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Técnica extrai bioprodutos de palha e sabugo de milho

Processo inovador e sustentável resulta em subprodutos por meio de hidrólise de água

Técnica extrai bioprodutos de palha e sabugo de milho

No destaque, experimento feito com palha de milho, já triturada, em laboratório da FEA: valor agregado
No destaque, experimento feito com palha de milho, já triturada, em laboratório da FEA: valor agregado

Processo inovador e sustentável resulta em subprodutos por meio de hidrólise de água

No destaque, experimento feito com palha de milho, já triturada, em laboratório da FEA: valor agregado
No destaque, experimento feito com palha de milho, já triturada, em laboratório da FEA: valor agregado

Todos os anos, a indústria agrícola deposita milhões de toneladas de palha e sabugo de milho em aterros sanitários e incineradores. Além de liberar toxinas e gases do efeito estufa, esse tipo de ação descarta um produto rico em substâncias de alto valor agregado, que poderia ser aproveitado em diversos processos industriais. Pensando nisso, uma pesquisa da Unicamp conseguiu extrair esses subprodutos de maneira sustentável e mais barata do que as tecnologias tradicionais, por meio de uma técnica inovadora de hidrólise da água subcrítica.

A hidrólise consiste em um método que utiliza água para quebrar as ligações químicas de moléculas, obtendo diversos tipos de subprodutos. Embora não seja uma novidade na ciência, a técnica costuma empregar ácidos tóxicos como solventes, o que libera resíduos prejudiciais ao meio ambiente. No entanto pesquisadores da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) decidiram utilizar a água subcrítica – em alta temperatura, mas sob uma pressão alta o suficiente para evitar sua ebulição – no lugar do ácido. Tal condição altera as características físico-químicas da água, aperfeiçoando o processo de hidrólise.

O estudo, que acaba de ser publicado no periódico Biofuel Research Journal (https://www.biofueljournal.com), integra a pesquisa de doutorado do engenheiro de alimentos Rafael da Rosa, que examinou o comportamento da hidrólise subcrítica da palha e do sabugo de milho em diferentes níveis de temperatura e de pH. “Fazendo uma análise comparativa com métodos convencionais de hidrólise que utilizam ácido sulfúrico e hidróxido de sódio, a gente viu que a água pura trouxe resultados bem melhores. Ou seja, concentrações muito maiores de ácidos e de bases não conseguiram atingir o que nós atingimos”, relata o autor.

Para se ter uma ideia, a hidrólise subcrítica conseguiu obter compostos fenólicos em valores de 16,06 miligramas a 76,82 miligramas equivalentes de ácido gálico por grama – composto utilizado como padrão na quantificação de composto fenólicos –, enquanto estudos com hidrólise ácida obtiveram apenas 12,76 miligramas equivalentes de ácido gálico por grama. Como possuem propriedades antioxidantes, anti-inflamatórias e antimicrobianas, essas substâncias contam com um alto valor agregado nas indústrias voltadas à fabricação de produtos farmacêuticos, cosméticos e conservantes naturais de comida.

O engenheiro de alimentos Rafael da Rosa, autor da pesquisa, e a professora Tânia Forster-Carneiro, orientadora: aperfeiçoando o processo de hidrólise
O engenheiro de alimentos Rafael da Rosa, autor da pesquisa, e a professora Tânia Forster-Carneiro, orientadora: aperfeiçoando o processo de hidrólise

Por outro lado, a tecnologia também foi capaz de obter até 448,54 miligramas de açúcar por grama de palha e sabugo hidrolisado, incluindo celobiose, glicose, xilose e arabinose. No caso dos métodos tradicionais de hidrólise, a quantidade de açúcar obtido não ultrapassou 0,0745 grama por grama de palha e sabugo hidrolisado. Para chegar a esse resultado, os cientistas precisaram usar apenas temperaturas moderadas (abaixo de 180º C) por um máximo de 30 minutos, um ganho em termos de redução dos custos do processo. Isso porque processos mais demorados de hidrólise geram um grande gasto de energia, o que prejudica o meio ambiente e nem sempre vale a pena em termos da quantidade obtida de subprodutos.

Por se tratar de uma pesquisa de doutorado, Rosa teve tempo para realizar um desenho experimental bem exaustivo, avaliando o desempenho de uma ampla gama de variáveis. Além disso, o engenheiro fez análises de custo, que comprovaram uma taxa de retorno do investimento de menos de quatro anos, e análises de sustentabilidade (Ecoscale). “Nós comparamos dados de nosso trabalho com os de outros que usaram tecnologias convencionais e vimos que, de uma pontuação máxima de 100, o nosso obteve nota 93 em sustentabilidade. O segundo que mais se aproximou do nosso pontuou 83”, comemora o engenheiro.

O engenheiro de alimentos Rafael da Rosa, autor da pesquisa, e a professora Tânia Forster-Carneiro, orientadora: aperfeiçoando o processo de hidrólise
O engenheiro de alimentos Rafael da Rosa, autor da pesquisa, e a professora Tânia Forster-Carneiro, orientadora: aperfeiçoando o processo de hidrólise

Aplicações

Para Rosa, uma das grandes vantagens da tecnologia supercrítica é a possibilidade de obter uma variada gama de subprodutos a partir de um mesmo resíduo. Além dos açúcares e compostos fenólicos, o estudo também extraiu ácidos orgânicos, utilizados como aditivos na indústria de alimentos, e inibidores, substâncias capazes de impedir o crescimento de um determinado organismo. A obtenção de cada um desses subprodutos dependeu apenas de variações na temperatura e no pH, pois existe uma “rota” de decomposição que começa nos compostos fenólicos, passa pelo açúcar, vai para os ácidos orgânicos e chega aos inibidores.

“Quanto maior é a temperatura e o pH, mais a gente consegue degradar a molécula”, explica o pesquisador, acrescentando que, embora isto não se aplique ao milho, se a amostra for rica em proteínas, também se pode obter aminoácidos de valor para a indústria farmacêutica e de ração animal. “No caso da palha e do sabugo de milho, eu vejo que uma das principais aplicações poderia ser o etanol de segunda geração, devido à grande quantidade de açúcares. Qualquer composto que tem açúcar pode gerar etanol”, afirma.

De acordo com a professora da FEA Tânia Forster-Carneiro, orientadora da pesquisa, essa nova destinação dos resíduos mostra-se algo muito importante porque hoje em dia, com o conceito de biorrefinaria e economia circular, não há mais interesse em obter apenas um produto de um dado processo e descartar os subprodutos. Embora a deposição final do resíduo de palha de milho em aterros sanitários ainda seja permitida, a docente afirma que chegará o momento no qual a legislação brasileira exigirá a valorização ou o tratamento adequado desses compostos.

Ainda segundo Foster-Carneiro, uma fábrica de cerveja consegue produzir no verão 250 mil toneladas de bagaço de malte por semana. “A fábrica que faz polpa de frutas em saquinhos, por exemplo, gera uma quantidade enorme de cascas, bagaços e sementes. Esses produtos são levados para os aterros sanitários. Mas vai chegar o momento em que a indústria terá de investir no tratamento ou na valorização dos resíduos orgânicos”, acredita.

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