José Antônio Rocha Gontijo

Nasci em 1956, natural de Piumhi (MG), cidade incrustada em um vale entre a Serra da Pimenta e a Serra da Canastra.
Por dez anos, vivi itinerante às margens do Rio Grande a partir de Piumhi, onde cursei o primário e, durante o ginásio e colégio, passei por oito instituições, consequência de mudanças em função do trabalho de meu pai. Aprovado em primeiro lugar, em 1974, para a graduação em medicina na Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (UnB), colei grau em 1981.
Associando a clínica médica e experimentação científica, procurei uma área de conhecimento na qual pudesse integrar esses propósitos. Assim, fiz residência médica em nefrologia no Departamento de Clínica Médica da FMRP da USP. Em 1983, casei-me e, desse casamento, tenho três filhos dos quais muito me orgulho. Em 1983, iniciei a pós-graduação na FMRP-USP. Em 1987, ainda com o doutorado em andamento, assumi função de técnico-didático em medicina interna e semiologia em RDIDP na Unicamp. Entre 1992 e 1994, realizei pós-doutoramento na Universidade de Iowa (Estados Unidos), ampliando minha experiência internacional.
Na FCM, coordenei a Comissão de Pós-Graduação, fui diretor associado e diretor da faculdade. Em nível nacional, coordenei área de Medicina I da Capes por oito anos. Fui chefe do Gabinete do Reitor da Unicamp, colaborando com a gestão da Universidade em um período muito desafiador.
Atualmente, como professor titular na FCM, dedico-me à docência e à pesquisa em função renal, controle neural do rim, hipertensão arterial e os efeitos do estresse nutricional na ontogênese renal. Sou bolsista produtividade 1D do CNPq, publiquei cerca de 180 artigos em periódicos científicos nacionais e internacionais, além de dez capítulos de livros. Orientei ou oriento 36 mestrados, 30 doutorados e 4 projetos de pós-doutorado, refletindo meu compromisso com a formação de novos pesquisadores. Com essa trajetória, estabeleci uma referência na área de medicina, tanto no Brasil quanto internacionalmente.
Temas em debate segundo turno
JU – Novos cursos, entre os quais o de direito, devem ser implantados na Unicamp nos próximos anos, de acordo com uma proposta apresentada no Conselho Universitário (Consu). O sr. apoia a criação desses cursos e, se sim, quais as iniciativas previstas para a sua implementação?
José Antônio Rocha Gontijo – Sim, apoio de forma inequívoca a criação de novos cursos, incluindo o de direito.
A Universidade precisa se renovar de tempos em tempos, pois as necessidades da sociedade e o conhecimento evoluem. Essa renovação inclui tanto a reformulação de cursos existentes quanto a introdução de novas formações que ampliem as oportunidades para a formação de agentes transformadores da sociedade.
A criação de um novo curso exige um processo estruturado, que começa com a identificação de nichos de necessidade, da demanda, da importância social e da relevância acadêmica. É essencial estudar como o novo curso se encaixa no ecossistema já existente, tanto o geográfico quanto o do conhecimento. Há a necessidade de que o novo curso tenha uma harmonia com o plano estratégico da Universidade, sua visão e sua missão. Outro fator crucial é o dimensionamento dos recursos humanos (de forma a não sobrecarregar os docentes que já atuam na unidade), de capital e de custeio que o curso exige e o planejamento de, em quanto tempo, essas necessidades serão supridas. Finalmente, a proposta do curso passa pelas instâncias deliberativas que discutirão tanto o projeto pedagógico quanto o de implantação ao longo de um plano de médio prazo.
Somos entusiasmadamente favoráveis ao curso de direito. A grandeza da Unicamp demanda um curso dessa natureza e o apoio explícito do entorno político da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) é muito positivo. A implantação de um novo curso deve ser um projeto discutido amiúde pela Universidade inteira, junto com a sociedade, e as condições importantes a serem observadas são a sustentabilidade da proposta e que a mesma não conflite com necessidades dos cursos já existentes por recursos, tanto humanos quanto financeiros.
JU – O Consu aprovou a reserva de vagas para pessoas com deficiência (PCDs), e outras iniciativas vêm sendo debatidas, entre as quais a adoção de cotas para pessoas trans. Quais são suas propostas para tratar essas novas demandas e, especificamente, para a graduação?
