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A importância de respeitar e compreender as diferentes leituras que cada estudante pode fazer dos textos indicados pelo professor é um dos principais temas do livro “A Leitura Menocchiana – Micro Histórias da Relação Entre Leitura e Escrita”, de autoria do pesquisador e professor da Unicamp Rodrigo Bastos Cunha, que atualmente atua no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (LabJor) da Universidade. O livro é baseado na tese de doutorado de Cunha, “Indícios de leitura, visões de mundo e construções de sentido”, defendida no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL).

A tese, por sua vez, foi fruto da atuação do pesquisador como professor de redação de um cursinho pré-vestibular e, como escreve Cunha em seu trabalho, constituiu uma investigação da “relação que estudantes egressos do ensino médio público estabelecem entre leitura e escrita, a partir da análise da produção de textos de alguns de meus ex-alunos de redação do curso pré-vestibular público”. Cunha deu aulas de redação no cursinho gratuito da Fundação de Pesquisas, Estudos Sociais e de Políticas Públicas (Fupespp), que era ligada à Prefeitura Municipal de Paulínia (SP) e foi extinta em 2006.

O trabalho se baseou em exercícios de redação inspirados em coletâneas de textos propostos aos estudantes, a partir dos temas adotados em vestibulares da Unicamp, Fuvest e de uma prova do Enem.  A análise procurou, nos textos criados pelos alunos, indícios das leituras prévias, pelos alunos, das coletâneas indicadas nas propostas de vestibular e, também, de textos jornalísticos adicionais. “Além de procurar, na medida do possível, indícios de outras possíveis leituras que possam transparecer nos textos produzidos ”, diz a tese.

Ginzburg
O referencial teórico usado na tese foi a análise indiciária, inspirada no trabalho do historiador italiano Carlo Ginzburg. O próprio título do livro de Cunha remete à obra “O Queijo e os Vermes”, em que o italiano explora como a interpretação pessoal dada pelo moleiro italiano do século 16 Domenico Scandella, conhecido como Menocchio, a suas leituras o levou a elaborar uma visão herética de mundo que o levou a ser condenado pela Inquisição.

No paradigma indiciário, pequenas pistas espalhadas nas produções de texto podem ser vistas como apontando para realidades maiores, como a visão de mundo de um grupo humano ou, no caso do trabalho de Cunha, a visão de mundo de estudantes vindos do sistema público de ensino.

Uma etapa inicial da pesquisa envolveu realizar um levantamento entre os alunos sobre seus hábitos de leitura, incluindo revistas, páginas da internet ou as apostilas do cursinho. “O objetivo dessa enquete não era apenas levantar dados estatísticos”, diz a tese, mas também “quebrar no imaginário dos próprios alunos o mito de que eles não leem ou de que ler é uma prática relacionada apenas aos clássicos da literatura”. O professor também pediu aos estudantes que “escrevessem sobre a sua história de contato com a escrita, suas lembranças de leituras, suas memórias de produções de texto”.

O objetivo do livro, disse Cunha, é levar a discussão das diversas possibilidades de interpretação de um texto – incluindo as diferentes ênfases que cada leitor individual pode impor à leitura, a partir da vivência pessoal e de suas leituras anteriores – aos professores de língua portuguesa.

Fogueira
“O Menocchio, pelas leituras que ele fez, e pelas coisas que expressava a partir das leituras que fez, foi queimado”, disse Cunha. “Uso isso como metáfora para dizer que nós, professores de Língua Portuguesa, não podemos queimar os alunos na fogueira da incerteza, diante de certas ações”.

Ele dá um exemplo: “O vestibular da Unicamp tem seus critérios de correção. Se faço uma proposta pra uma aluna, ela me devolve a redação em versos e eu simplesmente dou zero, anulo, sem nenhuma consideração a mais – apenas olho para a incompatibilidade entre o uso de versos e os critérios de correção – darei insegurança para essa pessoa”.

