Maria Luiza Moretti
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A professora Maria Luiza Moretti possui graduação em medicina (1976), mestrado em ciências médicas (1983), doutorado em medicina interna (1989) e título de livre-docente (1999), todos pela Unicamp. É professora titular da Área de Infectologia do Departamento de Clínica Médica da Unicamp, com vasta experiência em medicina interna, com ênfase em clínica médica e infectologia. Seus principais temas de pesquisa incluem epidemiologia hospitalar, micologia médica, tipagem molecular, epidemiologia molecular e doenças infecciosas emergentes.
Entre os cargos ocupados, foi diretora clínica do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp (2004-2006), coordenadora da Seção de Epidemiologia Hospitalar (2007-2014 e 2018-2020), presidente da Sociedade Paulista de Infectologia (2006-2008) e coordenadora da Comissão de Pesquisa da FCM da Unicamp (2014-2018).
Desde 1998, coordena o Laboratório de Epidemiologia Molecular e Doenças Infecciosas (Lemdi), que realiza diagnósticos avançados para infecções fúngicas e estudos de resistência a antifúngicos.
A professora possui longa trajetória em projetos internacionais, especialmente com a Chiba University (Japão), em cooperação com a Japan International Cooperation Agency (JICA), destacando-se o projeto Satreps-Mire (2018-2022), focado no desenvolvimento de ferramentas de diagnóstico para fungos resistentes a medicamentos. Atualmente, coordena o projeto multicêntrico Latin America Aspergillus fumigatus Azole Resistance Survey, patrocinado pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) dos Estados Unidos. Desde 2021, exerce o cargo de coordenadora-geral (vice-reitora) da Unicamp, com mandato até 2025.
Temas em debate
JU – A universidade pública passou, nos últimos anos, por profundas transformações. Nesse contexto, quais são, em sua opinião, os maiores desafios que estão por vir e de que forma irá enfrentá-los?
Maria Luiza Moretti – Na minha visão, colocam-se questões como a do financiamento da Universidade. A crescente demanda por recursos financeiros para manter e expandir as atividades da Universidade é um desafio constante, principalmente com a recente reforma tributária em São Paulo, com a implementação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). A Unicamp precisa diversificar suas fontes de financiamento, buscando recursos junto ao setor privado, a organismos internacionais e a outras instituições.
Outro desafio é a busca por maior autonomia institucional, o que é fundamental para que a Universidade possa definir suas próprias prioridades e direcionar seus recursos de forma mais eficiente. Para isso, é necessário um modelo de gestão mais eficiente e transparente, com o uso de ferramentas tecnológicas e a participação da comunidade universitária na tomada de decisões. Outra questão é a valorização dos recursos humanos da Universidade, essencial para a manutenção da qualidade do ensino e da pesquisa na Unicamp, por meio de investimentos em programas de desenvolvimento profissional, salários competitivos e garantia de condições de trabalho adequadas para seu quadro de profissionais. Quanto aos desafios acadêmicos e de pesquisa, está a manutenção da excelência acadêmica. A Unicamp precisa continuar investindo em seus programas de graduação e pós-graduação, garantindo a formação de profissionais altamente qualificados e a produção de pesquisa de excelência. Para isso, é necessário fortalecer seus mecanismos de transferência de tecnologia para o setor produtivo, estimulando a criação de startups e o desenvolvimento de novos produtos e serviços. Além disso, a crescente complexidade dos problemas globais exige que a pesquisa seja cada vez mais interdisciplinar. A Unicamp deve promover a colaboração entre diferentes áreas do conhecimento e fomentar a criação de centros de pesquisa interdisciplinares. A atração e retenção de talentos é outro desafio que se coloca para a Unicamp.
JU – A política nacional foi marcada, nos últimos anos, por disputas renhidas entre dois pólos ideologicamente antagônicos, cujas diferenças acentuaram-se ainda mais nas últimas eleições. De que forma a sua gestão pretende interagir com as diferentes instâncias de governo?
Maria Luiza Moretti – A ascensão de governos com viés autoritário e anti-intelectual pode gerar um ambiente hostil para as universidades, com cortes de orçamento, censura e ataques à liberdade acadêmica, o que pode afetar a qualidade do ensino e das pesquisas. A Unicamp precisa buscar, constantemente, o diálogo com os governantes e com os tomadores de decisão, além de se fortalecer institucionalmente e construir alianças com outras universidades e instituições para resistir a essas possíveis ameaças.
