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‘Filtro urbano’ explica queda de diversidade de aves em Campinas

Pesquisa do IB aponta a importância de investir em áreas verdes como refúgios para as espécies

A foto mostra um pássaro pousado em um galho. Ele tem penas em tons de cinza e marrom, patas avermelhadas e um bico escuro. Destacam-se algumas manchas mais escuras nas asas e uma leve coloração rosada no peito. O fundo é claro, sem outros elementos visíveis, o que realça a ave em primeiro plano.
A avoante, uma das espécies estudadas: metodologia envolveu registrar todas as aves vistas e ouvidas em um determinado ponto
A foto mostra um pássaro pousado em um galho. Ele tem penas em tons de cinza e marrom, patas avermelhadas e um bico escuro. Destacam-se algumas manchas mais escuras nas asas e uma leve coloração rosada no peito. O fundo é claro, sem outros elementos visíveis, o que realça a ave em primeiro plano.
A avoante, uma das espécies estudadas: metodologia envolveu registrar todas as aves vistas e ouvidas em um determinado ponto

Caminhando por um bairro, sentado em uma praça ou parado próximo a uma grande área verde, você consegue ouvir o canto dos pássaros? Você talvez não saiba, mas esses sons — em sua grande variedade — fazem parte de um sistema ecológico complexo, capaz de transmitir informações valiosas para o planejamento de cidades verdes com uma maior diversidade na fauna. A partir dessa constatação, a bióloga Pâmela Rodrigues Braga realizou sua dissertação de mestrado no Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, investigando como a urbanização afeta a diversidade de aves em Campinas.

“Nosso objetivo foi compreender a influência da paisagem urbana e de outros fatores relacionados à urbanização na comunidade de aves em áreas verdes”, explica Braga. A pesquisa, orientada pelo docente do IB Wesley Rodrigues Silva, especialista em ecologia de comunidades de aves, dividiu-se em duas partes complementares.

Na primeira, a bióloga comparou áreas intraurbanas (localizadas dentro do núcleo urbanizado da cidade) com as extraurbanas (fora desse núcleo), analisando como a intensidade da urbanização — medida por meio da distância dessa área até a borda urbana — e a cobertura de árvores influenciam a riqueza de espécies e a sua composição. Na segunda, Braga buscou entender o impacto de variáveis específicas da paisagem, como a cobertura impermeável, a densidade de fragmentos de vegetação lenhosa e o nível de ruído, na avifauna da região. O trabalho contou com a coorientação do professor Milton Ribeiro, do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

A foto mostra uma mulher, em ambiente externo, gesticulando com as mãos enquanto fala.

Ela tem cabelos longos, lisos e escuros, usa óculos redondos e tem um piercing discreto no nariz. Veste uma blusa preta de mangas longas.

Ao fundo, desfocado, aparece parte de um prédio com paredes alaranjadas e janelas brancas, além de vegetação verde. A expressão dela transmite simpatia e atenção.
A bióloga Pâmela Braga, autora da dissertação: o estudo de campo envolveu sensibilidade auditiva para detectar o canto das aves
A foto mostra uma mulher, em ambiente externo, gesticulando com as mãos enquanto fala.

Ela tem cabelos longos, lisos e escuros, usa óculos redondos e tem um piercing discreto no nariz. Veste uma blusa preta de mangas longas.

Ao fundo, desfocado, aparece parte de um prédio com paredes alaranjadas e janelas brancas, além de vegetação verde. A expressão dela transmite simpatia e atenção.
A bióloga Pâmela Braga, autora da dissertação: o estudo de campo envolveu sensibilidade auditiva para detectar o canto das aves

A escolha por Campinas como cenário de pesquisa não ocorreu por acaso. Com cerca de 1,2 milhão de habitantes, a cidade está inserida em uma das fitofisionomias mais ameaçadas da Mata Atlântica: a mata estacional semidecidual, típica do interior paulista. Braga enxerga o município como um laboratório natural de ecologia urbana. “Trata-se de uma cidade grande em extensão territorial e reconhecida pelos esforços de arborização. Isso cria um cenário complexo e muito interessante para o estudo da biodiversidade urbana.”

Os resultados confirmaram haver uma menor quantidade de espécies nas áreas verdes intraurbanas do que nas extraurbanas. Além disso, foi constatada uma tendência de maior similaridade na composição das aves do centro da cidade. Esse fenômeno levou a bióloga a sugerir a existência de um “filtro urbano semipermeável”: menos espécies conseguem atravessá-lo e perdurar no ambiente.

“Algumas espécies serão capazes de colonizar as áreas intraurbanas e permanecer lá. Outras, mais dependentes de habitats florestais ou de recursos específicos, simplesmente desaparecem”, afirma. Silva complementa: “Os principais filtros de espécies são alimento e abrigo. Se o ambiente não oferece esses recursos, muitas aves perdem espaço”.

