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Planta usa microRNA para se adaptar à seca

Achado revela que mecanismo representa uma resposta evolutiva para situações de estresse hídrico

A Arabidopsis thaliana: espécie é modelo bastante empregado em experimentos com plantas superiores
A Arabidopsis thaliana: espécie é modelo bastante empregado em experimentos com plantas superiores

Planta usa microRNA para se adaptar à seca

A Arabidopsis thaliana: espécie é modelo bastante empregado em experimentos com plantas superiores
A Arabidopsis thaliana: espécie é modelo bastante empregado em experimentos com plantas superiores

Achado revela que mecanismo representa uma resposta evolutiva para situações de estresse hídrico

Ao longo da evolução, os organismos vivos, como as plantas, desenvolvem estratégias para lidar com as adversidades ambientais. No caso do estresse hídrico, causado por um período de seca, cientistas descobriram que um microRNA contribui para que a planta-modelo Arabidopsis thaliana tenha uma melhor resposta. A descoberta saiu publicada na revista Plant Physiology, tendo como autor principal o biólogo João Vieira, cujo doutorado em genética e biologia molecular, realizado junto ao Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Unicamp, centrou-se no assunto. O achado contribui para entender os processos evolutivos quando se trata das estratégias adotadas pelas plantas diante de condições adversas. 

Uma planta pode sofrer estresse, explica Vieira, devido a diversos fatores ambientais. No caso do estresse hídrico, a planta produz um hormônio chamado ácido abscísico (ABA). O ABA se liga a seus receptores (proteínas), conhecidos como PYL/PYR/RCAR, formando complexos ABA-PYL. Esses complexos ativam proteínas chamadas quinases, que desencadeiam as respostas de ajuste da planta ao estresse. A sucessão desses eventos constitui a via de sinalização do ABA.

Uma das principais respostas ativadas pelo ABA é o fechamento dos estômatos, pequenas aberturas nas folhas que regulam as trocas gasosas entre o indivíduo e o ambiente e que controlam a perda de água.

No entanto, caso esses receptores fiquem ativos por muito tempo, podem ocorrer prejuízos para a planta. É como se ela ficasse em um estado de alerta permanente. “Imagine um sistema que está sempre respondendo à toa. Nesse caso, há gasto de energia, que é o que a planta não quer. Além disso, o sistema fica ineficiente porque não consegue perceber novas situações de estresse”, explica o biólogo.

Para resolver o problema, faz-se necessário algo que os cientistas chamam de “feedback negativo”, um modelo de regulação por meio do qual a própria via de sinalização ativa mecanismos que atenuam a resposta ao sinal. Dessa forma, a atividade da via de sinalização reduz-se por meio da própria via, evitando respostas excessivas. Esse mecanismo limita os efeitos colaterais negativos de uma ativação prolongada do ABA e permite “zerar” a via para que a planta possa responder de maneira adequada a novas situações de estresse no futuro.

Investigando quais elementos estão envolvidos nessa resposta, o pesquisador descobriu que um microRNA, o microRNA5628 (miR5628), inativa o receptor PYL6, um dos 14 receptores do ABA na espécie Arabidopsis thaliana.

O biólogo João Vieira (primeiro plano) e o professor Michel Vincentz, orientador da pesquisa: buscando entender como as plantas gerenciam os recursos energéticos
O biólogo João Vieira (primeiro plano) e o professor Michel Vincentz, orientador da pesquisa: buscando entender como as plantas gerenciam os recursos energéticos
O biólogo João Vieira (primeiro plano) e o professor Michel Vincentz, orientador da pesquisa: buscando entender como as plantas gerenciam os recursos energéticos
O biólogo João Vieira (primeiro plano) e o professor Michel Vincentz, orientador da pesquisa: buscando entender como as plantas gerenciam os recursos energéticos

“Isso ocorre porque o miR5628 reconhece especificamente o RNA mensageiro [RNAm] de PYL6, promovendo sua clivagem. Após a clivagem, o RNAm é degradado por outros mecanismos de regulação pós-transcricional, que, no caso de PYL6, são descritos no nosso artigo.”

Como o RNAm de PYL6 é essencial para a produção da proteína PYL6, sua degradação pelo miR5628 leva à redução dos níveis dessa proteína. Como consequência, as respostas ao ABA diminuem.

“Se a sinalização do ABA se torna menos ativa, é como se esse sistema fosse desligado em resposta à atuação do miR5628”, explica o biólogo.

Orientador do doutorado e também autor do artigo, o professor Michel Vincentz ressalta que a pesquisa se insere nos objetivos do Laboratório de Genética de Plantas, o qual coordena. “Buscamos entender como as plantas superiores gerenciam os recursos energéticos de maneira eficiente para otimizar o seu desenvolvimento e vigor”, aponta.

No doutorado de Vieira, buscou-se verificar essa habilidade que o organismo tem de lidar com situações externas adversas ao promover ajustes internos e manter-se estável, um processo chamado de homeostase. A pesquisa focou a sinalização do ABA.

Para isso, a espécie Arabidopsis thaliana foi utilizada. Assim como os ratos servem de modelo para estudos com animais, a Arabidopsis thaliana é um modelo bastante empregado no caso de plantas superiores. “Ela é uma planta-modelo, o que nos possibilita fazer perguntas precisas, porque há toda a informação básica [por exemplo, genoma detalhado] para tudo isso e também há ampla informação e material genético disponível.”

Apesar de o miR5628 estar presente apenas na espécie estudada, a pesquisa contribui para compreender mais profundamente as estratégias das plantas diante do estresse ambiental. “Estamos contribuindo para entender melhor como as vias que controlam a resposta ao estresse estão reguladas. É preciso ter evidências para começar a pensar a manipular de forma precisa essas vias usando abordagens de edição gênica. Esse microRNA é exclusivo dessa espécie. Mas não ficaria surpreso se existirem outras plantas que desenvolvem o mesmo tipo de mecanismo ou até mecanismos mais sofisticados, porque o processo evolutivo é extremamente dinâmico”, ressalta o professor. 

O papel dos microRNAs

Em 1993, os cientistas descreveram pela primeira vez um microRNA, de um nematoide – um pequeno verme de 1 milímetro que come bactérias –, da espécie Caenorhabditis elegans. Os responsáveis por essa descoberta, Victor Ambros e Gary Ruvkun, ganharam o Prêmio Nobel de Medicina em 2024. Os microRNAS controlam a expressão dos genes, atuando sobre a produção de proteínas e, assim, sobre formas de desativação de genes. Eles estão presentes em plantas e animais e funcionam como reguladores essenciais de várias funções, como desenvolvimento, crescimento, fisiologia, metabolismo e respostas ao estresse.

Na planta Arabidopsis thaliana, o microRNA5628 foi descoberto em 2012. No entanto, até o trabalho de Vieira, não se sabia quais funções poderia ter. “Não havia sido proposto nenhum alvo desse microRNA in vivo, apenas in silico [simulação computacional]. Conseguimos validar o primeiro alvo desse microRNA em Arabidopsis.”

Além de Vieira e Vincentz, constam como autores do artigo os pesquisadores Américo Viana, Cleverson Matiolli, Gustavo Duarte e Raphael Campos, também do Laboratório de Genética de Plantas (CBMEG); Renato Vincentini, coordenador do Laboratório de Bioinformática e Biologia de Sistemas (CBMEG); Lucas Canesin, do Centro de Pesquisa em Genômica para Mudanças Climáticas (CBMEG); e os professores Fábio Nogueira e Carlos Barrera-Rojas, do Laboratório de Genética Molecular de Plantas Cultivadas da Universidade de São Paulo (USP).

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