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Um grupo de pesquisadores e alunos da Unicamp se reuniu na sede do Instituto de Estudos Avançados (IdEA) na quarta-feira (4), no Encontro de Pesquisadores/as em Engenharia com a Sociedade, para discutir como a academia pode auxiliar a sociedade na resolução de problemas complexos, em diálogo com a área de extensão universitária. As quatro mesas temáticas apresentaram casos em que a Universidade está criando canais para fomentar a utilização de tecnologias com fins sociais por meio da troca de experiências com a comunidade.

Na abertura do evento, o coordenador do IdEA e docente da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Feec), Christiano Lyra, explicou o objetivo da reunião e como ela foi pensada para abranger, neste primeiro momento, apenas iniciativas relacionadas à comunidade da Unicamp. “Este nosso encontro é técnico e acadêmico. Nós estamos mostrando o que pesquisamos e as ideias conjuntas de nossas iniciativas de trabalho e pesquisa, mas se trata também de um encontro político, pois aqui estão pessoas com o desejo de usar o conhecimento para uma sociedade melhor”, declarou Lyra, um dos organizadores da reunião. 

O cooperativismo e a autogestão figuraram como foco dos debates na mesa de abertura, que abordou os desafios do trabalho da Cooperativa Señoritas Courier, formada por mulheres cisgênero e pessoas transgênero na prestação de serviço de entregas, por meio de bicicletas, em aplicativos na cidade de São Paulo. Um dos coordenadores do grupo, o cicloativista Joaquim Renato de Souza, graduando em análise e desenvolvimento de sistemas pela Faculdade São Francisco de Assis, falou sobre o poder do cooperativismo de plataforma no combate à precarização do trabalho e no empoderamento resultante da economia solidária. Coordenador-geral do núcleo de Campinas do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (Ibrat), Souza considera que, apesar do valor do algoritmo humanizado criado pelo Señoritas Courier, o bem mais precioso da cooperativa é seu grande potencial transformador.

“Até pouco tempo, eu fazia entregas de bicicleta para sobreviver. Fui entregador de aplicativo. Então, experimentei em primeira mão a exploração que esse modelo de trabalho impõe aos entregadores e entregadoras. Em muitos dias, eu entreguei comida com fome, sem qualquer suporte, garantia ou remuneração justa. Cheguei a trabalhar mais de 12 horas seguidas com baixos ganhos e sem direitos trabalhistas. A precarização é uma realidade que afeta todos os entregadores”, disse Souza, alertando que a crescente dependência em relação aos aplicativos só vem aumentando esse problema.

O desenvolvedor de sistemas Gustavo Gonçalves, mestre pela Feec e segundo debatedor da mesa, explicou como trabalha no algoritmo do Señoritas Courier considerando não apenas fatores econômicos do serviço de entrega, mas também os impactos das escolhas tecnológicas nos entregadores e entregadoras. Além do foco em ciclologística, a cooperativa organiza passeios turísticos e oficinas de mecânica de bicicletas. Gonçalves, que trabalha com pesquisa operacional, decidiu deixar o setor privado a fim de se dedicar a um mestrado no qual tenta compreender como as frentes contra-hegemônicas do atual processo de uberização do mercado vêm se apropriando das novas tecnologias em busca de um ambiente de trabalho mais solidário e justo. 

A professora Lais Fraga, da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) e graduada em engenharia de alimentos, afirmou ter buscado desde cedo em sua carreira a extensão universitária como forma de aplicar seus conhecimentos e contribuir para que a academia pudesse ter um impacto social mais direto. Uma das organizadoras do encontro e debatedora da mesa de abertura, Fraga ressaltou as contribuições da economia solidária, da autogestão e do cooperativismo nesse estreitamento das relações com a sociedade.

A docente, também coordenadora da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP) da Unicamp, defende a importância de se compreender a ciência como um dos modos de conhecimento, não o único. “Isso é muito complexo, porque as características desse ambiente democrático e autogerido trazem outras demandas, outras perguntas, outras maneiras de trabalhar.”

