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Ilhas de calor indicam efeitos da urbanização

Estudo detectou variação de até 6,7 ºC entre áreas próximas localizadas em Indaiatuba

A professora Priscila Coltri, diretora do Cepagri e orientadora da tese, mostra tabela com as variações de temperatura:  fenômeno ocorreu com maior intensidade no inverno
A professora Priscila Coltri, diretora do Cepagri e orientadora da tese, mostra tabela com as variações de temperatura: fenômeno ocorreu com maior intensidade no inverno

Ilhas de calor indicam efeitos da urbanização

A professora Priscila Coltri, diretora do Cepagri e orientadora da tese, mostra tabela com as variações de temperatura:  fenômeno ocorreu com maior intensidade no inverno
A professora Priscila Coltri, diretora do Cepagri e orientadora da tese, mostra tabela com as variações de temperatura: fenômeno ocorreu com maior intensidade no inverno

Estudo detectou variação de até 6,7 ºC entre áreas próximas localizadas em Indaiatuba

Com uma distância de apenas 3,7 km entre si, duas localidades do município de Indaiatuba (SP) apresentaram uma diferença de temperatura de 6,7 ºC. Esse foi um dos dados apresentados no doutorado de Larissa Zezzo, defendido no Instituto de Geociências (IG) da Unicamp. O fenômeno da ilha de calor urbana (ICU), uma área de temperaturas mais altas quando comparada com áreas rurais, ocorreu com maior intensidade no inverno, estação mais seca do ano na região. 

Os dados, coletados em dez pontos da cidade, referem-se a 2022. Entre maio e julho, a magnitude das ICUs mostrou-se extrema no ponto 6 (urbano) em comparação com o ponto 2 (rural), ficando igual a ou acima de 6 ºC (6 ºC, 6,7 ºC e 6,2 ºC). Os motivos, segundo Zezzo, cientista ambiental e agora doutora em ciências, estão associados às características da estação do ano, na qual há uma maior estabilidade atmosférica, a fatores ambientais, de uso do solo e de cobertura do solo, e a fatores urbanísticos. “Esses fatores juntos geraram essa magnitude tão elevada. Pelo menos em 10% dos dias do mês de julho, houve magnitudes extremamente grandes de ilhas de calor, quando comparamos os dois pontos.”

A pesquisa indica que as ICUs ocorrem com maior frequência à noite. “Existem diferentes índices de absorção e de liberação de calor, a depender do material de construção. O concreto, por exemplo, faz você sentir a parede mais quente, às vezes, ao final do dia. Aquela parede vai continuar quente provavelmente até a noite, por volta de umas 21h, momento em que as ilhas de calor mais se destacam”, explica a pesquisadora. Já em locais onde há mais vegetação e outros tipos de materiais de construção, não há tanta retenção de calor.

A professora Priscila Coltri, orientadora da tese e diretora do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Unicamp, afirmou que o estudo cobre uma lacuna sobre dados relativos às ICUs em cidades de pequeno e médio porte e de clima tropical. As pesquisas sobre o fenômeno tratam predominantemente de cidades de grande porte localizadas em regiões de clima temperado. “As cidades de médio porte acabavam ficando sem dados para subsidiar qualquer tipo de resposta. Então o trabalho mostra que não é porque a cidade é de médio porte ou de pequeno porte que a magnitude [da ICU] não é tão intensa”, disse.

Um alerta

O estudo sobre as ilhas de calor saiu publicado na revista Environmental Monitoring and Assessment. A autora da pesquisa agora adverte que o local onde se registrou a menor temperatura da área analisada é uma região na direção da qual Indaiatuba está se expandindo. “Portanto, fica o alerta: se a vegetação for removida para dar lugar a moradias, possivelmente esse será um local onde a temperatura irá aumentar. É uma questão-chave para o poder público pensar em medidas de mitigação e adaptação, em como reestruturar a cidade e, principalmente, planejar, considerando que Indaiatuba vem crescendo e está se expandindo perifericamente.”

Coltri destaca a importância das áreas verdes nos esforços para atenuar o fenômeno das ICUs. “Em locais onde há uma maior quantidade de áreas verdes, a temperatura acaba sendo menor. Esses dados podem subsidiar o planejamento voltado a essas áreas nas cidades, porque, quanto menos área verde a gente tem, mais intensas ficam as ilhas de calor. Mas não é área verde só no sentido de plantar algumas árvores na rua. São áreas verdes de grande porte, praças, parques e jardins grandes. E não só na cidade como no seu entorno.”

