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Inteligência Artificial no Ensino Superior

"... a inserção da IA nos currículos de cursos que não são das áreas de exatas ou tecnológicas ainda é tímida no Brasil"

O recente surgimento do DeepSeek é mais um evento na sequência de acontecimentos que evidenciam o vertiginoso desenvolvimento tecnológico da inteligência artificial (IA). O DeepSeek é um modelo de linguagem grande (LLM) que apresenta um desempenho comparável ao ChatGPT, LLM pioneiro em termos de popularização deste tipo de solução, porém muito mais econômico em termos computacionais. Para além dos LLMs, há outras frentes da IA que vêm se desenvolvendo rapidamente, de modo que é seguro afirmar que o uso da IA nas diferentes facetas da sociedade e nos diferentes segmentos profissionais será cada vez mais intenso. Isso exigirá a formação e a capacitação de pessoas nos mais diferentes níveis.

No ensino superior, há uma tendência mundial relacionada à criação de programas de graduação ligados à IA ou a áreas correlatas, como a ciência de dados. No Brasil, tal tendência já é observada, e há, inclusive, exemplos de cursos que apresentam uma altíssima atratividade de candidatos, superando formações tradicionalmente muito concorridas. Tais iniciativas são muito bem-vindas para a formação de mão-de-obra qualificada para o desenvolvimento nacional de tecnologias de IA e estão alinhadas ao recém-lançado Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA). Além disso, a criação de novas formações em IA é uma excelente oportunidade para as universidades estabelecerem currículos mais dinâmicos e ousados, o que se faz necessário dado o inerente caráter interdisciplinar da IA.

De outro lado, a inserção da IA nos currículos de cursos que não são das áreas de exatas ou tecnológicas ainda é tímida no Brasil. É fundamental que sejam feitas discussões sobre como introduzir IA nas mais diversas áreas de formação, da medicina às ciências humanas. Já é evidente que as ferramentas de IA mudarão cada vez mais a rotina profissional em muitas áreas do conhecimento, logo, os currículos e os perfis de egressos do ensino superior devem ser pensados à luz da era atual e da digitalização da sociedade.

Contudo, é importante destacar que inserir IA nos currículos não é simplesmente apresentar as técnicas e as soluções existentes. A IA possui limitações que ainda precisam ser melhor entendidas, além de requerer um uso ético e responsável. Como toda tecnologia, a IA pode apresentar impactos negativos para a sociedade. Para citar dois exemplos apenas, temos visto cada vez mais o uso da IA para manipulação da informação para fins escusos, como a geração de notícias falsas, bem como a introdução pela IA de vieses em processos decisórios envolvendo diferentes segmentos populacionais, caracterizados, por exemplo, pela raça ou pelo gênero. Assim, é necessário que a inserção da IA no ensino superior contemple tais limitações e consequências, de modo que todo o potencial da IA seja explorado por egressos bem formados tecnicamente, porém conscientes de todos os impactos do uso massivo dessa tecnologia.

Finalmente, as universidades públicas constituem o principal vetor de produção científica e intelectual no Brasil, e muitos de seus egressos se tornam parcela importante da comunidade científica nacional. Dado que a IA tem um grande potencial de impactar as práticas científicas, incluindo o próprio processo de construção do conhecimento, é importante que ingressantes em programas de pós-graduação já tenham um conhecimento sobre IA, de modo que seja possível usar o potencial de tais ferramentas em uma dada área específica do conhecimento.

A China anunciou recentemente a introdução da IA nos currículos do ensino fundamental e médio. A começar pelo ensino superior, o Brasil não pode ficar para trás nesse tema, que é certamente um dos mais importantes do século atual. Porém, não nos esqueçamos de que o ensino da IA deve ser pleno, abordando questões técnicas e suas soluções de grande impacto, sem negligenciar suas limitações e as muitas implicações do uso da IA na sociedade e na vida das pessoas.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.


Leonardo Tomazeli Duarte é professor associado na Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, pesquisador no Brazilian Institute of Data Science (BI0S) e membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

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