A pesquisa mostrou ainda que o aumento da cobertura urbana e a queda da densidade de manchas de vegetação lenhosa tiveram influência negativa na riqueza de espécies. Isso significa que um alto número de áreas verdes pequenas e de árvores esparsas pode oferecer menos suporte para a avifauna quando comparado com grandes manchas de vegetação.

“Esse resultado sugere que parques maiores são mais benéficos para a biodiversidade do que muitas pracinhas espalhadas pela cidade”, explica Braga. O dado tem relevância direta para o planejamento urbano, segundo Silva. “Isso encoraja a criação de áreas verdes de maior extensão, que, além de abrigar mais espécies, favorecem a conectividade entre populações.”

Ouvir para contar

Durante três meses, Braga percorreu 30 pontos da cidade, realizando quatro visitas em cada local para o trabalho de campo. O método adotado foi o de ponto de escuta: durante 15 minutos, a bióloga registrava todas as espécies vistas ou ouvidas. “Se eu ouço uma ave de um lado e logo em seguida a mesma espécie canta do outro, sei que são pelo menos dois indivíduos”, explica.

A foto mostra um homem o em pé, em ambiente externo.

Ele tem barba e bigode brancos, usa óculos e veste um casaco de fleece cinza escuro com zíper.

Ao fundo, há uma parede laranja com janelas brancas, e dentro delas podem ser vistas imagens desfocadas de borboletas e plantas. O homem tem uma expressão séria, como se estivesse falando ou refletindo.
O orientador do estudo, Wesley Silva: cidade e natureza podem coexistir em harmonia
A foto mostra um homem o em pé, em ambiente externo.

Ele tem barba e bigode brancos, usa óculos e veste um casaco de fleece cinza escuro com zíper.

Ao fundo, há uma parede laranja com janelas brancas, e dentro delas podem ser vistas imagens desfocadas de borboletas e plantas. O homem tem uma expressão séria, como se estivesse falando ou refletindo.
O orientador do estudo, Wesley Silva: cidade e natureza podem coexistir em harmonia

Esse trabalho exigiu de Braga prática e sensibilidade auditiva. “Foi divertido e aprendi muito. Estar em campo me fez perceber melhor a multidimensionalidade dos sons”, conta a bióloga, que realizou parte do mestrado na Universidade de Helsinki (Finlândia). “Essa experiência contribuiu principalmente para o método de delimitação da borda do ambiente urbano, que foi usado para classificar as áreas verdes.”

Implicações e futuro

A pesquisa confirma que a urbanização leva à simplificação das comunidades de aves, favorecendo espécies generalistas e reduzindo a diversidade geral. Ainda assim, as áreas verdes urbanas funcionam como importantes refúgios.

Braga defende que, ao crescer, Campinas leve em conta esse fato. “A gente possui extensas áreas verdes na zona extraurbana e a forma como esse crescimento vai avançar é um fator primordial.” Como solução, a pesquisadora sugere criar novas áreas verdes em regiões estratégicas, especialmente “nas proximidades dessa região em que a área urbana se mistura com a extraurbana, aumentando a conexão entre as duas”.

Silva vai além: “A conectividade não é importante apenas para o espaço físico, mas para a diversidade genética. Sem isso, as populações ficam isoladas, perdem variabilidade e tornam-se mais vulneráveis a mudanças ambientais”.

O orientador destaca que a visão tradicional da ecologia urbana opõe cidade e natureza. “Existe a percepção de que esses são elementos opostos, tornando desafiadora a compreensão de que ambos podem coexistir harmoniosamente.” A pesquisa demonstra que essa integração não só é viável, como oferece benefícios mútuos.

Em sua mensagem central, o trabalho de Braga ressalta que a biodiversidade permeia o tecido urbano e merece reconhecimento e valorização. “Nossas cidades abrigam uma riqueza biológica surpreendente”, enfatiza Silva. “Não é necessário viajar até a Amazônia para encontrar a natureza. Ela se manifesta cotidianamente nas praças, nos parques e nos jardins de nossos bairros.” Segundo o professor, esse reconhecimento fortalece tanto a educação ambiental quanto a demanda por políticas públicas mais sustentáveis.

A foto mostra uma área de mata com bastante vegetação em primeiro plano, incluindo árvores de diferentes tamanhos e tons de verde.

Na parte superior da imagem, ao fundo, aparecem vários prédios residenciais claros (tons de bege/branco), que contrastam com a área verde à frente. O céu está nublado, com nuvens que sugerem tempo encoberto ou possibilidade de chuva.

A cena traz um contraste entre o espaço urbano (prédios) e o ambiente natural (mata).
Árvores no bairro Jardim Nova Europa, em Campinas: cidade paulista é um laboratório natural de ecologia urbana
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