Reitor aponta aumento de vagas, financiamento da saúde e reforma tributária como os maiores desafios

Montagner afirma ser preciso projetar o futuro, defende o debate e espera unir a comunidade em torno da gestão
Reitor aponta aumento de vagas, financiamento da saúde e reforma tributária como os maiores desafios

Montagner afirma ser preciso projetar o futuro, defende o debate e espera unir a comunidade em torno da gestão
Primeiro representante da Faculdade de Educação Física (FEF) a chegar ao posto mais alto na hierarquia da Unicamp, Paulo Cesar Montagner conhece bem o funcionamento da Universidade. Para além dos demais cargos administrativos que ocupou no decorrer de 37 anos dentro da instituição, Montagner foi chefe de gabinete na gestão do reitor que o antecedeu, Antonio José de Almeida Meirelles (2021-2025), e também no segundo mandato de José Tadeu Jorge (2013-2017).
À frente da reitoria desde 28 de abril, o dirigente recebeu o Jornal da Unicamp exatamente uma semana depois da posse para falar sobre suas expectativas com relação à nova função. Na entrevista a seguir, Montagner detalha aqueles que considera os principais desafios para a Universidade no próximo quadriênio e enfatiza o desejo de unir a comunidade acadêmica em torno de sua gestão. “Esta será uma experiência ímpar”, destaca. “É preciso projetar o futuro, mas, ao mesmo tempo, viver um dia de cada vez.”
Jornal da Unicamp – A experiência que o sr. acumulou em oito anos de atuação como chefe de gabinete facilitou, de alguma forma, a sua transição para o cargo de reitor? Quais as principais diferenças que o sr. notou em seus primeiros dias na nova função?
Paulo Cesar Montagner – Costumo dizer que não posso alegar desconhecimento do ambiente da reitoria, mas, por outro lado, é a primeira vez que sou reitor. Do ponto de vista burocrático, nos primeiros dias é preciso alterar documentos, senhas administrativas, assinaturas em diferentes organismos públicos… É um horizonte invisível para a comunidade. Como chefe de gabinete ou diretor de unidade, também se assina muito, mas nada é comparável ao que se faz como reitor. Além disso, a responsabilidade aumenta consideravelmente, porque toda a estrutura piramidal da Universidade conflui para a sua figura maior, que é o reitor.
Formar a equipe é outra tarefa trabalhosa. Decidi não fazer absolutamente nada nesse sentido até que tivéssemos a chancela final do resultado da consulta à comunidade, ou seja, a publicação do decreto do governador. Tomei essa decisão por respeitar todo o ritual – não apenas o processual, mas também o civil – que a assinatura do governador representa.
Há ainda o desafio da agenda, que é muito intensa. De certa forma, isso é bom. Em meus cargos anteriores, minhas relações se davam mais intramuros, dentro da Universidade. Agora, percebo de forma mais clara a necessidade de manter relações externas, pelo fato de o reitor ser o maior representante da Universidade.
Tenho muito respeito pela história, pela dedicação e pelo trabalho de todos os reitores que me antecederam. A Unicamp, com quase 59 anos de existência, é uma universidade muito robusta, que apresenta um crescimento permanente. Isso é fruto do trabalho não só dos reitores anteriores, mas de todas as equipes que com eles trabalharam e de todas as pessoas que foram, ao longo dos anos, construindo a Universidade.


JU – O sr. venceu a consulta para a reitoria por uma pequena margem de votos, o que sinaliza a existência de uma divisão política na Universidade. Como o sr. avalia esse cenário e o que pretende fazer para reunir a comunidade em torno de sua gestão?
Paulo Cesar Montagner – A história da Unicamp mostra que os processos de consulta para reitor têm sido muito disputados, e eu vejo isso com bons olhos. Nossa comunidade sempre respeitou as escolhas da maioria e trabalhou junto para que a Universidade crescesse. Nesta última consulta, a campanha começou mais cedo. Foram quase nove meses entre o primeiro movimento oficial e o dia da nomeação pelo governador – um período muito longo, mas de grande aprendizado.