José Antônio Rocha Gontijo – Em nossa visão, a Universidade deve ser um espaço virtuoso para a sociedade, onde as nossas formas de conduta e o ambiente de geração e aplicação de conhecimento sejam modelares. Nesse aspecto, dar oportunidades para o desenvolvimento das minorias sub-representadas na sociedade é um aspecto importante. Essa sub-representação tem causas diversas, a depender do grupo que tratamos, e, por isso, os mecanismos devem ser elaborados em e adaptados a cada contexto.
No caso da população das pessoas trans, os números, embora imprecisos e provavelmente bastante subestimados, são alarmantes: segundo levantamentos*, cerca de 2% da população adulta brasileira, ou seja, cerca de 3 milhões de pessoas, se consideram trans ou não binárias. A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) estima que 70% da população trans e travesti brasileira não conclui o ensino médio e muitas pessoas trans costumam abandonar a escola antes de concluir a educação básica devido ao preconceito. Também se estima que 90% da população trans brasileira tem a prostituição como principal fonte de renda.
Ou seja, trata-se de uma parcela extremamente vulnerável e marginalizada na nossa sociedade.
Nesse caso, é papel da Universidade avaliar os vários aspectos da inserção digna dessas pessoas na sociedade. Pela missão da Universidade, sabe-se que a educação é uma das formas de se fazer isso, de se prover condições de transformação das perspectivas de vida das pessoas.
O debate sobre as ações afirmativas para pessoas trans já está em andamento na Unicamp, com audiências públicas e a atuação de coletivos trans dentro da instituição. Isso garante que a discussão seja ampla e bem fundamentada, sem retrocessos. E, naturalmente, sou favorável, sim, a ações afirmativas que contemplem a população trans, pois são essenciais para que a Universidade cumpra sua missão de promover equidade e justiça social.
*Censo Trans, uma iniciativa da Rede Trans Brasil.
JU – A produção científica da Unicamp é reconhecidamente uma das mais expressivas do país, tanto no número de pesquisas relevantes e inovadoras como na quantidade de patentes. O que o sr. pretende fazer para que essa produção seja difundida, renda parcerias estratégicas e, em última instância, beneficie a sociedade?
José Antônio Rocha Gontijo – A Unicamp se distingue das demais universidades exatamente em sua força de inovação e transferência dos processos e produtos das pesquisas para a sociedade. Esse é um dos eixos mais relevantes do nosso impacto na sociedade. Mas podemos e devemos ir além, sabendo que a inovação é a força motriz para a transformação econômica, social, cultural e ambiental de um país.
Nesse aspecto, é importante reforçar o ecossistema de inovação e o papel da Agência de Inovação da Unicamp (Inova Unicamp).
A Unicamp deve ter apoio para uma gestão eficiente e ágil para promover parcerias estratégicas tão importantes. Tais parceiros podem ser empresariais, industriais, sociais, públicos, no sentido de que a tecnologia não é somente produtiva, como classicamente se fazia, pois deve abranger também a inovação social.
Mecanismos como workshops, feiras e eventos para a construção de parcerias (matchmaking) são essenciais para, tanto na gestação de projetos (estágios iniciais de pesquisa e TRL – sigla em inglês para nível de maturidade tecnológica) quanto nas fases mais finais de aplicações e concessões de patentes já depositadas.
Também devemos promover um alinhamento das ações da Inova com o HIDS, uma vez que este hub é essencial nesse processo de impacto e futuro, com forte foco em sustentabilidade envolvendo múltiplas áreas do conhecimento.
É importante conectar também a ciência básica, de forma holística, aos processos de propriedade intelectual e ao empreendedorismo. O empreendedorismo, por sua vez, se beneficiaria com um ecossistema deeptech com laboratórios multiusuários modernos para uma real interação academia-nova empresa.
Por fim, e não menos importante, devemos ampliar a importância da Unicamp na inovação e gestão de políticas públicas, trabalhando em sintonia com os poderes públicos locais para expandir as ações de inovação social. A tecnociência solidária também deve ser estimulada, pois essas iniciativas garantem que o conhecimento gerado beneficie diretamente a sociedade, promovendo um desenvolvimento econômico, social e ambiental sustentável.
