Marcio Rosa, docente que acaba de ser contemplado com o Wolfram Innovator Award, defende um novo modelo de formação
“A álgebra, sem a geometria, é cega; e a geometria, sem a álgebra, é muda.” A frase de autoria do matemático alemão Felix Klein é reproduzida por Marcio Rosa, professor do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc) da Unicamp, para resumir sua visão sobre o ensino de uma das disciplinas mais essenciais para a formação em exatas. Adepto do uso de softwares em sala de aula desde o início dos anos 2000, o docente recebeu neste mês o Wolfram Innovator Award, prêmio que reconhece trabalhos de profissionais dedicados a inovar no uso da inteligência artificial (IA) em diferentes campos do saber.
Para Rosa, a premiação reconhece uma visão sobre o ensino da matemática que enfrentou, e ainda enfrenta, resistências. Contrário ao sistema de cursos coordenados, por considerá-lo uma forma de engessar e limitar a liberdade de criação dos professores, o matemático defende uma mudança no modelo de formação a fim de contemplar novas tecnologias, enxergando nos programas computacionais um meio para explorar infinitas formas de aprendizagem. “Daí a importância de mais e mais professores terem independência para tentarem novas estratégias pedagógicas. Esse aprendizado é útil porque potencializa futuras aplicações do conhecimento adquirido na faculdade e fora dela. E é de nossa responsabilidade, dos docentes das principais universidades, adaptar o ensino, mudando tópicos e ênfases, indo ao encontro da realidade em que a aplicação se dará.”
O uso de programas computacionais em sala de aula foi natural para o professor, que acumula quase quatro décadas de docência na Unicamp, em uma trajetória marcada pelo aprimoramento de uma metodologia focada, em grande medida, no uso da geometria como ferramenta didática. Para o professor, os softwares tornaram-se um instrumento para dar mais concretude a formas e volumes resultantes de equações, inequações e outras operações matemáticas. Esse enfoque, segundo ele, aproxima a matemática ensinada da realidade material e de suas aplicações, pois as ferramentas permitem gerar imagens que facilitam a compreensão dos conceitos.
Na opinião do docente, trabalhando com softwares, é possível não apenas ajudar o estudante a entender melhor os cálculos, mas também o habilita a aplicá-los mais eficientemente. Dessa forma, o estudante entende melhor o conteúdo e pode fazer uso de sua intuição visual para perceber a conexão entre o que aprende na teoria e as suas diferentes aplicações.
Os alunos de Rosa empregam o programa como se fosse um caderno ou um robô. Para se comunicar e obter ajuda do professor, empregar a matemática é fundamental. Assim, o estudante deve ter um bom repertório de curvas e de superfícies ao qual recorrer, afirma. “Caso contrário, não conseguirá nem mesmo fazer a caricatura do professor”, brinca. “Quem tem visão de conjunto e intuição geométrica, quem faz as interpretações e monta os problemas é o ser humano, que deverá investir nas suas habilidades para poder agir de forma complementar à ferramenta.”
Interpretação geométrica
Rosa emprega o enfoque geométrico em três disciplinas principais: geometria analítica, álgebra linear e cálculo. A interpretação geométrica dos conceitos estudados, tais como transformações lineares, torna-se mais tangível com o uso de softwares, que possibilitam rodar, refletir e deformar objetos. Essa experiência permite ao egresso relacionar os enfoques geométrico e cinemático com mais precisão ao aplicar o que aprendeu nas aulas em seu trabalho ou mesmo na academia. “Muitas áreas, como design gráfico e de controle de drones ou de robôs, têm muito de álgebra linear”, lembra o professor.
“A visualização geométrica pode levar o ser humano para além do ponto a que a máquina consegue chegar. Nenhum programa tem nossa intuição geométrica. Como um médico que pede ao sistema do hospital exames e imagens, para depois interpretá-los, muitas vezes utilizando sua intuição. Mais tarde, ao pedir outros exames e imagens, vai poder chegar a suas conclusões finais. Assim o aluno de exatas pode agir, interagindo com o software para pedir cálculos e imagens que o levarão à solução de um problema”, compara. Se, no ensino, os softwares podem ser empregados para gerar experimentos virtuais, visuais ou não, que favorecem a compreensão de um determinado assunto, em sua vida posterior o egresso da faculdade encontrará uma realidade na qual o uso dessa tecnologia será condição praticamente obrigatória, pondera Rosa.
Ensino de tópicos
No contexto de um curso universitário, o software permite também apresentar problemas de forma mais realista, o que seria impossível sem o auxílio do computador. “Muitos dos temas estudados no início dos cursos se assemelham ao algoritmo da raiz quadrada, e o ensino desses procedimentos mecânicos, nos quais o ser humano imita a máquina, não são mais úteis como foram no passado. O tempo e a ênfase dedicados à prática de tais procedimentos devem ser reduzidos, e o seu tratamento deve ser racionalizado, pensando na formação de um supervisor e não de um implementador mecânico de processos. Assim, com o tempo que sobra e com o alívio por diminuir a atividade mecânica massacrante, podemos investir em ensino de tópicos que não eram enfatizados antes e que aumentam a habilidade em empregar o software”, afirma.
Uma tendência internacional, o enfoque geométrico é adotado em diferentes instituições, lembra Rosa. O professor Arthur Mattuck, falecido em 2021, começava seu curso no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), nos Estados Unidos, resolvendo equações diferenciais com métodos geométricos, antevendo o emprego de softwares, cita o docente do Imecc. “Isso não serve apenas para desenvolver a teoria mas também para lidar com modelos simples, aproximando o estudante do que ele encontrará ao aplicar tais conceitos em situações práticas. Devemos ensiná-lo a trabalhar com as máquinas. Dessa forma, sobrará mais espaço na mente, que, aliviada das atividades repetitivas e mecânicas, poderá se dedicar posteriormente a atividades mais sofisticadas e criativas, como a montagem de problemas e a interpretação de resultados.”
A interdisciplinaridade é outro traço marcante do método de trabalho de Rosa. Ligada em sua origem ao estudo do planeta, ensina Rosa, a geometria pode ser relacionada à geografia e relacionada ao Globo Terrestre e à trajetória dos homens no mundo. Como o software utilizado inclui um pacote geográfico e geodésico e conta com projeções da Terra, esclarece o matemático, esse programa pode ser útil para trabalhar com elementos geométricos e eventos reais nas explanações, facilitando a experiência visual em sala de aula. Desse modo, uma alteração na rota de um voo que fosse dos Estados Unidos para Israel, por exemplo, por conta do conflito bélico hoje em curso, serve de pretexto para contextualizar tópicos da matemática. “Os docentes deveriam colocar a mão na massa para que nosso país acompanhe o mundo desenvolvido nessa mudança de paradigma. Iniciativas antiquadas podem tornar nossa situação educacional ainda pior”, alerta.