“Poderia dizer que achei belíssimo o que ela fez, só que o trabalho seria anulado por tipo de texto. Poderia incentivá-la: faça isso, escreva versos, mas não na hora da prova do vestibular, porque não é isso que eles querem. Então, é isso: a gente não pode queimar o aluno numa fogueira simplesmente porque ele não está seguindo o que foi pedido para ele”.

“Essa ideia, de que as leituras são plurais, pode parecer óbvia, mas o ensino da Língua Portuguesa ainda vive muito preso à ideia do certo e do errado”, disse o autor. “No livro, dou exemplos de práticas de sala de aula que já deveriam ser consideradas ultrapassadas, mas que ainda persistem”.

Cunha cita um caso concreto que aparece na tese e, também, em seu livro: “Um professor de Literatura dava uma aula sobre o romance ‘Cinco Minutos’ de José de Alencar. Só que, antes de falar propriamente do livro, ele fala de várias outras coisas, faz uma relação com Charles Baudelaire, e fala das coisas efêmeras da vida, do tempo em que uma coisa pode acontecer ou deixar de acontecer. Aí, uma aluna levantou a mão e falou, ‘professor, isso que você está falando tem a ver com uma música do Bruno e Marrone!’ ”

Na opinião de Cunha, o professor poderia ter aproveitado a intervenção da menina para tentar estabelecer uma relação entre o universo particular da estudante e o assunto da aula.

“Podia dizer, vamos ver aqui no livro o que tem a ver, ou pedir para a estudante falar mais da música, podia ter usado isso como gancho”, apontou. “Mas, na hora, ele simplesmente abstraiu o que a menina disse e depois, na sala dos professores, contou a história, indignado com o comentário. Esse tipo de postura autoritária – eu tenho o conhecimento e vou passar para você, esquece o seu conhecimento, deixa lá fora da sala de aula porque ele não vale nada –, essa forma de ensinar autoritária ainda persiste bastante”.

“Por mais que o professor queira que a aluna conheça alguma coisa que é de fora do universo pessoal dela, não custa nada ele olhar para o universo dela”, disse.

Cunha aponta que o ensino brasileiro em geral – “e por melhor que sejam os professores, por melhor que seja a formação dos professores” – vive sob uma pressão muito forte por desempenho. “Numa pressão desse tipo, onde você tem uma avaliação por notas, o que é ensinado é como ter um bom desempenho na avaliação, não como você vai usar na sua vida. A escola molda todo o seu ensino pensando no aluno ter um bom desempenho no vestibular. É isso”.

 Diversidade
A ideia de que existem várias leituras corretas de um texto, lembra Cunha, não implica que não existem leituras erradas. Mas adverte: “Você tem que ter tato para apontar o erro sem ser indelicado, sem acabar com a autoestima da pessoa. Apontar o erro e apontar também que o certo não é único, que o acerto é plural, que há várias leituras possíveis. Quando a leitura for totalmente distorcida, dá para mostrar que é distorcida. Só que com cautela, com tato, com cuidado e com respeito”.

“A primeira coisa que deveria ser pensada é o respeito à diversidade”, aponta. “E se pensarmos no nosso contexto político atual: a guerra total entre opostos. Uma pessoa se expressar e a outra criticar, faz parte. As pessoas não precisam se odiar por causa disso. Não é preciso apegar-se àquilo ferrenhamente, decretar que o outro não pode existir. Não tem que ser assim. As coisas são plurais, nós somos plurais, somos diversos, mesmo. Isso é a primeira coisa, o respeito à diversidade. À pluralidade”.

Publicação

Tese: “Indícios de leitura, visões de mundo e construções de sentido”
Autor: Rodrigo Bastos Cunha
Orientadora: Raquel Salek Fiad
Unidade: Instituto de Estudos da Linguagem (IEL)

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Serviço

Título: A Leitura Menocchiana – Micro Histórias da Relação Entre Leitura e Escrita
Autor: Rodrigo Bastos Cunha
Páginas: 308
Editora: Pedro & João Editores
Preço: R$ 25,00

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