JU – Quais serão os critérios adotados pelo sr. para o preenchimento de cargos em unidades e órgãos estratégicos e diretivos da Universidade?
José Antônio Rocha Gontijo – Permitam-me dividir esta resposta em duas partes: preenchimento de cargos em equipes de trabalho e em posições diretivas.
Já dissemos, em vários fóruns da Universidade, que a Unicamp precisa consolidar a carreira Paepe como uma carreira pública de fato. Uma carreira em que a expertise e o aprimoramento sejam valorizados e a progressão não tenha um aspecto de competição entre os pares, o que somente aumenta o tensionamento dos locais de trabalho. O funcionário de carreira, como dizemos coloquialmente, é a base do mantenedor de competências e expertises que tornam as unidades e os órgãos estratégicos fortes e consistentes, menos vulneráveis às mudanças de gestão, exatamente porque sua experiência e seu conhecimento asseguram, junto com processos bem desenhados e estabelecidos, o pleno funcionamento da Universidade. Assim, o preenchimento de vagas nas equipes de trabalho deve ser feito com esse olhar das competências.
Do ponto de vista do preenchimento das vagas diretivas, muitas unidades e muitos órgãos já possuem regimentos específicos que dizem quais são os mecanismos de recomendação: consultas à comunidade e eleições ou indicações. No primeiro caso, o resultado da consulta/eleição deve ser respeitado pelo reitor. No caso das indicações, novamente a experiência e a expertise devem ser os critérios de preenchimento e jamais favores ou as relações pessoais.
Também ressaltamos que uma preparação dos gestores a assumirem determinados cargos deve ser feita. Muitas vezes, falta a esses profissionais dos cargos diretivos o conhecimento de conceitos administrativos e de gestão de pessoas, importante para o bom funcionamento dos locais. Nesse sentido, temos que ampliar a capacidade da Escola de Educação Corporativa (Educorp) e da gestão de pessoas na Diretoria Geral de Recursos Humanos (DGRH) para que o apoio aos diretores e gestores seja real.
JU – Parte significativa do orçamento da Universidade destina-se à área da saúde. Em contrapartida, o setor hospitalar é a ponta mais visível da interface da Unicamp com a sociedade. O sr. é favorável à manutenção desse custeio ou defende outras formas de financiamento?
José Antônio Rocha Gontijo – Sou favorável à manutenção do custeio da área da saúde e também à busca de novas fontes de financiamento. A Unicamp desempenha um papel crucial na assistência hospitalar e na formação de profissionais da saúde, e a área da saúde representa um campo importante para a pesquisa, a inovação e a extensão para todas as unidades da Unicamp.
Não existe uma solução única, um “remédio milagroso”, para os desafios de financiamento da área da saúde. Será necessário um conjunto de ações para que o setor se recupere e cresça, sem comprometer o restante da Universidade. Ao mesmo tempo, a própria Unicamp não pode ser um entrave para que a área da saúde receba os apoios que outras instituições conseguem.
Nesse sentido, o modelo atual precisa passar por melhorias nos processos, tornando-se mais ágil e eficiente no dia a dia. A desburocratização da gestão hospitalar é essencial para reduzir os custos operacionais indiretos (overheads) e garantir que os recursos sejam aplicados de forma mais assertiva e produtiva.
Além disso, a diversificação do financiamento é fundamental. Devemos ampliar a participação dos governos estadual e municipal no custeio dos serviços assistenciais prestados pelos hospitais da Unicamp, que hoje não recebem a devida contrapartida. Também é necessário buscar fontes extraorçamentárias e parcerias estratégicas com o setor público e privado.
Por fim, a modernização da infraestrutura hospitalar, a recuperação de áreas depreciadas e a capacitação e valorização profissional são medidas essenciais para qualificar ainda mais os serviços prestados. A Unicamp tem um compromisso inegociável com a saúde pública, e nosso desafio é garantir que esse compromisso seja sustentável no longo prazo.