Mapa com a localização dos dez sensores e com os dois pontos (números 2 e 6) entre os quais a diferença é de 6,7 ºC
Mapa com a localização dos dez sensores e com os dois pontos (números 2 e 6) entre os quais a diferença é de 6,7 ºC
Mapa com a localização dos dez sensores e com os dois pontos (números 2 e 6) entre os quais a diferença é de 6,7 ºC
Mapa com a localização dos dez sensores e com os dois pontos (números 2 e 6) entre os quais a diferença é de 6,7 ºC

Baixo custo

Indaiatuba acabou escolhida para o estudo por ser uma cidade que vem experimentando um acelerado processo de desenvolvimento nos últimos anos. Mas houve um desafio a ser superado no que tange à obtenção dos dados. “O problema é que Indaiatuba possui somente uma estação meteorológica oficial, insuficiente para mapear toda a região. Seriam necessários pelo menos dez sensores e dez abrigos [para os sensores]”, disse a pesquisadora.

Na época, cada par sensor/abrigo custaria em torno de R$ 1.500, um valor alto demais. Por isso, os pesquisadores desenvolveram e validaram um abrigo de baixo custo com o auxílio de Marcelo Soeira, doutorando em ambiente e sociedade na Unicamp. Construído com materiais acessíveis, como ripas de pínus e plástico do tipo polipropileno (PP) e do tipo policloreto de vinila (PVC), o abrigo seguiu as orientações da Organização Meteorológica Mundial (OMM). 

Fernanda Pestana, que colaborou no desenvolvimento de equipamentos, e o sensor: checagem de dados
Fernanda Pestana, que colaborou no desenvolvimento de equipamentos, e o sensor: checagem de dados

Alunos da professora Coltri também ajudaram no desenvolvimento dos equipamentos. Fernanda Pestana, por exemplo, colaborou na fase de monitoramento em campo e de checagem de dados. Na sua iniciação científica, Pestana utiliza os dados coletados em um estudo sobre fatores socioeconômicos e o clima. “A gente sabe como esses dados são muito difíceis de serem obtidos. Então, quando conseguimos nos somar com outras perspectivas em uma pesquisa já em andamento, é muito bom”, comentou.

Ao narrar sua experiência de ir a campo e interagir com os moradores das áreas analisadas, a estudante comentou sobre a importância de dar um retorno à comunidade a respeito da pesquisa. “No geral, não temos muito essa perspectiva, no lugar em que a gente mora, sobre qual é a diferença entre o urbano e o rural. E esse tipo de pesquisa explicita muito as condições nas quais vivemos”, observou. 

Fernanda Pestana, que colaborou no desenvolvimento de equipamentos, e o sensor: checagem de dados
Fernanda Pestana, que colaborou no desenvolvimento de equipamentos, e o sensor: checagem de dados

Educação e comunicação

A comunicação e a educação sobre as mudanças climáticas figuraram igualmente entre os temas presentes no doutorado de Zezzo. “É perceptível, quando você está em uma área mais verde, que a temperatura é mais agradável. Assim como se percebe a temperatura quando se coloca a mão na parede de noite depois de um dia de muito calor. A parede permanece quente por um tempo. Mas por quê? As pessoas têm interesse em entender, mas é difícil compreender de uma forma concreta e com confiança nas informações.”

Segundo a pesquisa, isso acontece por questões como a deficiência nos currículos escolares ao abordarem esse assunto. Em um estudo com 1.111 participantes, a grande maioria com alto grau de escolaridade (89% possuíam diploma do ensino superior ou mestrado), constatou-se haver um interesse pelo tema, mas também a circulação de equívocos conceituais, como pensar que o buraco na camada de ozônio é o responsável pelas mudanças climáticas. Problemas como a guerra ideológica e a desinformação em torno do assunto interferem igualmente nos esforços para esclarecer a população a respeito disso.

“As pessoas sentem que está mais quente, que há mais eventos extremos, mas isso ainda não faz com que todas elas recebam uma educação de qualidade sobre o clima. Em geral, elas não conseguem conectar os fatores, e aí está o nosso papel. A conexões que a ciência nos traz são muito importantes para a vida em sociedade”, observou Zezzo.

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