Pesquisa examina desigualdade de gênero na carreira acadêmica
Minoria entre docentes do ensino superior, mulheres recebem salários menores e menos promoções

No Brasil, as mulheres são maioria absoluta entre mestres e doutores, mas menos da metade dos professores universitários. Investigar o que as instituições de ensino superior têm feito para promover a equidade de gênero na docência consistiu no trabalho realizado por Daniela Atães, em uma pesquisa de doutorado desenvolvida no Instituto de Geociências (IG) da Unicamp. Seu estudo revelou que a maior discrepância ocorre nas instituições públicas com pesquisa intensiva – nas universidades públicas de grande porte e com pós-graduação alta, os homens representam 55% dos docentes. Os resultados apontam uma desvantagem para as mulheres também quanto às contratações em regime de dedicação exclusiva, uma modalidade de carreira que concentra as melhores oportunidades de emprego e os melhores salários.
Atães chegou ao tema de seu doutorado quando notou que, apesar dos avanços das discussões sobre a equidade de gênero, a desigualdade entre docentes do ensino superior raramente consta como tema das pesquisas acadêmicas. Seu trabalho foi orientado pela socióloga Ana Maria Carneiro – pesquisadora do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (Nepp) da Unicamp e professora do Programa de Pós-Graduação em Política Científica e Tecnológica (PPG-PCT) do IG. “Revelar que a maior inequidade está justamente nas instituições das quais deveríamos esperar uma desigualdade menor, já que o ingresso [na docência] ocorre via concurso, é um dos principais resultados da tese. Inclusive no que diz respeito aos cargos de gestão como nas questões relacionadas ao regime de trabalho”, disse a orientadora.
Para contemplar o problema sob diferentes prismas, Atães realizou três estudos, cada um norteado por uma questão específica, a partir de metodologias distintas – e com base em bancos de dados também diferentes. Sua análise compreendeu instituições públicas e privadas, de diferentes dimensões e com diferentes vocações – como universidades públicas focadas em pesquisa e pós-graduação e instituições privadas de grande porte com fins lucrativos. Essa análise incluiu, também, a variedade de regimes de contratação: dedicação exclusiva em tempo integral, tempo integral sem dedicação exclusiva, tempo parcial e horista.
Os resultados obtidos revelam que as instituições de ensino superior brasileiras não olham para a questão do gênero no seu corpo docente – com raras exceções. As mulheres, constatou Atães, não estão em desvantagem apenas quando se fala das políticas de contratação – uma vez admitidas, essas mulheres enfrentam obstáculos mais desafiadores do que seus colegas do sexo oposto para progredir na profissão. “As pessoas podem ter o mesmo tempo de carreira, mas recebem salários diferentes porque não têm a mesma oportunidade de ascender.” Segundo Carneiro, o aumento da presença feminina em todos os níveis das carreiras acadêmicas, assim como a adoção de diretivas para que essas profissionais ascendam na hierarquia, têm tido um impacto relevante na formação das mulheres estudantes. “Pesquisas internacionais revelam haver uma ligação entre ter um quadro mais equilibrado de professores, por gênero, e a segurança das alunas no aprendizado. Outros estudos apontam que as profissionais conseguem lembrar diretamente do contato que tiveram com suas professoras universitárias e associar isso com seu desenvolvimento profissional. Egressas de departamentos nos quais há mais equilíbrio de gênero reportam melhores condições profissionais, uma melhor remuneração e uma maior chance de ascensão profissional.”

Diferentes ângulos

A desigualdade na carreira acadêmica encontra-se presente no ensino superior brasileiro? Essa pergunta serviu de ponto de partida para o estudo que deu início à pesquisa. Para respondê-la, Atães analisou dados do Censo da Educação Superior, disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) – um órgão federal vinculado ao Ministério da Educação (MEC) –, e traçou um panorama geral, considerando gênero, raça, regime de trabalho e atuação em gestão. O diagnóstico, afirmou a pesquisadora, chama atenção para o fato de haver uma relação entre, de um lado, raça e gênero e, de outro, o cargo ocupado. Os homens brancos apareceram no topo, seguidos por mulheres brancas, homens pardos, mulheres pardas, homens pretos e, por fim, mulheres pretas.
A hoje doutora em política científica e tecnológica se inspirou também no chamado Velho Mundo – mais especificamente, em publicações de instituições da União Europeia (UE) e do Reino Unido voltadas a impulsionar a participação feminina na carreira docente de instituições de ensino superior. No seu segundo estudo, a pesquisadora procurou responder à pergunta sobre como as universidades brasileiras têm enfrentado a questão investigada. Além de contemplar os dados vindos da Europa, Atães examinou documentos de 45 universidades brasileiras, utilizando como fonte principal o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), um instrumento oficial no qual cada instituição registra suas estratégias, metas e planejamentos.
As publicações europeias e brasileiras consultadas serviram de base para a criação de uma ferramenta de análise por meio da qual Atães examinou, nessas 45 universidades, a questão da presença de mulheres nos quadros profissionais. Para tanto, a pesquisadora levou em conta categorias como liderança e capacidade de tomada de decisão, recrutamento e carreira, combate à discriminação e equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal. Os maiores avanços foram observados nas universidades públicas de grande porte com ênfase na pós-graduação – exatamente onde haviam sido encontradas as discrepâncias mais significativas, no primeiro estudo.
A análise mostrou que, em categorias relacionadas a fatores culturais, como liderança e tomada de decisão, o desenvolvimento das universidades resultou praticamente nulo. “Estruturar políticas de equidade de gênero de uma forma robusta demanda um trabalho de muitas frentes e muitos recursos. O que se percebe é que, no Brasil, as universidades estão se desenvolvendo principalmente em diversidade, direitos humanos e assuntos relacionados à experiência estudantil. Precisamos ir além na questão da docência, que ainda é muito embrionária”, disse Atães.
Para responder à pergunta sobre como as universidades brasileiras têm se estruturado no intuito de elaborar iniciativas e políticas de equidade de gênero no caso da profissão acadêmica, a pesquisadora realizou a última parte da pesquisa. Dessa vez, Atães optou por um estudo qualitativo do qual fizeram parte a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade de São Paulo (USP), além da Unicamp – todas selecionadas porque, na época do início do doutorado, apresentavam as melhores estatíscas quanto à inclusão de mulheres na carreira universitária. Atães entrevistou oito pessoas, entre funcionários com cargo de gestão e ativistas envolvidas com promover a igualdade para homens e mulheres. Mais do que simplesmente apurar as ações e estratégias das instituições, interessou à cientista entender como essas pessoas se organizavam e quais estruturas criaram para viabilizar seus planos. “Há uma relação de estratégias, e todas contavam com o apoio da reitoria. As iniciativas são voltadas para o desenvolvimento da cultura institucional. As instituições trabalham para fomentar uma cultura que seja favorável à equidade de gênero, criando um orçamento específico, destinado aos recursos humanos e físicos”, afirmou a autora da tese.
Nas quatro instituições, ressaltou, foram encontradas também práticas que contribuem para o estabelecimento de um ambiente capaz de favorecer o combate à desigualdade. “O desenvolvimento de um sistema de acolhimento de vítimas de discriminação e violência de gênero é a política mais comum entre as quatro”, disse Atães. O monitoramento constante, que pode servir para analisar desequilíbrios e estruturar estratégias, e o esforço do órgão responsável por administrar a instituição para estar em contato com a comunidade acadêmica constaram entre as outras medidas consideradas positivas.