Uma área da saúde moderna e dinâmica, capaz de responder às demandas crescentes da sociedade na assistência, pesquisa, inovação e extensão, e que seja financeiramente sustentável, é de interesse de toda a Universidade, como ocorre nos principais centros acadêmicos do mundo.
JU – Ainda no âmbito da saúde, o governo do Estado já anunciou que não pretende renovar o convênio entre a Unicamp e o Hospital Estadual de Sumaré (HES), cuja gestão é feita com sucesso pela Universidade há mais de duas décadas. Como o sr. avalia a decisão e, caso discorde da medida, o que pretende fazer a respeito?
José Antônio Rocha Gontijo – A decisão do governo do Estado de não renovar o convênio com a Unicamp para a gestão do HES é equivocada. O HES não é apenas um centro de assistência essencial para a comunidade, mas também um espaço fundamental para a pesquisa acadêmica e a formação de estudantes dos diversos cursos da área da saúde. O que é, aliás, uma das missões constitucionais do Sistema Único de Saúde.
A substituição da gestão da Unicamp por meio de um modelo de chamamento público, muitas vezes baseado em lógicas de leilão reverso, ignora fatores essenciais para a qualidade do atendimento e a formação acadêmica. A eficiência em saúde não pode ser avaliada apenas por indicadores financeiros. A excelência no atendimento, a formação humanizada de profissionais e o compromisso com princípios éticos e acadêmicos devem ser preservados.
A perda do HES sob a gestão da Unicamp seria um retrocesso tanto para a assistência à população quanto para a Universidade. No campo da assistência, além da qualidade do cuidado oferecido diretamente naquele hospital, a proximidade na gestão do HES com a área da saúde da Unicamp assim como as pontes construídas com a rede dos municípios da região permitem uma otimização, com qualidade, do uso de todos os equipamentos de saúde da região, com grandes benefícios para a população atendida no HES e até mesmo no Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp. Essa rede é resultado de anos de atuação coordenada de profissionais da Unicamp e das redes municipais. No ensino, o impacto negativo da perda não pode ser subestimado, porque o HES é hoje um campo de estágio e aprendizado fundamental para diversas áreas.
Minha postura será de diálogo ativo com o governo do Estado, demonstrando a relevância da continuidade desse convênio e buscando soluções que garantam a manutenção da qualidade do atendimento e da formação profissional na Unicamp.
JU – Caso o sr. fique em segundo lugar na lista tríplice elaborada pelo Consu com base na consulta à comunidade e mesmo assim venha a ser nomeado, o sr. consideraria legítimo tomar posse ou recusaria o cargo em respeito à vontade coletiva expressa na votação?
José Antônio Rocha Gontijo – Nesse caso, eu recusaria o cargo em respeito à vontade coletiva expressa na votação. Ainda que em outras coirmãs esse tipo de nomeação já tenha ocorrido, na Unicamp há uma tradição consolidada de respeito à escolha da comunidade acadêmica, quase que em uma forma de norma consuetudinária. Essa cultura deve ser preservada, e a minha postura será sempre de respeito à decisão da comunidade e aos princípios democráticos que regem a Universidade.
Temas em debate primeiro turno
JU – A universidade pública passou, nos últimos anos, por profundas transformações. Nesse contexto, quais são, em sua opinião, os maiores desafios que estão por vir e de que forma irá enfrentá-los?
José Antônio Rocha Gontijo – O projeto de Universidade que apresentamos procura manter a articulação entre o modelo que deu certo e outro, que não tem medo de se reinventar, para se tornar mais viva e presente.
Há desafios mais urgentes e de longo prazo.
Dentre os urgentes, há o trabalho a ser feito junto ao Estado de São Paulo, para que as universidades estaduais paulistas se mantenham públicas, gratuitas e autônomas por meio do financiamento público garantido, frente ao novo cenário imposto pela reforma tributária. Trata-se de um processo que deve estar finalizado até 2029.
Com a mesma urgência, há a necessidade de se trabalhar atratividade, manutenção e valorização das pessoas dentro da Universidade e seu senso de pertencimento. As falhas nesse ponto têm causado e agravado em estudantes e em servidores (docentes, pesquisadores ou técnico- administrativos) problemas de saúde mental, conflitos e reflexos na vida interna universitária. A valorização das pessoas passa por ajustar corretamente as carreiras, os mecanismos de progressão, valorização e premiação. É necessária também a instalação de uma cultura de participação e letramento sobre o acolhimento de pessoas pertencentes a grupos sub-representados, o que inclui adaptações estruturais urgentes para um acolhimento digno e pleno.