Caminhando pela Unicamp, ouvi as mais diferentes demandas. Agora, eu não sou mais o candidato de 50 e poucos por cento da comunidade. Sou o reitor de todas as pessoas. É um pouco do que dizia o lema da nossa campanha: a Unicamp de toda a gente. As pessoas que votaram nas outras chapas merecem a melhor das atenções na nossa gestão, porque, por certo, também existem boas contribuições vindas dos outros programas [de gestão].
Outra questão fundamental é que o debate interno não acaba depois da nomeação do reitor – ele continua nas unidades, que têm um modelo semelhante ao da reitoria, de renovação a cada quatro anos. Quando se renova a gestão, renovam-se também as ideias, o fôlego, as motivações, mas os princípios, que são os pilares estruturais da Unicamp, têm sido preservados.
Durante o processo da consulta, tratamos de temas muito difíceis, como o ponto eletrônico e o pagamento de bônus para os servidores. Neste último caso, sempre insisti que a proposta da gestão anterior foi a de ampliar os benefícios, preservando os recursos da Universidade e, ao mesmo tempo, dotando nossos servidores de melhores condições. Os resultados desse processo são mais perenes do que o simples pagamento do bônus. Houve a melhora do vale-alimentação, a implantação do vale-refeição e a conquista do auxílio-saúde, que era muito esperada.
Não podemos fugir de nenhum outro grande tema que eventualmente surja no interior da Universidade. O debate deve ser sempre o mais amplo possível, para que possamos dar passos à frente preservando as conquistas alcançadas. Precisamos dar atenção à gestão de pessoas, manter as nossas áreas já consagradas e fortalecer aquelas que serão o futuro da Unicamp.
JU – O futuro da Unicamp ficou bastante associado, na gestão anterior, à consolidação do projeto do Hub Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (Hids). Como o sr. avalia essa iniciativa?
Paulo Cesar Montagner – A questão da sustentabilidade é um dos maiores desafios da atualidade. O Hids é uma iniciativa realmente inovadora, que envolve diferentes atores e atrai grande atenção da comunidade.
Poucas pessoas sabem que fui um dos responsáveis por reabrir a negociação para a compra da Fazenda Argentina [a área do Hids Unicamp, ou seja, a parte do hub que pertence à Universidade] no final de 2013, quando o professor Tadeu era o reitor. Fizemos a aquisição em sigilo absoluto, e aquilo foi uma grande conquista para a Universidade. Naquele momento, eu me lembro que dizíamos: “Bom, compramos. E agora, o que fazer?”.
O primeiro plano diretor para a área da fazenda foi feito ainda na gestão 2013-2017. Depois, na gestão do professor Marcelo [Knobel], surgiu uma nova concepção para o local, o que também foi muito significativo. Com o professor Tom Zé [Meirelles], houve o fortalecimento do projeto.
Fizemos um movimento muito importante de articulação com organismos da cidade de Campinas, sobretudo com a Sanasa [Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento S/A] e a CPFL [Companhia Paulista de Força e Luz], que nos ajudaram a construir a infraestrutura do Hids Unicamp. Tivemos a coragem – e também, eu diria, a vontade política – de transferir para lá, com a chancela da Finep [Financiadora de Estudos e Projetos], o projeto da vila de startups que ficaria originalmente localizada no campus atual da Universidade.
Hoje, o Hids Unicamp está pronto para começar a se transformar em uma realidade material. Espero que alguns dos projetos previstos para o local materializem-se ainda nesta gestão. Imagino que a iniciativa será uma referência importante não apenas para a Unicamp, mas também para as demais universidades latino-americanas – e, quem sabe, do mundo todo –, dessa nova forma de enxergar a convivência entre as pessoas, o ensino e a produção científica dentro de um ecossistema de sustentabilidade.


JU – Para além da consolidação do Hids, que desafios o sr. considera devam ser enfrentados com mais urgência neste início de gestão?
