A mudança na lógica de publicação de trabalhos científicos precisa ser considerada ao se analisar as tendências atuais para a divulgação dos resultados de pesquisa. A transição do modelo de acesso exclusivo para assinantes para o acesso aberto (AA) começou a se estabelecer a partir do início deste século com a iniciativa do grupo PLOS por meio da cobrança de taxas de publicação (APCs, na sigla em inglês) a fim de garantir acesso aberto ao seu conteúdo. A louvável intenção de não vincular o acesso à pesquisa científica ao pagamento de assinaturas dos periódicos fez prosperar uma indústria de editoras com taxas de publicação que hoje podem atingir US$ 12 mil, como algumas das mais prestigiosas publicações do grupo Nature,que utiliza o modelo híbrido de acesso (cobram APC para publicação em AA, mas também publicam artigos de acesso restrito que requerem assinatura do periódico).
Alcançar um compromisso aceitável entre tornar os artigos científicos acessíveis a todos sem inviabilizar a publicação dos resultados por aqueles que não contam com recursos suficientes para cobrir as APCs é uma equação ainda não resolvida. Há hoje vários modelos de negócio praticados pelas editoras de acesso aberto (bronze, verde, diamante, ouro, híbrido), observando-se, ao longo dos últimos 23 anos, um decréscimo no número de artigos publicados em periódicos que requerem assinatura para acesso ao conteúdo e um aumento correspondente de publicações na modalidade acesso aberto ouro, na qual o trabalho torna-se imediatamente disponível com a transferência de direitos autorais para a editora.
Os valores exorbitantes de APCs praticados por editoras que lideram o mercado de AA (Frontiers, Wiley, Springer Nature, Elsevier, MDPI) fizeram com que o lucro dessas editoras comerciais disparasse nos últimos anos, passando de aproximadamente US$ 900 milhões, em 2019, para US$ 2,5 bilhões, em 2023. Esses números impressionantes decorrem do aumento no número de publicações em periódicos de AA, que em sua maioria carece de uma política editorial rigorosa, e à tendência de autores mais abastados publicarem em periódicos de maior reputação (como os do grupo Springer Nature), que praticam, em geral, os maiores valores de APC.
Cerca da metade dos aproximadamente 5,2 milhões de trabalhos científicos publicados em 2023 o foram por meio de pagamentos de APCs pelos autores, o que demonstra que, apesar de suas inequidades e mazelas, esse modelo de negócio encontra-se estabelecido. A questão passa a ser: como assegurar condições para que cientistas com diferentes orçamentos de pesquisa possam garantir a disseminação adequada de seus resultados? As publicações do grupo PLOS isentam de APC um grupo de cerca de 130 países, com base em parâmetros econômicos, caso a pesquisa tenha sido financiada em pelo menos 50% por um desses países (algo nem sempre fácil de mensurar), enquanto outras editoras acenam com descontos que nem sempre são suficientes para acomodar os valores de APC no orçamento de pesquisa. Temos aqui algo que não difere, em sua essência, das práticas dos antigos mercadores: o valor da mercadoria é função de quanto o interessado está disposto a pagar. Seu valor inicial é inflado para que, ao final da negociação, a editora ainda garanta o lucro desejado.
Enquanto o lucro das editoras comerciais vem crescendo de forma exuberante desde que o modelo de pagamento de APCs se estabeleceu, cresce a pressão sobre elas para que adotem práticas que garantam maior equidade, que vão desde acordos do tipo guarda-chuva, em que a instituição à qual o pesquisador está filiado financia a editora de modo que os autores possam publicar nos periódicos sem que tenham eles mesmos que desembolsar o valor da APC, até isenção ou 50% de desconto automático para grupos de países com base em parâmetros econômicos, à semelhança do que o grupo PLOS já vem praticando há alguns anos. As editoras de organizações científicas sem fins lucrativos são uma excelente opção pois, apesar de a maioria também oferecer periódicos de AA, não visam ao lucro e oferecem condições mais razoáveis de APCs, estando abertas, de forma menos predatória, a acordos com instituições de pesquisa e de financiamento à pesquisa como o caso do acordo firmado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), a American Chemical Society, o Institute of Electrical and Electronic Engenieers Incorporated (IEEE) e, mais recentemente, com a Wiley. A Unicamp tem acordos de isenção com a Taylor&Francis e com a Microbiology Society.