JU – O aumento da diversidade no perfil de alunos ingressantes trouxe novos desafios relacionados à permanência na Universidade, seja no que diz respeito aos aspectos pedagógico e de recursos financeiros, seja no caso de necessidades específicas. Como o(a) sr.(a) pretende combater e diminuir a evasão?
Maria Luiza Moretti – Promover a inclusão e a permanência de estudantes de diferentes origens sociais, étnico-raciais, gênero e com deficiência é um compromisso inegociável da nossa gestão. Acreditamos que um ambiente acadêmico diverso e acolhedor enriquece a experiência de aprendizagem, fomenta a troca de conhecimentos e perspectivas e contribui para a formação de cidadãos mais críticos e engajados. Nossa política de permanência estudantil incorpora auxílios referentes à moradia, à alimentação e ao transporte, além de apoio na área educacional, social, cultural, psicológica e psiquiátrica, e outras atividades na área de carreiras. A proposta é fortalecer e ampliar essas ações, como o investimento em recursos e serviços de acessibilidade para garantir a inclusão de estudantes com deficiência, como tradutores e intérpretes de Libras, materiais didáticos em Braille, softwares de leitura de tela e adaptação de espaços físicos.
Para garantir o acesso e a permanência de estudantes de grupos historicamente marginalizados, a Unicamp já oferece programas e ações de apoio, com o objetivo de reduzir a evasão e promover a igualdade de oportunidades. No entanto há necessidade de atualizarmos nosso conhecimento sobre o jovem brasileiro que vem para a Universidade hoje, por meio do diálogo com nossos estudantes, para que as ações e os programas estejam sempre atualizados. Vamos fortalecer o Sistema de Cotas para ingresso nos cursos de graduação, que reserva vagas para estudantes de escolas públicas, pretos, pardos e indígenas e pessoas com deficiência. Esse sistema tem sido fundamental para democratizar o acesso à Universidade e garantir a representatividade de diferentes grupos sociais. Manter e ampliar as diferentes modalidades de bolsas e auxílios para estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica, incluindo auxílio-moradia, alimentação, transporte, material didático, inclusão digital e saúde. Esses auxílios são essenciais para garantir que os estudantes possam se dedicar integralmente aos estudos e permanecer na Universidade.
JU – A pós-graduação enfrenta uma crise sem precedentes no país, com uma queda na procura e, consequentemente, no número de ingressantes. Na Unicamp, guardadas as proporções, o cenário não é diferente. Quais são os seus planos para a área?
Maria Luiza Moretti – Nossos programas de pós-graduação formam líderes em diversas áreas do conhecimento, profissionais altamente qualificados que atuam como pesquisadores, docentes, gestores e empreendedores, impactando positivamente a sociedade. Porém a pandemia da covid-19 impactou o ensino de pós-graduação e a pesquisa a nível mundial. Entre 2019 e 2023, a Unicamp apresentou uma queda expressiva no número de titulações, tanto de mestrado quanto de doutorado. Em 2019 a Unicamp formou 2.503 titulados entre mestres e doutores, e esse número foi progressivamente diminuindo nos anos seguintes: 2.216 titulados (2020), 1.646 titulados (2021), 1.645 titulados (2022) e, em 2023, houve uma recuperação do número de formados com 1.977 titulados.
Diante disso, faz-se necessário aprimorar a gestão da pós-graduação, por meio da modernização dos processos de gestão, tornando-os mais eficientes e transparentes. Além disso, a pós-graduação deve ser atrativa para os nossos alunos. Já existe uma discussão sobre a realização do doutorado direto, para encurtar o tempo de formação dos pós-graduandos, o que se tornaria mais vantajoso para os alunos.
A proposta da minha gestão para a pós-graduação é aprimorar e promover a colaboração dos alunos com empresas. As empresas podem investir em bolsas de estudo, infraestrutura e projetos de pesquisa, complementando os recursos da Universidade e permitindo a realização de pesquisas de ponta. Essas parcerias possibilitam a realização de estágios, visitas técnicas e projetos em empresas, proporcionando aos estudantes experiências práticas e contato com o mundo profissional. O contato com empresas facilita a inserção dos pós-graduandos no mercado de trabalho, abrindo portas para oportunidades de emprego e carreira.