Precisamos recuperar o protagonismo da Unicamp no cenário estadual e nacional, garantindo participação em debates e definição de políticas públicas no campo das ciências e aplicações. É prioritário preparar a Universidade para o futuro e desburocratizar processos, tornando a Universidade mais ágil, por meio do redesenho de processos que os simplifiquem, usando delegação de competências, adaptações tecnológicas e apoio necessário às equipes.
Quanto aos desafios externos, temos que estar mais próximos, participando da vida do Estado. Uma equipe dedicada a essas relações externas deve estar pronta para atender todas as chamadas. Sendo fundamental a participação efetiva e presente do reitor nessas discussões.
JU – A política nacional foi marcada, nos últimos anos, por disputas renhidas entre dois pólos ideologicamente antagônicos, cujas diferenças acentuaram-se ainda mais nas últimas eleições. De que forma a sua gestão pretende interagir com as diferentes instâncias de governo?
José Antônio Rocha Gontijo – Não nos importa quais as inclinações ideológicas, desde que respeitem os valores pétreos da ética e dos princípios e o respeito a liberdade e dignidade das pessoas. Defendemos que todos devem estar convergentes na missão de tornar a Unicamp um verdadeiro instrumento e patrimônio de evolução da sociedade, como já afirmava Zeferino Vaz.
Independentemente do governo instalado nos âmbitos municipal, estadual ou federal, deve prevalecer a capacidade dialógica com esses entes, preservando os valores pétreos da Unicamp. Obviamente, tais relações não devem ocorrer ao arrepio dos conceitos de valorização da ciência, do bem-estar geral e da democracia.
A Unicamp não pode estar fora das discussões do futuro de São Paulo e do Brasil, reiterando que o reitor tem o mesmo status de um secretário de estado. A universidade deve ser um espaço aberto para o livre debate de ideias sem violência e sem intolerância. Nosso compromisso é com a democracia, que pressupõe sobretudo o respeito ao contraditório e à convivência harmoniosa entre todas as pessoas. A democracia em nosso país ainda se mostra frágil e, por isso mesmo, exige de todos nós um cuidado especial para que ela cresça, se fortaleça e resista a qualquer ataque à sua existência. A discussão de ideias sem fomentar polarizações é um desafio mundial. Queremos abraçar esse desafio. A Universidade tem que ser um espaço de debate livre, inclusivo e de respeito à diversidade. Um espaço que agregue as pessoas em torno do bem-estar em comum e conviva em uma cultura de paz.
Portanto, porque se pretende ser uma universidade ampla e completa, a Unicamp deve assumir e promover a produção de conhecimento, a educação de cidadãos e a formação de profissionais, além de retribuir a sociedade em um amplo leque de áreas de conhecimento; nesse sentido, abraça e integra múltiplos domínios de saber, consubstanciando verdadeiramente a definição e amplitude de uma Universitas.
JU – O aumento da diversidade no perfil de alunos ingressantes trouxe novos desafios relacionados à permanência na Universidade, seja no que diz respeito aos aspectos pedagógico e de recursos financeiros, seja no caso de necessidades específicas. Como o(a) sr.(a) pretende combater e diminuir a evasão?
José Antônio Rocha Gontijo – A inclusão não pode significar somente trazer pessoas de grupos sub-representados para dentro dos campi. É necessário investir no real acolhimento, de maneira digna e eficaz. Dar apoio aos estudantes, para que tenham condições materiais, psicopedagógicas e financeiras dignas de prosseguir a trilha de formação de seu curso. Tão importante quanto é o compromisso da Universidade em preparar a comunidade universitária para receber esses estudantes. Há que se garantir a permanência plena!