Paulo Cesar Montagner – Considero que temos três grandes desafios. O primeiro deles é aumentar o número de vagas na graduação. Existe uma pressão para isso, e nós já tomamos a decisão, no Conselho Universitário [em reunião realizada em 8 de abril deste ano], de abrir quatro novos cursos: direito diurno e noturno, com cem vagas; fisioterapia, na FCM [Faculdade de Ciências Médicas], com 40; licenciatura em inglês, no IEL [Instituto de Estudos da Linguagem], com 30; e licenciatura em história, no IFCH [Instituto de Filosofia e Ciências Humanas], com 52, no período noturno. Além disso, algumas unidades vão oferecer vagas adicionais em outros cursos, e sabemos que há mais escolas que também querem crescer. Está em pauta, por exemplo, a criação de um curso de medicina em Piracicaba, assunto sobre o qual já se falou na televisão e que deputados da região sempre comentam.
A expansão da graduação é um desafio porque precisamos crescer com responsabilidade, mantendo as condições adequadas de ensino, pesquisa e extensão. A última vez que criamos um grande número de vagas foi em 2009, com a abertura da FCA [Faculdade de Ciências Aplicadas]. Hoje vemos a importância daquela decisão não só para a Unicamp, como universidade pública, mas sobretudo para a região de Limeira, para o crescimento da cidade.
O segundo grande desafio é o financiamento da nossa área da saúde. Somos a única universidade pública [vinculada ao governo do Estado de São Paulo] que ainda mantém em seu orçamento uma área da saúde robusta – muito valiosa e necessária para toda a macrorregião de Campinas, tanto em termos acadêmicos como assistenciais, mas que consome uma parcela significativa do orçamento da Universidade. É fundamental que tenhamos condições de abrir discussões com o governo do Estado – e também com o governo federal – em busca de mais recursos para podermos seguir com a nossa vocação e oferecer serviços cada vez melhores.
A terceira questão, que ficará mais latente neste primeiro ano, é a da reforma tributária. Esse será possivelmente o grande desafio para os próximos três ciclos de reitoria. O Cruesp [Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas], como entidade, já firmou a sua posição. Gostaríamos de ter duas garantias: a de que as universidades receberão um percentual da receita tributária líquida do Estado equivalente aos atuais 9,57% do ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços] e a de que esse repasse seja constitucionalizado, porque ainda dependemos da publicação de um decreto do governador ano a ano.
A Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo] publicou um estudo em 2019 sobre a importância da autonomia de gestão financeira, conquistada em 1989, para o crescimento das universidades estaduais paulistas. Os dados são espantosos. Em 30 anos, tivemos uma melhora significativa em todos os indicadores – número de alunos matriculados, de mestres e doutores formados, de cursos de graduação e programas de pós-graduação – sem aumentar muito o nosso contingente profissional.
É fundamental que fiquemos atentos à preservação da autonomia. Isso consta em nosso programa de gestão como uma das grandes preocupações para o curto, o médio e o longo prazo. Tenho absoluta certeza de que vou transmiti-la para o próximo reitor, porque é só a partir de 2029 que as coisas ficarão mais operacionais no âmbito da reforma tributária.
JU – As universidades voltaram a ser alvo de ataques da extrema direita no Brasil e nos Estados Unidos. O sr. acredita que esse contexto pode desfavorecer as estaduais paulistas no que se refere às discussões relativas à reforma tributária?
Paulo Cesar Montagner – Costumo dizer que não é preciso publicar nenhum decreto para acabar com a autonomia das universidades – basta cortar o seu financiamento. O que está acontecendo nos Estados Unidos é exatamente isso. Temos a impressão de que as universidades norte-americanas dependem exclusivamente da captação de recursos privados, mas, em momentos como este, vemos a importância do sistema público para a sobrevivência dessas instituições. Harvard, cuja realidade é um pouco diferente, foi a única a ter coragem de não atender às exigências do governo [do presidente Donald] Trump, mas vem sofrendo muito em razão dessa atitude institucional.