Além disso, a interação com as empresas permite que a pesquisa acadêmica se volte para problemas reais e demandas do mercado, aumentando sua relevância e impacto na sociedade. A colaboração com empresas estimula a inovação e o desenvolvimento de novas tecnologias, gerando patentes e produtos com aplicação prática.
JU – Quais são suas propostas para ampliar e fortalecer a participação da Unicamp em projetos cooperativos de pesquisa, nos âmbitos nacional e internacional, que contemplem temas prementes e os principais desafios contemporâneos?
Maria Luiza Moretti – A Unicamp se destaca pela produção de conhecimento de ponta, com publicações em periódicos de alto impacto, patentes e inovações tecnológicas que contribuem para o avanço da ciência. Acreditamos que a pesquisa é a base para a construção de uma universidade forte, inovadora e comprometida com o desenvolvimento do país. Nossa gestão está comprometida com criar um ambiente estimulante e apoiador para que a pesquisa na Unicamp continue florescendo e gerando impacto positivo na sociedade.
A excelência da pesquisa na Unicamp confere à universidade reconhecimento e visibilidade nacional e internacional, atraindo estudantes, pesquisadores e investimentos. A Unicamp participa, ativamente, de redes de pesquisa internacionais, promovendo a colaboração entre pesquisadores de diferentes países e o desenvolvimento de projetos de grande relevância. Na nossa gestão, pretendemos ampliar o investimento em pesquisa, com o aumento do investimento em bolsas de estudo, auxílios à pesquisa e infraestrutura, garantindo as melhores condições para o desenvolvimento da pesquisa na Unicamp. Para isso, pretendemos fortalecer o escritório Grant Office para colaborar com os pesquisadores e alunos no que se refere ao desenvolvimento da pesquisa. Vamos incentivar a pesquisa interdisciplinar para promover a interação entre diferentes áreas do conhecimento, estimulando a criação de projetos de pesquisa interdisciplinares e inovadores. Além disso, vamos fortalecer a internacionalização da pesquisa, por meio da ampliação dos programas de intercâmbio, para atrair pesquisadores estrangeiros e para fortalecer as parcerias com universidades de renome internacional. Entendemos que também devemos valorizar a pesquisa com impacto social, com o desenvolvimento de projetos de pesquisa que abordam problemas sociais relevantes e que contribuam para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Nosso foco também será o de promover a divulgação científica, tornando a pesquisa desenvolvida na Unicamp acessível à sociedade e despertando o interesse pela ciência.
JU – Que avaliação o(a) sr.(a) faz sobre as relações da Universidade com as diferentes esferas da sociedade e o papel da extensão nesse contexto? De que forma o(a) sr.(a) pretende incrementá-las?
Maria Luiza Moretti – A extensão universitária é um dos pilares que sustentam a missão da Unicamp como universidade pública. É por meio dela que a Universidade se conecta com a sociedade, compartilhando seus conhecimentos e recursos para promover a transformação social e o desenvolvimento humano. Reconhecemos a importância estratégica da extensão e da cultura e propomos ações para fortalecer ainda mais essa área, ampliando seu impacto e alcance. Trata-se de um processo dialógico e bidirecional, que promove a troca de saberes entre a Universidade e a comunidade, gerando benefícios mútuos e construindo um caminho para a transformação social. Por meio de projetos, cursos, eventos e ações culturais, a Unicamp compartilha sua expertise com a sociedade e, ao mesmo tempo, aprende com as demandas e realidades locais.
Nossa gestão pretende ampliar o investimento em projetos de extensão, garantindo recursos para a sua realização e a participação de estudantes e docentes; incentivar a interdisciplinaridade por meio da interação entre diferentes áreas do conhecimento em projetos de extensão, buscando soluções integradas para os desafios da sociedade; fortalecer a relação com a comunidade por meio de canais de comunicação eficazes com a comunidade, ouvindo suas demandas e construindo parcerias para o desenvolvimento de projetos de extensão. Pretendemos valorizar a cultura e a diversidade por meio de atividades artísticas, culturais e de difusão científica que valorizem a diversidade e estimulem o diálogo intercultural. Incentivaremos a integração da extensão com o ensino e a pesquisa, criando um ciclo virtuoso de produção e compartilhamento de conhecimento.
