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Pesquisadores identificaram uma resposta protetora contra o Oropouche, vírus que vem se disseminando no Brasil nos últimos anos. O trabalho foi publicado na revista eBioMedicine, do grupo Lancet, e decorre das pesquisas de mestrado e doutorado de Daniel Toledo Teixeira, realizadas junto ao Laboratório de Estudos de Vírus Emergentes (Leve) do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp. O estudo esclarece uma resposta do sistema imunológico que controla a infecção e está associada a uma molécula produzida pelos linfócitos B, células de defesa do organismo. Os dados fornecem subsídios que podem contribuir para o desenvolvimento de vacinas e tratamentos para a doença.

A febre do Oropouche costuma causar sintomas semelhantes aos da dengue e de outras doenças transmitidas por mosquitos e moscas, dentre eles febre, dores musculares e articulares, fotofobia, poliúria (alta frequência em urinar) e vermelhidão na pele. A doença pode também levar à meningite, à encefalite, ao aborto e até à morte. 

O vírus costuma circular na região amazônica, sendo transmitido por moscas Culicoides paraensis, conhecidas como maruim ou mosquito-pólvora. Nos últimos anos, entretanto, chegou a regiões onde nunca havia circulado. A entrada humana em áreas de florestas e o desmatamento destas podem estar ligados à disseminação e aos recentes surtos. Entre 2023 e 2025, foram registrados mais 25 mil casos no país. Novas variantes do Oropouche, descritas em 2024, mostram um poder cem vezes maior de replicação em células de humanos e primatas e alta capacidade de escapar da resposta de anticorpos formadas em infecções prévias, com variantes antigas do vírus.

Apesar disso, ainda não há tratamentos específicos ou vacinas, horizonte pretendido pelos pesquisadores envolvidos na pesquisa. “Nesse estudo, mostramos que existem subtipos de linfócitos B que agem rapidamente para o controle da infecção. Com essa via funcionando adequadamente, existe uma produção de anticorpos que consegue restringir a infecção e impede o vírus de chegar ao sistema nervoso central. Dessa forma, a gente consegue talvez abrir portas para novas investigações em humanos”, indica Teixeira, o primeiro autor do artigo.

“O estudo foi na direção de olhar para um braço da resposta imunológica que depende de linfócitos B, células classicamente descritas como aquelas que produzem anticorpos, as imunoglobulinas, essenciais para o controle de infecções”, sintetiza José Luiz Módena, professor de Virologia no IB da Unicamp e coordenador do Leve. 

Tratamentos específicos e vacinas para o Oropouche estão entre os objetivos das pesquisas no Leve
Tratamentos específicos e vacinas para o Oropouche estão entre os objetivos das pesquisas no Leve

A importância dessas células está bem relatada no controle de infecções secundárias, quando há uma reexposição ao mesmo vírus. Nessa situação, já foi gerada uma memória imunológica, e a produção de anticorpos por essas células ocorre rapidamente. “No caso desta pesquisa, queríamos entender a função dessas células já durante a primeira infecção pelo vírus”, afirma.  

O estudo contou com pesquisadores brasileiros e estrangeiros, reunindo, além da Unicamp, investigadores da Universidade de São Paulo (USP), do Centro Nacional de Pesquisa em Engenharia e Materiais (CNPEM), da Universidade Federal de Roraima (UFRR), da Fiocruz Amazônia, da Cardiff University (Reino Unido), da University of Kentucky (EUA) e da Washington University in St. Louis (EUA). A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o Pipae-Universidade de São Paulo e o Welcome Trust Digital Technology Development Award apoiaram a pesquisa.

Esquema gráfico da pesquisa indica o papel da molécula MyD88 na produção de anticorpos potentes e neutralizantes
Esquema gráfico da pesquisa indica o papel da molécula MyD88 na produção de anticorpos potentes e neutralizantes

O mecanismo de defesa

Segundo os pesquisadores, nas células B de zona marginal do baço, existem receptores envolvidos no reconhecimento de patógenos. Quando são reconhecidos, é ativada uma via de sinalização que passa por uma molécula, a MyD88. “Essa molécula, nesse modelo de Oropouche, é fundamental para a atividade funcional da célula B, para que esta possa se diferenciar adequadamente em uma célula secretora de anticorpos, e para que ela possa secretar esses anticorpos na quantidade e na qualidade suficientemente necessária para conter a disseminação viral”, resume Eduardo da Silveira, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, onde parte dos experimentos foram realizados.

Os anticorpos produzidos são os IGM e IgG, potentes e neutralizantes. Quando a molécula myD88 é retirada do animal, ele produz anticorpos, mas eles não são tão eficazes, prejudicando a resposta à doença. Caso os anticorpos sejam inoculados nesse animal, ele consegue combater a infecção, o que sinaliza uma possível forma de terapia contra o Oropouche. 

Apesar de o estudo ser realizado em animais, Módena indica que alterações genéticas e deficiências nessa via levam a uma predisposição por infecção por outros patógenos em humanos.  “Será que isso é um fator de proteção para Oropouche também?”, questiona. O grupo de pesquisadores pretende avançar nos estudos para responder essa e outras questões relacionadas ao vírus. 

A pesquisadora Pierina Parise, uma das autoras do estudo
A pesquisadora Pierina Parise, uma das autoras do estudo

Investigação do Oropouche

Apesar de não ser tão conhecido pela população, o Oropouche foi descoberto em 1955. Módena conta que trabalha em pesquisas com o vírus desde 2008. Atualmente, o Leve abriga diversos estudos sobre o Oropouche, incluindo a caracterização da infecção pelo vírus na gestação e as repercussões no feto e a forma como ele entra no cérebro, ambos em modelo animal.

Um estudo na região amazônica também vem sendo conduzido desde 2023. Coordenada por Módena, a “Rede Pampa para avaliação do impacto da degradação ambiental na dinâmica de circulação de vírus emergentes e reemergentes na região Amazônica” busca identificar doenças virais emergentes e mapear as doenças em humanos.

Um dos focos da rede é entender como as atividades de desmatamento ligadas à BR-319 e à mineração podem impactar a disseminação de vírus em humanos, em animais e nos vetores. O grupo tem como objetivo contribuir para a preparação dos centros de saúde contra esses patógenos, historicamente negligenciados. 

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