Para isso, é necessário investir em moradia, transporte, bolsas de apoio à permanência e alimentação, mas esse investimento deve atender a velocidade das demandas. Do ponto de vista acadêmico, é necessário prover apoio e desenvolver os pré-requisitos de conteúdo e competências para que os estudantes possam ter desempenho que lhes garanta pleno acesso ao conhecimento. Inserir sem garantir permanência física e acadêmica não é uma inclusão plena. Precisamos cuidar, sobretudo, para que as pessoas tenham de fato acesso à educação de qualidade.
Também é necessário um letramento da comunidade interna na forma de acolhimento da diversidade, bem como reconhecer e mitigar as formas inadequadas de conduta.
Nossa missão é estabelecer um modelo virtuoso de inclusão, tendo em vista a riqueza que a diversidade traz à Universidade. Parafraseando Rui Barbosa, isonomia é tratar os iguais na medida de suas igualdades e os desiguais na medida de suas desigualdades. Ou seja, considerar o percurso acadêmico pregresso, a história de vida e as condições dos estudantes que ingressam é fundamental para garantir uma inclusão plena.
JU – A pós-graduação enfrenta uma crise sem precedentes no país, com uma queda na procura e, consequentemente, no número de ingressantes. Na Unicamp, guardadas as proporções, o cenário não é diferente. Quais são os seus planos para a área?
José Antônio Rocha Gontijo – É urgente fazer uma revisão dos objetivos e das trilhas formativas dos nossos programas de pós-graduação (PPGs). Os dados gerais do Brasil são que aproximadamente 25 mil doutores são formados no Brasil, ao passo que a academia absorve cerca de 10 mil deles. Isso significa que a missão da pós- graduação deve ser mais ampla e não focada exclusivamente na formação do pós-graduando para a atuação na academia ou em institutos de pesquisa. É necessário prepará-lo para aplicar a Inovação e o Pensamento Crítico em outras esferas e segmentos da sociedade, os quais já existem e podem ser perfeitamente explorados na Unicamp.
A mudança deve ser estimulada para que nasça da própria área, respeitando-se as suas particularidades, praticando-se a escuta da sociedade e dos pilares estratégicos da área no contexto de nosso país.
A administração central deve fazer o papel de estimular tais reformas e também agir na facilitação de fomentos, convênios de grande porte e também na renegociação de indicadores que avaliam os diversos cursos de PPG para que acompanhem esses novos modelos e desafios que existem além dos muros da Unicamp. Devemos ainda trabalhar estrategicamente para reassumirmos postos de decisão em nível nacional da pós-graduação, de forma a liderar políticas que revertam esse fenômeno.
Quanto à queda na procura pelos cursos de pós-graduação, temos que ter uma postura mais proativa para atrair mais pessoas para esse tipo de formação. Internacionalizar, atrair parceiros de países em desenvolvimento, flexibilizar currículos são pontos passíveis de trabalho. A atração de mais pessoas para o sistema de pós-graduação dar-se-á à medida que fique evidente para a sociedade o impacto da pós-graduação na qualificação e na inserção dos nossos egressos na sociedade.
O desenvolvimento e a independência científica e tecnológica nacional necessitam, mais do que nunca, de profissionais mais qualificados, e os PPGs têm papel fundamental para alavancar esse desenvolvimento.
JU – Quais são suas propostas para ampliar e fortalecer a participação da Unicamp em projetos cooperativos de pesquisa, nos âmbitos nacional e internacional, que contemplem temas prementes e os principais desafios contemporâneos?
José Antônio Rocha Gontijo – A busca de respostas para problemas da sociedade e o compromisso com o desenvolvimento socioeconômico e cultural requerem abertura por parte da Universidade e relação com instituições, instâncias governamentais e de fomento no Brasil e no exterior. A Unicamp, uma universidade internacional, deve estar preparada para liderar e participar de grandes projetos internacionais. Marcas indissociáveis da internacionalização são a assunção de quadros de referência internacionalmente reconhecidos para avaliação das várias atividades e a efetiva capacidade da Universidade de atrair docentes, investigadores, estudantes e técnicos de outras instituições.
A instituição deve dar condições, contrapartidas e processos céleres para que tais projetos sejam implantados. Igualmente, é importante dar apoio aos executores e participantes dos projetos em processos de gestão, administração e apoio jurídico, uma vez que estão realizando uma atividade de interesse da sociedade.
