No mundo todo, as cadeiras de rodas manuais são, naturalmente, as mais usadas devido à sua simplicidade, ao custo mais acessível e à facilidade de manutenção. Por outro lado, pessoas com limitações mais sérias de locomoção, que não conseguem impulsionar cadeiras manuais, necessitam de modelos motorizados. Contudo o acesso a esse tipo de cadeira é limitado, pois esses equipamentos têm um custo superior tanto na sua aquisição quanto na manutenção de baterias e demais componentes.
Com o objetivo de tornar mais acessíveis as cadeiras de rodas motorizadas, uma equipe de pesquisadores da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp iniciou, há muitos anos, uma linha de pesquisa pioneira. Esses esforços resultaram agora na criação de um kit de motorização para cadeiras de rodas manuais, um dispositivo cujo desenvolvimento permitiu o depósito, com o apoio e estratégia da Agência de Inovação da Unicamp (Inova Unicamp), de três patentes.. O kit poderá beneficiar pessoas incapazes de usar os dispositivos manuais, além de poder ser usado em outros setores, como, por exemplo, na motorização de robôs para o transporte de objetos até locais de difícil acesso.
“Nosso primeiro experimento ocorreu na década de 1980”, conta o professor da FEM Franco Giuseppe Dedini. “Na ocasião, tínhamos contato com profissionais do Hospital de Clínicas [HC] da Unicamp e fomos informados do caso de uma mulher que precisava de uma cadeira de rodas, mas que não podia movimentá-la. Então, desenvolvemos uma primeira versão dessa tecnologia para a cadeira, impulsionada por duas baterias automotivas, algo até avançado para a época. Esse foi o primeiro passo nesses longos anos de pesquisas e aprimoramentos até chegarmos ao kit adaptável.”

Kit de motorização
A professora Ludmila Correa de Alkmin e Silva, também da FEM e integrante do grupo encarregado da pesquisa, acrescenta que a equipe preocupou-se com criar um kit capaz de ser facilmente adaptado às cadeiras de rodas manuais e que, ao mesmo tempo, fosse relativamente acessível do ponto de vista econômico. “Nós sempre visamos a um sistema generalista, que pudesse se adequar ao uso de muitas pessoas, e não a uma cadeira de rodas motorizada à la carte, ou seja, capaz de atender somente a algum caso particular”, afirmou Silva.
Ainda segundo a pesquisadora, um dos desafios para aperfeiçoar o kit passou por permitir seu uso com os mais diferentes tipos de rodas e pneus presentes nas cadeiras atualmente. Há uma grande variedade de rodas e pneus disponíveis, significando mudanças, caso a caso, no comportamento dinâmico do contato roda-piso, algo que influi diretamente na programação do sistema motorizado. “Tivemos de realizar inúmeras simulações sobre o comportamento do dispositivo, pois pretendíamos definir as equações e os parâmetros do contato entre a roda e o piso e inseri-los no programa de computador”, explicou.
Essas simulações, que visavam à modelagem matemática do comportamento dinâmico do sistema em cada situação, resultaram no depósito de uma das três patentes proporcionadas pelo projeto: a patente de uma bancada destinada a testar diversos tipos de pneu de cadeiras de rodas em contato com vários tipos de superfície. Quando o equipamento entrava em operação, ocorria uma leitura matemática dos principais parâmetros envolvidos – força, momento, atrito etc. –, permitindo a modelagem dinâmica do seu comportamento e a consequente programação do software do sistema motorizado.
Guiado por um joystick
Uma das vantagens do dispositivo desenvolvido pelos pesquisadores da FEM consiste na facilidade com que pode ser incorporado a variados modelos de cadeiras de rodas manuais, como detalha Dedini. “O próprio usuário é capaz de acoplar e desacoplar o kit motorizado a uma cadeira de rodas manual, de forma rápida e simples. E o kit não altera as características originais da cadeira, que permanece dobrável.”
Além disso, o kit motorizado proporciona um desempenho adequado nas mais diversas condições de uso. “O software gerenciador permite que a cadeira motorizada faça corretamente manobras em curvas fechadas, que exigem um diferencial de velocidade entre uma roda e outra. O sistema também reduz problemas de perda de tração, pois a potência gerada pelo motor é transmitida diretamente ao piso”, disse o professor.
Para facilitar a operação do kit motorizado, acrescentou-se um painel de controle guiado por um joystick. Com esse dispositivo, a cadeira de rodas tornou-se mais facilmente manobrável. Esse conjunto motorizado e guiado por um joystick corresponde à segunda das três patentes depositadas com o apoio da Inova Unicamp e que estão disponíveis para empresas e instituições licenciarem.

Sensor de controle
Uma evolução natural do equipamento consistiria em atender às pessoas incapazes de manusear um joystick, os usuários de cadeiras de rodas que convivem com a paralisia total dos quatro membros do corpo.
“Para dar esse passo adiante, desenvolvemos uma interface homem-máquina capaz de emitir sinais quando o usuário realizasse algum tipo de contração muscular. Nesse caso, o movimento da sobrancelha seria o suficiente para emitir esses sinais”, afirmou Dedini.
O professor explicou o funcionamento desse dispositivo: “Incluímos no sistema um sensor que emite um sinal quando o usuário realiza qualquer tipo de contração muscular. Ele pode prender esse sensor em qualquer parte do seu corpo para gerar os sinais. No caso do kit, uma ideia é, por exemplo, usar uma faixa na testa para interpretar o movimento de sua sobrancelha. Conforme esse movimento, o sistema interpreta se o usuário deseja dar um clique ou dois. Assim, enviam-se os comandos ao sistema motorizado mexendo a sobrancelha”.
Esse dispositivo assistivo de interface homem-máquina corresponde à terceira patente depositada pelo grupo de pesquisa da FEM com o apoio da Inova Unicamp. Além de ampliar o número de potenciais usuários do kit motorizado, o invento também pode ter outras aplicações industriais. “Mas a nossa primordial preocupação foi a de atender aos cadeirantes que não podem usar controles convencionais, como joysticks, mouses ou teclados”, complementou Dedini.
Desenvolvimento futuro
Dedini e Silva adiantam já haver planos para continuar as melhorias do kit junto às suas equipes no Laboratório de Sistemas Integrados (Labsin) da FEM. “Estamos trabalhando no aperfeiçoamento de vários módulos do kit de motorização. Ainda há desafios, como o aprimoramento do consumo das baterias ou a otimização da trajetória da cadeira motorizada. Esperamos implementar futuramente essas atualizações no kit”, disse o professor.
A tecnologia desenvolvida na Unicamp está disponível para ser licenciada. Mais informações sobre o invento podem ser encontradas no Portfólio de Tecnologias da Unicamp.