JU – Em que medida o seu programa de gestão contempla a diversidade do conjunto de servidores, dos técnico-administrativos aos docentes, e quais são as suas principais propostas no que diz respeito à valorização das carreiras e ao aprimoramento dos mecanismos de progressão?
Maria Luiza Moretti – Nosso Plano de Gestão propõe a valorização dos servidores técnico-administrativos e docentes, garantindo progressão de carreira transparente, valorização por mérito e qualificação, além de medidas afirmativas para grupos sub-representados. Comprometemo-nos com a diversidade, assegurando equidade na progressão, especialmente para mulheres chefes de família e profissionais em licença-maternidade. Incentivamos a participação de minorias em projetos de extensão e ações institucionais, promovendo a contratação de docentes indígenas e a ampliação das cotas étnico-raciais. Na carreira docente, propomos revisão dos critérios de avaliação institucional, reduzindo burocracia e garantindo que diferentes atividades sejam contempladas. A valorização do professor sênior será fortalecida, com incentivo à permanência na Universidade e apoio financeiro por meio de premiações e taxas de bancada. Também ampliaremos o fomento à qualificação, incluindo participação em eventos científicos, estágios e programas de formação continuada. Na carreira técnico-administrativa (Paepe), garantiremos recursos financeiros para progressão e avaliação, ampliando oportunidades e descentralizando a avaliação da carreira, permitindo mais autonomia às unidades e distribuição equitativa dos recursos. Criaremos um Banco de Talentos para promover mobilidade entre unidades e um desenvolvimento profissional mais dinâmico. Também ampliaremos capacitações técnicas, administrativas e de gestão, além de modernizar processos de contratação e trabalho remoto, garantindo maior flexibilidade na administração.
JU – É consensual a percepção de que a reforma tributária pode colocar em risco o atual sistema de financiamento das universidades públicas paulistas. De que forma o(a) sr.(a) pretende atuar para assegurar a manutenção da autonomia financeira?
Maria Luiza Moretti – A recente reforma tributária em São Paulo, com a implementação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), traz à tona a questão crucial do financiamento das universidades estaduais, como a Unicamp. Embora a promessa seja de simplificar o sistema tributário e aumentar a arrecadação, é fundamental analisar as implicações dessa nova estrutura para o setor educacional.
A expectativa é que o IBS gere uma maior arrecadação para os cofres estaduais, o que, em tese, poderia resultar em um maior repasse de recursos para as universidades. Outro ponto é a simplificação do sistema, pois a unificação de diversos impostos em um único tributo pode reduzir a burocracia e facilitar a gestão dos recursos públicos, além também de uma maior previsibilidade, pois com um sistema tributário mais simplificado, as universidades poderiam ter uma maior previsibilidade quanto aos recursos que receberão, o que permitiria um planejamento mais eficiente. Porém a recém-finalizada reforma também apresenta desafios e preocupações, como a distribuição dos recursos. A principal preocupação é como os recursos adicionais gerados pelo IBS serão distribuídos entre as diversas áreas do governo, incluindo a educação. É fundamental garantir que as universidades recebam uma parcela justa e que os recursos sejam utilizados de forma eficiente e transparente. Outra questão é o impacto sobre a economia. A reforma tributária pode ter um impacto significativo sobre a economia do Estado, afetando tanto empresas quanto consumidores. É importante avaliar os efeitos dessa reforma sobre a atividade econômica e como isso pode impactar o orçamento estadual. A autonomia universitária também pode ser afetada pela reforma tributária, centralizando ainda mais as decisões sobre o orçamento e a gestão dos recursos. É fundamental garantir que as universidades tenham autonomia para definir suas prioridades e investir em áreas estratégicas. Para que a reforma tributária seja benéfica para as universidades, é necessário que haja um compromisso político com a educação.
Glossário de siglas
- Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
- CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
- Cruesp – Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas
- FCM – Faculdade de Ciências Médicas
- FEF – Faculdade de Educação Física da Unicamp
- FMRP – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
- Funcamp – Fundação de Desenvolvimento da Unicamp
- ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
- Inova – Agência de Inovação Inova Unicamp
- Paepe – Profissionais de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão
- PPGs – Programas de Pós-Graduação
- Proeec – Pró-Reitoria de Extensão, Esporte e Cultura
- PRP – Pró-Reitoria de Pesquisa
- RDIDP – Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa
- UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
- Unesp – Universidade Estadual Paulista
- USP – Universidade de São Paulo