
A versão de Chico Buarque e Ruy Guerra para “Sonho Impossível” – do musical “O Homem de La Mancha”, executada pelo Coro Contemporâneo de Campinas – encerrou de forma emblemática a cerimônia de entrega do título de Doutor Honoris Causa concedido pela Unicamp ao embaixador Celso Luiz Nunes Amorim.
A música remete não apenas ao sonho pacifista de Amorim, a quem o coordenador do Instituto de Estudos Avançados (IdEA) da Unicamp, Christiano Lyra, chamou de “artesão da paz” e “peregrino da esperança”. Refere-se, também, à passagem marcante de Amorim pelas artes. Antes de se tornar presidente da Embrafilme (entre 1979 e 1982), o embaixador trabalhou com Ruy Guerra em “Os Cafajestes”, clássico do Cinema Novo, de 1962.
Realizada no Centro de Convenções na tarde desta segunda-feira (24), a solenidade atraiu diplomatas como o embaixador do Estado da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, e o cônsul geral de Portugal em São Paulo, Antonio Pedro da Vinha Rodrigues da Silva, além de dezenas de professores, amigos de Amorim e sua esposa, Karen Saconni.
Pouco antes da cerimônia, Amorim falou sobre geopolítica internacional, defendendo o fim das hostilidades no Oriente Médio e a instalação de dois estados – um palestino e outro israelense. Afirmou, ainda, que o Brasil não é Oriente nem Ocidente. “O Brasil é Sul, e é nisso que precisamos trabalhar”, advertiu. E fez um alerta, ao constatar o avanço da extrema direita na Europa, como ficou demonstrado com o resultado das eleições na Alemanha.
“Nossa grande luta, neste momento, é pela democracia; evitar que voltemos a assistir o que se passou – ou algo parecido com o que se passou – nos anos 30. Isso é o que não queremos”, disse, referindo-se ao surgimento do nazismo e ao estabelecimento de um estado totalitário. Segundo Amorim, hoje, a extrema direita é a maior ameaça à democracia no mundo.

O reitor da Unicamp, professor Antonio José de Almeida Meirelles, declarou que a trajetória de Amorim é uma inspiração para a Universidade.
“Celso Amorim é uma figura de primeira grandeza da história recente do Brasil”, afirmou Meirelles. “Na ação e na formulação de uma política internacional, que valoriza a nossa soberania, que destaca o nosso papel no mundo, que aspira e ambiciona fazer do Brasil uma voz pela paz, pela superação dos conflitos a partir do diálogo. Por tudo isso, ele é uma inspiração para nós como instituição”, completou.
O embaixador palestino Ibrahim Alzeben disse estar honrado por participar da solenidade. “Primeiro, por se tratar do personagem brasileiro por excelência. Celso Amorim e os palestinos são melhores amigos. Trata-se de um personagem de amplitude internacional, com conhecimento ímpar e que tem contribuído muito para o crescimento das relações internacionais do Brasil; de fazer o país abrir-se ao mundo, especialmente para o mundo árabe e particularmente a nós. Nós, como palestinos, devemos muito a ele”, contou Alzeben.
A coordenadora-geral da Unicamp, Maria Luiza Moretti, destacou a visão “humanista” que Amorim imprimiu à atuação diplomática. “Precisamos de pessoas como Amorim, que nos inspira e inspira nossos alunos”, disse Moretti.

Indicação do título
A indicação do título foi feita em conjunto pelo IdEA e pelo Instituto de Economia (IE).
Segundo o diretor do IE, Célio Hiratuka, a indicação se deu de forma natural, já que uma das tradições do instituto é interpretar as mudanças que acontecem na economia global para entender os alcances e os limites da estratégia de desenvolvimento nacional. Para Hiratuka, as contribuições acadêmicas e a ação concreta do embaixador Celso Amorim estão em “total aderência com essa perspectiva”.
Hiratuka avalia que Amorim alterou o status internacional do Brasil. “Ao longo de sua trajetória, mas em especial nos dois primeiros governos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Celso Amorim buscou corrigir assimetrias na ordem internacional do pós-guerra, ampliando o espaço político e econômico tanto do Brasil como das demais nações periféricas.”
Ao receber o título, Celso Amorim entra para uma galeria de personalidades importantes da vida brasileira que já receberam o título de Honoris Causa da Unicamp – como, por exemplo, Paulo Freire, Celso Furtado, Antonio Candido, Mário Quintana, Oscar Niemeyer e Dom Paulo Evaristo Arns.
Amorim já havia recebido o título de Honoris Causa da Universidade Estadual da Paraíba (2015), da Universidade Nacional de Rosário (ARG), em 2021, da Unesp (2024) e da Fiocruz (2024).

Cargo diplomático
Desde 1968, em sua primeira experiência em um cargo diplomático, Celso Amorim tem se notabilizado por uma atuação em favor do diálogo e pela tentativa de corrigir assimetrias que marcam as relações internacionais. Idealizador e condutor de inovações nas relações internacionais do Brasil, consolidou no país o conceito de soberania a partir da ideia de uma política externa “ativa e altiva”.
Diplomata de carreira, serviu em Londres, na representação do Brasil na Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington e em Haia. Depois da passagem pela Embrafilme, ocupou o cargo de Secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Ciência e Tecnologia no Governo Sarney (1985-1988).
Foi Ministro das Relações Exteriores no governo do presidente Itamar Franco (1993-1994) e do presidente Lula (2003-2010).
Serviu como representante permanente do Brasil junto à Organização das Nações Unidas em Nova York (1995-1999) e em Genebra (1991-1993 e 1999-2001). Também foi embaixador do Brasil em Londres entre 2001 e 2002.
Entre os diversos prêmios que recebeu como reconhecimento por sua carreira, foi escolhido pela revista Bravo Business como um dos líderes mais “imaginativos” do continente e, em 2010, chegou a ser listado pela revista Foreign Policy em 6º lugar entre as 100 pessoas mais influentes do mundo. Desde janeiro de 2023, é Assessor-Chefe da Assessoria Especial do Presidente da República.