Também é necessário o estabelecimento de prioridades, que não significam a exclusividade dos esforços, mas que ajudarão a formar frentes importantes de atuação da Unicamp na sociedade. Ao passo que cientistas continuarão tendo liberdade para explorar suas áreas de pesquisa, iniciativas interdisciplinares e temas de amplo interesse social, como emergência climática, combustíveis alternativos, saúde da população, inteligência artificial, materiais inovadores, comportamento humano, desconstrução de saberes pela inter-, trans- e multidisciplinaridade bem como estudos sobre diversidade e inclusão, deverão estar no foco das próximas gestões.
É importante reforçar a internacionalização como eixo transversal vital, por meio de parcerias, cotutela, dupla titulação em instituições estrangeiras, busca externa de financiamento, visando atrair a atenção de países estrangeiros para a Unicamp.
Nossa gestão terá como ponto primordial facilitar boas iniciativas e a atração de projetos de pesquisa transformadores para a Unicamp e para o país.
JU – Que avaliação o(a) sr.(a) faz sobre as relações da Universidade com as diferentes esferas da sociedade e o papel da extensão nesse contexto? De que forma o(a) sr.(a) pretende incrementá-las?
José Antônio Rocha Gontijo – A relação mais próxima da Universidade com a sociedade inclui a extensão como forma mais rápida de transferência do conhecimento. Nesse contexto amplo, a geração e aplicação compartilhada do conhecimento nas diversas áreas de conhecimento é a vocação da Unicamp.
Entretanto tal relação não deve ser unilateral, mas deve contemplar o diálogo com as diferentes visões, experiências e conhecimento (universidade e demais atores) assim como as construções coletivas para que as necessidades, os desafios e as demandas da sociedade possam ser enfrentados em parceria.
As ações de extensão devem buscar as demandas da sociedade de tal forma que possamos ser reconhecidos não só como parte importante no ensino, mas também na resolução de seus problemas e necessidades.
Nossa proposta para incrementar e aperfeiçoar nossa relação com a sociedade inclui um planejamento participativo das ações de extensão, esporte e cultura para os próximos anos de curto, médio e longo prazo.
Nessa aproximação estabeleceremos o Conselho Consultivo na escuta permanente da sociedade. Com a força das diretrizes de cursos de graduação apresentarem inserção curricular da extensão, temos condições para aperfeiçoarmos as relações da Unicamp com a sociedade.
A administração central empenhará esforço adicional para apoiar as unidades nessas atividades, considerando as suas especificidades e em todos os campi, com a tramitação ágil de processos, a adequação de profissionais de apoio e recursos financeiros para transporte e aquisição de materiais, entre outras necessidades.
Nesse sentido, é fundamental o reconhecimento de servidores que atuam nestas frentes, inclusive do ponto de vista da avaliação na carreira.
Esperamos que a extensão universitária seja um diálogo permanente com secretarias de municípios e do estado, organizações não governamentais, movimentos sociais e associações corporativas, de modo a inserir toda a comunidade acadêmica em uma miríade de oportunidades de parceria e contribuição com a sociedade.
JU – Em que medida o seu programa de gestão contempla a diversidade do conjunto de servidores, dos técnico-administrativos aos docentes, e quais são as suas principais propostas no que diz respeito à valorização das carreiras e ao aprimoramento dos mecanismos de progressão?
José Antônio Rocha Gontijo – A carreira deve ser vista dentro da Universidade como um elemento estratégico para consolidar seu futuro. Ela deve atrair talentos, ser estimulante e engajadora, para que os nossos servidores se sintam pertencentes à Unicamp e contribuidores dentro das suas competências.
Dessa forma, é preciso prever uma trilha de desenvolvimento de carreira que tenha, desde seu início, etapas muito bem consensuadas e explícitas, que combinem os interesses institucionais aos pessoais e que sejam transparentes e auditáveis, para todas as pessoas.
No caso dos docentes, a carreira é considerada como tendo critérios mais evidentes. No entanto é necessário que sua estrutura seja revista no âmbito do Cruesp, para garantir que continuemos atraindo os cérebros, cérebros e cérebros, como Zeferino tanto citava, essenciais à Universidade. Nesse sentido, o patamar pecuniário inicial da carreira precisa ser revisto, assim como o estímulo deve ser buscado no redesenho das etapas intermediárias até o topo, que deve ser justo e compatível com o ecossistema de carreiras docentes no país e no mundo.
