Conteúdo principal Menu principal Rodapé

Dissertação que deu origem à obra foi elaborada a partir de documentação oficial da Embaixada dos EUA no Brasil

##

As relações entre Brasil e Estados Unidos durante o governo do presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961) foram marcadas por tensões, geradas principalmente pelas medidas adotadas pela Casa Branca em defesa de seus interesses, muitos deles contrários às aspirações brasileiras. Um exemplo nesse sentido foi a intervenção do governo de Dwight Eisenhower no Fundo Monetário Internacional (FMI), de modo a impedir empréstimos que pudessem viabilizar o plano de industrialização elaborado por JK. Esta e outras revelações sobre o período estão no livro “JK, Estados Unidos e FMI”, recém-lançado pelo economista Victor Augusto Ferraz Young. A obra é baseada na dissertação de mestrado do autor, defendida em 2013 no Instituto de Economia (IE) da Unicamp, sob a orientação do professor Pedro Paulo Zahluth Bastos.

A pesquisa que deu origem ao livro está baseada em documentos diplomáticos norte-americanos que foram desclassificados (abertos à consulta pública) pelo governo daquele país. Parte deles está armazenada no Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) da Unicamp. A outra parte foi adquirida pela Biblioteca Octavio Ianni, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), a pedido de Young. “Ao todo, analisei cerca de 20 mil páginas de documentos emitidos ou recebidos pela Embaixada dos Estados Unidos no Brasil. Na relação, há desde relatórios sobre a realidade política, econômica, social e cultural brasileira até informações sobre os recursos minerais do país”, elenca o economista.

A massa documental, conforme o autor do livro, é relevadora das intenções dos EUA em relação ao Brasil, bem como da forma como os norte-americanos agiam para fazer prevalecer seus interesses. “Um aspecto que fica muito claro nesses documentos é o interesse norte-americano pelos recursos minerais brasileiros, entre eles o petróleo. Em vários relatórios, há visíveis manifestações de contrariedade em relação ao monopólio exercido pela Petrobrás na exploração do petróleo. Tanto o governo quanto as empresas norte-americanas tinham pretensões de explorar esse setor no Brasil”, relata.

A Casa Branca também tinha especial interesse em minerais portadores de “terras raras”, um conjunto de 17 diferentes elementos químicos utilizados tanto pela indústria eletrônica quanto pela de armamentos. “É bom lembrar que estamos tratando de um período posterior à Segunda Guerra Mundial, em plena Guerra Fria, quando os ânimos ainda estavam bastante exaltados. Havia uma preocupação americana em relação a um corte no fornecimento desse tipo de matéria-prima pelo Brasil. Os EUA temiam que num eventual conflito mundial, o Brasil limitasse as vendas para barganhar empréstimos e investimentos como havia feito Getúlio Vargas nos anos 1940 e 1950”, observa Young.

O livro aponta que o Plano de Metas de JK, que tinha no processo de industrialização um de seus fundamentos, também era um tema que despertava a atenção dos EUA. Uma das estratégias que foram colocadas em curso pelo governo brasileiro consistia em atrair o capital externo produtivo para o país. “Na ocasião, algumas empresas europeias e japonesas se instalaram no Brasil. Os documentos revelam que os norte-americanos monitoravam toda essa movimentação. Os relatórios relacionavam quem eram essas empresas, quais os investimentos feitos, quantos empregos geravam etc”, detalha o autor.

##

Naquele instante, considera Young, não havia propriamente uma política de intervenção contínua dos EUA em relação ao Brasil como ocorrera no último governo Vargas (1951-1954) ou em 1964 com a Operação Brother Sam. “Não havia a necessidade de intervenção porque os norte-americanos tinham grande parte dos seus interesses atendida. A não ser a contrariedade em relação à exploração do petróleo, o restante era tranquilo. Uma ação dos Estados Unidos relacionada diretamente ao petróleo surgiu, por exemplo, quando o Brasil enfrentou uma crise cambial e necessitou de divisas para fechar o balanço de pagamentos. O governo brasileiro recorreu à Casa Branca, mas obteve como resposta que o problema da crise cambial tinha origem no mercado de petróleo, que era fechado. Se fosse aberto, segundo os americanos, o país não sofreria com o problema de falta de divisas”, conta o economista.

Sem o socorro norte-americano, o governo JK foi conduzido então a pedir ajuda ao FMI. Naquele momento, os EUA promoveram, de forma oculta, uma intervenção na instituição com o objetivo de impedir que o pleito brasileiro fosse prontamente atendido. “Nos documentos que analisei, fica evidente o divórcio entre o discurso e a prática dos Estados Unidos em relação a esse assunto. Publicamente, o país afirmava que o FMI tomava decisões com base em critérios essencialmente técnicos. Nos relatórios internos, porém, o país dizia explicitamente ao Fundo para tomar medidas que iam contra o projeto brasileiro de desenvolvimento”.

Em um dos documentos diplomáticos reproduzidos no livro, o texto “encoraja” o FMI a solicitar “reformas financeiras e econômicas desejáveis”, como condição para a concessão de um possível empréstimo ao Brasil. “Ou seja, os norte-americanos utilizaram o FMI para impor condições ao governo JK que fossem condizentes com os objetivos deles. Agindo assim, nos bastidores, os Estados Unidos não recebiam críticas e nem tinham que barganhar nada diretamente com o Brasil. Aliás, num dos documentos a diplomacia norte-americana deixa claro que os Estados Unidos não apoiam o projeto de desenvolvimento brasileiro, mas também não podem assumir publicamente essa posição”, pormenoriza o economista.

Apenas depois que JK rompeu as negociações, os EUA flexibilizaram as relações do FMI com o Brasil, quando o Fundo passou a conceder alguns empréstimos ao país. Os americanos temiam que um comportamento mais autônomo brasileiro fosse copiado por outros países latino-americanos. Além disso, receavam qualquer aproximação com o bloco socialista que havia acenado com um empréstimo ao Brasil, caso o país reatasse as relações diplomáticas com a então União Soviética. Na ocasião, JK argumentou com os norte-americanos que precisava se aproximar da União Soviética para vender café ao país comunista e assim gerar mais divisas. “O que o governo norte-americano respondeu foi que o Brasil poderia vender café para a União Soviética, desde que esta relação não fosse muito aprofundada, sob pena da adoção de sanções econômicas e, em último caso, militares”, relata Young.

Segundo o economista, trabalhos na área da História Econômica são importantes porque ajudam a entender a origem e o transcurso de processos relacionados a situações vividas na atualidade. “A documentação que sustentou a dissertação e o livro traz dados importantes para entendermos questões que ainda estão na agenda brasileira, como a política de exploração do petróleo e a questão da industrialização/desindustrialização do país”, considera. O livro, acrescenta Young, é acessível a todas as pessoas que se interessam pelo tema. “Acredito que o texto não é mais complicado do que as notícias econômicas publicadas pelos jornais”, diz.

##

Serviço

Título: JK, Estados Unidos e FMI
Autor: Victor Augusto Ferraz Young
Editora: Alameda
Páginas: 194
Preço: R$ 44,00

Ir para o topo