dos animais sem que eles sejam manipulados, os seja, sem que percebam que estão sendo avaliados. “Para se ter uma ideia da sensibilidade deste aparato, ele é capaz de medir o movimento da respiração de um animal anestesiado em até 1000 Hertz”, afirma Gobatto.

Durante a pesquisa foi utilizada uma frequência de sinais de 30 Hertz, ou seja, o equipamento registrou 30 sinais de força a cada segundo, mas o pesquisador explica que os animais se movimentam muito menos do que isso. “O animal, na gaiola, se movimenta duas ou três vezes por segundo, então quatro ou seis Hertz já seria mais que o suficiente. Mesmo assim utilizamos trinta, para não perder nenhum movimento que o animal fizesse. Foi um sistema desenvolvido por toda a equipe do laboratório”.

O aparelho foi levado para o exterior (Universidade de Wisconsin, Madison – EUA), e utilizado nas pesquisas durante a realização de pós-doutorado dos coordenadores do Lafae (entre 2015 e 2016). A aplicação do equipamento despertou bastante interesse dos pesquisadores estrangeiros, especialmente pelo tempo capaz de manter os animais sob avaliação. “Estamos atualmente discutindo os resultados obtidos e novos projetos com a UW já estão em andamento, os quais incluem esse sistema de determinação da atividade espontânea dos animais”, explica o pesquisador.

Publicação

Tese: “Resposta ergogênica da melatonina no nadir e acrofase da atividade espontânea e suas consequências na atividade da via ikk/ nf-κb e dano tecidual muscular”
Autor: Wladimir Rafael Beck
Orientador: Claudio Alexandre Gobatto
Unidade: Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA)

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