Um modelo mais radical, apoiado pela Fundação Gates, é o de incentivar a mera postagem de preprints dos artigos científicos em repositórios como arXiv, ChemRxiv and BioRxiv, reservando o orçamento para custear os gastos dos experimentos. Como afirma a colega Alicia Kowaltowski, em recente depoimento a um jornalista do periódico Science: “Se pagamos para publicar, acabamos perdendo fundos para outras coisas”.
O modelo de AA traz em seu bojo um outro desafio, maior que o de garantir algum grau de equidade para aqueles que não dispõem dos recursos necessários para o pagamento de APCs: por se tratar de um negócio extremamente lucrativo, a tendência é relaxar os padrões de qualidade a fim de aumentar o fluxo de recursos para essas editoras. O número absurdo de convites para publicações em revistas de acesso aberto que chegam a nossas caixas de mensagem diariamente traduz a ânsia dessas editoras por atrair autores incautos e aumentar o faturamento. Torna-se então necessário exercer cautela e buscar periódicos que garantam uma análise criteriosa e profissional da qualidade dos trabalhos por eles publicados.
A escolha do periódico é sempre uma decisão que reflete o leitor que se quer atingir e está vinculada à relação de periódicos que o autor reconhece como os mais importantes de sua área e que compõem a sua lista de leitura regular. É assim natural que se busque publicar nesses periódicos, ainda que mais rigorosos em suas avaliações, evitando-se soluções mais fáceis, geralmente atreladas ao pagamento de APCs, mas que provavelmente irão relegar o trabalho a um nível de obscuridade indesejado.
Com o crescimento excessivo de revistas predatórias e a consequente diminuição dos padrões de exigências para publicação, o número de publicações não deve mais ser considerado como critério do vigor da pesquisa científica. Ainda que apenas o tempo possa atestar a real relevância de um trabalho científico, o número de citações que uma publicação alcança é uma aproximação do grau de interesse por ela despertado, assumindo-se que de fato tenha sido lido por aquele que o cita.
O Brasil há anos encontra-se entre os 15 países com o maior número de publicações científicas, mas ainda não conseguiu atingir uma taxa de citações que o coloque entre os primeiros no ranking de citações. Segundo dados da Scimago Journal Country Rank, para o período 1996-2023, a média de citações dos artigos nesse período, tendo pelo menos um autor com endereço de correspondência em nosso país, foi de 15,71/documento, abaixo daqueles de países latino-americanos como Argentina, Uruguai, Mexico e Chile. Essa mesma base de dados registra, para o ano de 2023, aproximadamente 89 mil documentos vinculados a um endereço brasileiro com média de citações de 0,69/documento ainda inferior aos países latino-americanos citados acima.
Devemos nos esforçar para que nossos resultados de pesquisa façam uma diferença em nossas áreas de interesse e, para isso, que sejam publicados nos periódicos mais prestigiosos de nossa área, ainda que o modelo APC tenha vindo para ficar. Um desafio que precisa ser assumido por todos os envolvidos é buscar uma transição da lógica meramente numerológica que predomina em várias instituições e agências de pesquisa de nosso país (e entre muitos pesquisadores) para um modelo em que se privilegie um padrão de qualidade e excelência que faça avançar as fronteiras do conhecimento. Afinal, é por isso que a ciência nos apaixona.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.
Ronaldo A. Pilli é professor titular do Instituto de Química da Unicamp (e-mail: rapilli@unicamp.br)