Gustavo Gonçalvez (à esq.), Joaquim de Souza e Lais Fraga durante a mesa de abertura, que destacou o cooperativismo e a autogestão
O desenvolvedor Gustavo Gonçalvez (à esq.), o cicloativista Joaquim de Souza e a professora Lais Fraga durante a mesa de abertura, que destacou o cooperativismo e a autogestão
O estudante Giovani Valdrighi (à esq.),  o professor Marcos Raimundo e o coordenador do IdEA (à dir.), professor Christyano Lira: a importância das questões éticas na construção de ferramentas de inteligência artificial
O doutorando Giovani Valdrighi (à esq.) e os professores Marcos Raimundo e Christyano Lira debatem a importância das questões éticas na criação de ferramentas de IA

Construção ética

As questões éticas que envolvem a construção de ferramentas de inteligência artificial (IA) foram discutidas pelo professor Marcos Raimundo, do Instituto de Computação (IC) da Unicamp, e seu aluno de doutorado Giovani Valdrighi. Segundo Raimundo, coordenador do Grupo Ética e Regulação em Inteligência Artificial do IdEA, existem diversos exemplos de tecnologias de IA com comportamentos injustos e discriminatórios, como algoritmos com vieses racistas na concessão de crédito ou vieses de gênero na contratação de profissionais, motivo pelo qual torna-se imprescindível o fortalecimento de iniciativas que tenham a ética e a responsabilidade social como premissa na comunidade de IA, buscando sempre garantir a transparência da ciência de dados.

“A comunidade de IA responsável tem crescido razoavelmente, realizando duas grandes conferências nas quais se discutem o viés algorítmico e as questões de regulação, de transparência e de accountability”, afirmou Raimundo. Segundo o coordenador, é possível intervir no processo de desenvolvimento de algoritmos e corrigir problemas para deixá-los mais imparciais, desde quanto ao tratamento de dados até no caso da fase posterior, em que essas ferramentas tomam decisões. “Existe uma técnica que nos permite ter o mesmo resultado mais prático sendo mais justo.”

A ação da engenharia nos territórios da reforma agrária, com foco específico na soberania hídrica, no acesso justo aos recursos hídricos e alimentícios e na importância dos trabalhos de extensão com comunidades na área de tecnologia de alimentos, serviu de tema para a terceira mesa do encontro, com o engenheiro químico Igor Tadeu, do Coletivo Dínamo de Engenharia Popular, e o engenheiro de alimentos Gustavo Costa, mestrando em tecnologia de alimentos na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp.

O engenheiro químico Igor Tadeu: ajudando na implantação de sistema de tratamento de esgoto para cozinha comunitária
O engenheiro Igor Tadeu: ajudando na implantação de sistema de tratamento de esgoto para cozinha comunitária
Imagem colorida da bióloga Maíra Silva
A bióloga Maíra Silva: para doutoranda, experiência na extensão foi ponto central em sua carreira

Durante seu mestrado, Tadeu ajudou a construir um sistema de tratamento de esgoto para a cozinha comunitária do Acampamento Marielle Vive, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em Valinhos (SP). Costa falou sobre sua experiência com extensão na área extrativista de palmito-juçara no Vale do Ribeira (SP) e com o Acampamento Elizabeth Teixeira, em Limeira (SP), envolvendo produtoras agroecológicas.

Na mesa de encerramento, a professora Roberta Ceriani, da Faculdade de Engenharia Química (FEQ), e a pedagoga e pós-doutoranda Danúsia Arantes, da Feec, apresentaram o programa interdisciplinar em pesquisa e extensão Olhos no Futuro, que trabalha a sustentabilidade e a transição energética com alunos de escolas públicas e que é coordenado pelo professor Luiz Carlos da Silva, também da Feec.

A bióloga Maíra Silva, doutoranda no Instituto de Geociências (IG) e membro do Grupo de Pesquisa e Ação em Conflitos, Riscos e Impactos Associados a Barragens (Criab) do IdEA, tratou da questão ambiental sob o prisma dos seus impactos nos povos e comunidades tradicionais. Quilombola da comunidade de Ivaporunduva, no município de Eldorado (SP), Silva trabalhou com extensão na Unicamp e ressaltou o papel central que essa experiência desempenhou em sua carreira. “Para mim, a Unicamp é uma das pioneiras em pensar a extensão como forma de acesso à e de comunicação com a sociedade fora dessa bolha”, destacou a doutoranda, lembrando da necessidade de incluir as comunidades na atividade acadêmica.

Além de Lyra e Fraga, a comissão organizadora contou com a participação de Alice Fernandes (FCA), Petra Bartmeyer (Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica – Imecc), Romis Attux (Feec) e Washington Oliveira (FCA).


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Imagem colorida: o professor e coordenador do IdEA, Christiano Lyra, durante a abertura do evento: conhecimento em benefício da sociedade
O professor e coordenador do IdEA, Christiano Lyra, durante a abertura do evento: conhecimento em benefício da sociedade

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