Aqui no Brasil, já sentimos como a diminuição de recursos para a pesquisa afeta diretamente as universidades. O próprio Jornal da Unicamp divulgou um trabalho da professora Rachel Meneguello que mostrava as dificuldades na pós-graduação decorrentes do corte de bolsas.
Um segundo ponto importante é que precisamos ter a capacidade de nos comunicarmos melhor com o público. Vejo com maus olhos o tipo de divulgação que atores externos têm tentado fazer da Universidade. Recentemente tivemos o caso de um vereador que veio à Unicamp e divulgou um vídeo com a visão dele, totalmente distorcida, de que aquelas imagens correspondiam à Universidade inteira. Isso não é verdade. Aqui é um lugar onde se trabalha muito, onde se discutem e se descobrem coisas importantes e que forma muita gente. As grandes lideranças do país nascem nas grandes universidades. Isso precisa ser dito todos os dias, por todos nós, para que a gente construa uma visão que corresponda à realidade.
Para além do número de pessoas que atendemos diariamente na nossa área da saúde, costumo citar como exemplo os projetos de esporte paralímpico no Brasil. A minha escola – a Faculdade de Educação Física – criou uma área de estudos sobre esse tema em 1989, quando ninguém tinha interesse pelo assunto. Vi muita gente vindo estudar aqui, e o mesmo aconteceu em outras faculdades do país. O resultado desse processo foi fantástico. Em vez de ficarem trancadas em casa, as crianças com deficiência hoje fazem esporte, renovam as suas vidas e vão ao mundo.
Não sei como as coisas caminharão nos Estados Unidos, mas, aqui, espero que os governos tenham sensibilidade para entender a importância do que fazemos.


JU – Voltando ao aumento do número de vagas na graduação. Esse é um desafio que vem acompanhado de outro: a ampliação das políticas de permanência. Quais são os seus planos para equacionar essa questão?
Paulo Cesar Montagner – A inclusão é um tema que veio para ficar. Temos nos mobilizado, lenta e gradualmente, para proporcionar melhores condições para os nossos estudantes. A gestão do professor Tom Zé foi muito profícua nesse sentido. Nós dobramos os recursos para a permanência estudantil, algo que nos dá muito orgulho.
Nossa primeira preocupação deve ser a de garantir recursos para a permanência ano a ano no orçamento. Um segundo ponto importante é concluir a aquisição do terreno contíguo à Moradia Estudantil. A Unicamp foi pioneira na construção da moradia, no início dos anos 1990, mas, de lá para cá, o número de vagas disponíveis ali não cresceu na mesma proporção que o número de alunos da Universidade.
Ainda na gestão passada, passamos a abrir o restaurante universitário aos sábados e domingos. Essa é uma iniciativa que gostaríamos de fortalecer. Também transformamos o antigo SAE [Serviço de Apoio ao Estudante] em diretoria executiva a fim de termos um olhar mais cuidadoso para as diferentes questões relativas à permanência. Temos o desafio do Vestibular Indígena e, agora, o desafio das cotas para pessoas trans. Sei que esse é um assunto polêmico, mas foram meses de trabalho e estudos científicos até que a proposta das cotas fosse analisada pelo Conselho Universitário. É fundamental que a Universidade cuide da população trans, que sofre muito e que é vítima de índices alarmantes de violência.
Também precisamos fazer investimentos significativos em mecanismos de avaliação, para termos métricas e resultados que nos permitam demonstrar que vale a pena dar oportunidades para pessoas que não chegariam à Universidade sem a ajuda de políticas de inclusão e permanência. O mesmo tem de ser feito com relação ao acompanhamento dos nossos ex-alunos.
Como se vê, nossos desafios não são pequenos. Conto com a comunidade da Unicamp para fazer uma gestão para todos, ouvindo as pessoas, entendendo as críticas e potencializando as grandes ideias.