
Bambu: uma aposta saudável para snacks
Estudo combinou a farinha dessa planta com a de mandioca para produzir lanches prontos nutritivos e sustentáveis

Bambu: uma aposta saudável para snacks
Estudo combinou a farinha dessa planta com a de mandioca para produzir lanches prontos nutritivos e sustentáveis
No Brasil, o bambu é comumente visto como uma planta ornamental ou uma matéria-prima para as áreas de construção e artesanato. Um trabalho da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp quer mudar essa percepção ao propor um novo destino para esse recurso: a produção de lanches prontos para consumo, usados entre as principais refeições do dia — os famosos snacks. Desenvolvido a partir da farinha de mandioca e da farinha do broto de bambu, o produto oferece uma alternativa nutricionalmente mais adequada do que a maioria dos similares presentes no mercado, segundo a autora da tese, a cientista de alimentos Amanda Rios Ferreira.
A ideia da pesquisa surgiu do mestrado de Ferreira, realizado no Programa de Pós-Graduação em Tecnologia de Alimentos da FEA, quando trabalhou com o uso de bambu em massas alimentícias. No doutorado, a pesquisadora aceitou o desafio proposto por sua orientadora, Maria Teresa Pedrosa Silva Clerici, docente e pesquisadora do Departamento de Ciência de Alimentos e Nutrição (Decan) da faculdade: utilizar um processo mais complexo — a extrusão termoplástica — com o objetivo de criar um snack pronto para consumo.
Nesse processo, os ingredientes são misturados, cozidos e moldados sob condições de alta temperatura e pressão dentro de um equipamento chamado extrusora. O produto, como no caso dos snacks desenvolvidos com as farinhas de broto de bambu e de mandioca, sai da máquina pronto para o consumo, com estrutura porosa, textura crocante e formato definido. “Conseguimos desenvolver um produto com um conteúdo maior de fibras utilizando ingredientes regionais e aproveitando um recurso disponível em diversas regiões do país, mas ainda muito pouco explorado”, afirma Ferreira.
A escolha pelos dois ingredientes principais não ocorreu por acaso. A orientadora da tese conta que o estudo se insere em uma das suas linhas de pesquisa, dedicada à valorização de ingredientes latino-americanos, com foco em alimentos saudáveis, sustentáveis e de rótulo limpo — com poucos ingredientes e livres de aditivos. “Por que não aproveitar um produto que está ao nosso alcance? O consumo de broto de bambu para fins alimentícios é praticamente ignorado na América Latina enquanto é amplamente valorizado nos países asiáticos. Já a farinha de mandioca, presente nas refeições principais, ainda é pouco explorada em preparações como cafés da manhã ou lanches”, diz Clerici.


A metodologia envolveu a produção da farinha de bambu a partir de duas espécies exóticas, o Dendrocalamus asper e o Phyllostachys nigra, selecionadas por serem comestíveis e por apresentarem diferentes composições nutricionais. Ferreira ressalta que nem todas as espécies de bambu podem ter como destinação a produção de alimentos. “O broto de bambu não pode ser consumido in natura. Deve passar por um tratamento térmico antes. Existem bambus que não são comestíveis, pois são muito amargos ou têm compostos antinutrientes e tóxicos fortes e difíceis de serem retirados.”
A escolha pelo broto, e não pelo colmo (parte mais rígida da planta), se deu por questões práticas, explicam a pesquisadora e a professora: o broto é mais fácil de processar e apresenta um menor teor de fibras e uma estrutura mais maleável. Segundo Ferreira, diversas formulações com diferentes concentrações de farinha de bambu e farinha de mandioca passaram por testes até a obtenção de resultados adequados para o público infantil e pessoas com dificuldade de mastigação. O produto pode ficar mais duro porque as fibras interferem na expansão da massa durante a extrusão — ao absorverem parte da água disponível, aumentando a densidade da mistura, essas fibras reduzem a formação de bolhas de vapor, tornando o produto menos poroso e mais firme.
Desafios da pesquisa
Entre os desafios enfrentados durante o doutorado, a cientista de alimentos menciona as questões técnicas envolvidas na extrusão termoplástica a fim de produzir alimentos prontos para consumo, com versatilidade para a adaptação de formulações. Além disso, o trabalho, realizado em parte no período da pandemia de covid-19, exigiu adequações metodológicas, uma vez que a pesquisadora se deparou com obstáculos logísticos, como o fechamento temporário de laboratórios da Universidade.
Outro fator delicado surgido na pesquisa é a perecibilidade do broto de bambu: a fermentação desse produto começa menos de 24 horas após a colheita, exigindo um processamento imediato. Diversos testes ocorreram com o intuito de ajustar a temperatura, o grau de umidade e as proporções dos ingredientes.
Do laboratório para a indústria
Apesar de seu potencial econômico, segundo Clerici, transpor o resultado da pesquisa para uma escala industrial ainda requer um caminho árduo. O potencial nutricional e a disponibilidade da matéria-prima representam fatores promissores, mas a produção da farinha de broto de bambu ainda depende de processos manuais e artesanais, o que limita seu uso em larga escala.
“É necessário investir em equipamentos e processos específicos para que esse tipo de produto ganhe escala comercial. Ainda hoje, grande parte do processamento do broto é feita manualmente”, destaca a docente, acrescentando que a academia não está preparada para a produção em escala industrial.
A tese de Ferreira impulsionou novos projetos no grupo de pesquisa que Clerici coordena. Um deles envolve o desenvolvimento de uma máquina automatizada para processar o broto de bambu, patenteada pela Unicamp e idealizada em parceria com o professor e pesquisador Daniel Albiero, da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri). Essa tecnologia incluiria etapas de corte, desinfecção, moagem e secagem.
Outro desdobramento da pesquisa, conta Clerici, é um estudo realizado em parceria com o professor Anderson Sant’Ana, também da FEA, sobre o efeito prebiótico da fibra do bambu — ou seja, sua capacidade de estimular o crescimento, no intestino, de micro-organismos benéficos. Os primeiros testes biológicos em animais apresentaram resultados promissores.
Para a professora, o futuro da farinha de bambu está na abertura de caminhos para inseri-lo nas cadeias produtivas regionais e para fortalecer as comunidades locais, especialmente aquelas de regiões onde o bambu cresce em abundância e é tratado como planta invasora. “Temos tudo para transformar esse ingrediente marginalizado em um símbolo de inovação, saúde e valorização da biodiversidade brasileira.”