A carreira dos servidores técnico-administrativos enfrenta a necessidade de se consolidar, sendo sua estrutura mantida, salvo pequenos ajustes em um ou outro nível e segmento. O real desafio dessa categoria se encontra na consolidação da carreira como uma trilha de desenvolvimento e entregas evidentes, e o funcionário poder ser, de fato, um profissional de carreira. Hoje, por consequência de uma série de necessidades de ajustes históricos, o processo de progressão leva um colega a competir com o outro em competências e perfis totalmente distintos (funções muito distintas e não comparáveis). Para transicionar entre os dois modelos, será necessário continuar os processos de progressão e, paulatinamente, incrementar recursos suficientes para implantar um plano de desenvolvimento individual que estimule e guie cada profissional na sua trilha de desenvolvimento.
JU – É consensual a percepção de que a reforma tributária pode colocar em risco o atual sistema de financiamento das universidades públicas paulistas. De que forma o(a) sr.(a) pretende atuar para assegurar a manutenção da autonomia financeira?
José Antônio Rocha Gontijo – Trata-se de uma das prioridades mais urgentes de nossa pauta.
É necessário demonstrar que os recursos do tesouro do Estado que a Universidade recebeu nos últimos anos têm sido aplicados de forma correta e consequente, justificando saldos e balancetes existentes, demonstrando investimento na continuidade e crescimento dos trabalhos e o impacto da Universidade na sociedade.
Em termos importância socioeconômica da Unicamp associada ao desenvolvimento regional, temos evidências como o estudo de Laplane e colaboradores (2023 *) sobre os efeitos das empresas-filhas da Unicamp, colocando em relevo o faturamento de R$ 7,9 bilhões em 2019, com um impacto de R$ 7,4 bilhões para o produto interno bruto (PIB) do país, dos quais 91,7% (R$ 6,8 bilhões) ficaram em São Paulo, bem como a criação de 59.600 empregos. Cada R$ 1 de receita dessas empresas gera R$ 0,94 de riqueza (PIB) para o país, e cada dez empregos diretos das empresas-filhas da Unicamp resulta em 19 empregos em todo o país. O impacto total no PIB das empresas-filhas da Unicamp em 2019 foi 3,07 vezes (ou seja, 207% superior) o total de recursos do Tesouro do Estado de São Paulo recebido pela Unicamp naquele ano.
A importância da Unicamp para o desenvolvimento não se resume somente aos resultados quantitativos exibidos. Entre outros aspectos, o reconhecimento por suas pesquisas, seus serviços e sua excelência na formação de capital humano em diversas áreas do conhecimento são estandartes da Unicamp, além dos serviços na área de saúde, tão fundamentais na assistência médica via Sistema Único de Saúde (SUS) para a população de Campinas e região.
Como mencionado antes, também devemos estar presentes em todos os estudos e negociação acerca desse tópico em um diálogo intenso e constante do Cruesp com o governo do Estado e seus entes. Uma equipe dedicada a essas relações externas deve estar pronta para atender todas as chamadas, sendo fundamental a participação efetiva e presente do reitor nessas discussões.
* MARCOVITCH, Jacques et al. Repensar a Universidade III : saberes e práticas. (Projeto Métricas). Universidade de São Paulo. Escola de Comunicações e Artes, 2023. DOI: https://doi.org/10.11606/9786589321422
Glossário de siglas
- Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
- CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
- Cruesp – Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas
- FCM – Faculdade de Ciências Médicas
- FEF – Faculdade de Educação Física da Unicamp
- FMRP – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
- Funcamp – Fundação de Desenvolvimento da Unicamp
- ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
- Inova – Agência de Inovação Inova Unicamp
- Paepe – Profissionais de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão
- PPGs – Programas de Pós-Graduação
- Proeec – Pró-Reitoria de Extensão, Esporte e Cultura
- PRP – Pró-Reitoria de Pesquisa
- RDIDP – Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa
- UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
- Unesp – Universidade Estadual Paulista
- USP – Universidade de São Paulo