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Detecção facilita a tipificação de nódulos; exame pode beneficiar pacientes com diagnóstico incerto

Placa usada em pesquisas no Laboratório de Genética Molecular do Câncer
Placa usada em pesquisas no Laboratório de Genética Molecular do Câncer

Uma pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp detectou um perfil de microRNAs circulantes capazes de atuar como biomarcadores de diagnóstico e prognóstico para o câncer de tireoide. Essas moléculas regulam a expressão gênica de células e organismos – processo no qual o corpo lê as informa- ções presentes em um gene e as utiliza para controlar a quantidade de proteínas produzidas – e estão relaciona- das tanto com a formação de tumores como com a sua agressividade, uma vez que controlam genes supressores ou estimuladores da multiplicação celular e podem afe- tar a metástase, processo no qual um tumor se dissemi- na para outras partes do corpo do doente.

Conduzida pela biomédica Karina Colombera Peres em seu doutorado no Laboratório de Genética Molecular do Câncer (Gemoca), a identificação desse conjunto de microRNAs visa facilitar a tipificação de nódulos tireoi- dianos. Atualmente, o padrão-ouro para a caracteriza- ção dessas massas envolve uma punção no pescoço do paciente com o objetivo de retirar e, posteriormente, identificar as células tumorais – procedimento chama- do Paaf (punção aspirativa por agulha fina). Esse pro- cedimento, além de invasivo e desconfortável, tem um custo de execução relativamente alto. Já os microRNAs, moléculas circulantes liberadas no sistema circulatório como resposta das células a alterações ocorridas em seu entorno, podem ser encontrados em amostras biológicas como o sangue e a saliva e identificados com o emprego de biópsias líquidas simples.

As análises detectaram um conjunto de microRNAs significativamente desregulados para cada um dos subtipos de lesão na tireoide. Os testes foram feitos em amostras de soro sanguíneo de pacientes que receberam diagnóstico inconclusivo na punção e que iriam realizar uma cirurgia como medida diagnóstica. Por esse motivo, Peres explica que a proposta inicial é utilizar o novo tipo de exame no grupo de pacientes com diagnóstico incerto. “A princípio não queremos substituir a punção, mas entrar junto nesse processo com um exame de sangue menos invasivo e que pode identificar o que a Paaf não identificou. Esses pacientes acabam sendo operados. Às vezes, fazem uma tireoidectomia [retirada da tireoide] total e, ao avaliar o nódulo retirado, descobre-se que o nódulo era benigno ou de baixo risco e que, portanto, a cirurgia não teria sido necessária”, relata a pesquisadora.

A biomédica Karina Colombera Peres, autora da pesquisa: análises detectaram um conjunto de microRNAs desregulados
A biomédica Karina Colombera Peres, autora da pesquisa: análises detectaram um conjunto de microRNAs desregulados

A realização de procedimentos desnecessários e que podem impactar o paciente para o resto da vida é a úl- tima etapa de um grave problema de saúde pública rela- cionado a nódulos tireoidianos. Cerca de 25% da popu- lação mundial possui algum tipo de nódulo na tireoide, mas apenas 5% desses nódulos revelam-se malignos ou potencialmente malignos. Com o aumento do acesso a ferramentas de imagem como as ultrassonografias, cada vez mais pessoas estão descobrindo a existência dessas massas em suas glândulas. E já que 20% dos exames de Paaf resultam inconclusivos, há uma quantidade cada vez maior de pessoas realizando procedimentos cirúrgi- cos desnecessários, o que gera transtornos e custos para os pacientes e para o sistema de saúde.

“Aproximadamente 75% dos casos indeterminados, depois de operados, revelam-se benignos”, comenta a médica Laura Sterian Ward, que orientou o estudo de Peres e que coordena o Gemoca. “Se você transpõe isso para a prevalência mundial de nódulos, dá para imagi- nar o impacto econômico gerado no sistema de saúde. E isso tende a crescer porque, quanto mais ultrassom a gente faz e mais acessível esse exame se torna, mais nódulos a gente encontra, mais dúvidas a gente tem em relação à malignidade deles, mais pessoas são puncio- nadas, mais resultados inconclusivos acontecem e mais pacientes irão para a cirurgia. Trata-se de uma bola de neve”, ressalta.

Próximos passos

Quando Peres iniciou o doutorado, o estudo dos microRNAs circulantes no câncer de tireoide ainda se encontrava em seus estágios iniciais, com poucas in- vestigações realizadas ao redor do mundo. De lá para cá, houve um crescimento enorme no número de publi- cações sobre diversos tipos de neoplasias. Isso ocorreu em consequência do fato de essas partículas poderem ser avaliadas com um simples exame de sangue, além de serem bastante estáveis, ou seja, mais difíceis de se degradarem por conta de fatores ambientais como a temperatura. Ainda assim, o estudo mostra-se pioneiro na identificação de um conjunto de microRNAs capazes de dizer se o linfonodo passará por um processo de me- tástase ou se possui maior probabilidade de permanecer localizado em apenas um tecido.

A determinação dessa probabilidade, relata Ward, au- xiliará no aperfeiçoamento do manejo da doença porque a maior parte dos carcinomas de tireoide são de baixo risco e, como consequência, têm grande probabilidade de ou não evoluírem ou mesmo de diminuírem de tamanho sozinhos. “Na minha época, todo paciente com câncer de tireoide ia direto para cirurgia, fazia radioiodo, fica- va com hormônio suprimido e tinha que fazer reposição hormonal para o resto da vida. Hoje, a primeira opção para os casos que oferecem menos risco é a vigilância ati- va, o acompanhamento. E essa é a parte mais bonita do que a Karina fez porque ela demonstrou que existe um biomarcador capaz de caracterizar a agressividade desses tumores. Agora, nós precisamos mostrar isso em popu- lações maiores – o próximo passo da pesquisa”, comenta.

A professora Laura Sterian Ward, orientadora da tese: determinação de probabilidade auxiliará no aperfeiçoamento do manejo da doença
A professora Laura Sterian Ward, orientadora da tese: determinação de probabilidade auxiliará no aperfeiçoamento do manejo da doença

A docente ressalta que o doutorado de Peres desta- ca-se também pelo fato de a própria pesquisadora ter realizado todas as etapas do estudo. Isso incluiu a coleta das amostras de soro sanguíneo, a extração das molécu- las de microRNA, a construção de uma biblioteca com a coleção dessas sequências e a validação dos resultados em novos pacientes. Como todos esses procedimentos exigem um nível de conhecimento técnico relativamen- te alto, incluindo o uso de uma tecnologia chamada se- quenciamento de nova geração – que realiza o sequen- ciamento genético de forma mais rápida e barata do que as tecnologias anteriores –, muitos grupos de pesquisa preferem terceirizar algumas etapas da análise para ou- tros laboratórios que oferecem esse tipo de serviço.

“Algo que a doutora Laura faz desde que os alunos entram no laboratório é nos treinar para termos auto- nomia. Então, eu realmente tomei a frente e coloquei a mão na massa. Isso me trouxe muito conhecimento, incluindo sobre a técnica de sequenciamento, muito tra- balhosa”, comenta a biomédica, que conseguiu desenvol- ver o estudo no Departamento de Tireoide da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, com o apoio da pesquisadora do Gemoca Natássia Búfalo. “Levamos essa tecnologia para o laboratório e outros projetos ago- ra pretendem utilizá-la. A nossa ideia é trazer novos alu- nos para darem continuidade ao estudo e transformá-lo em uma linha de pesquisa dentro do Gemoca”, finaliza Peres

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