Anita Marsaioli, uma das principais referências da química orgânica no Brasil, recebeu o título de professora emérita da Unicamp nesta quarta-feira (4), em solenidade presidida pelo reitor Antonio José de Almeida Meirelles. A cerimônia foi acompanhada por familiares, colegas de trabalho e antigos alunos da docente, cuja trajetória se confunde com a história do Instituto de Química (IQ) da Universidade. “Foram 53 anos maravilhosos na Unicamp, um período em que fui muito feliz. Tudo o que fiz foi movido por paixão; não tinha noção de que estava fazendo algo importante. Agora, estou me vendo através de vocês e fico muito grata pelo que estão dizendo de mim”, declarou a docente, ao receber a honraria.
A solicitação para concessão do título a Marsaioli foi apadrinhada pelo professor do IQ Ronaldo Pilli – seu primeiro orientando na Unicamp, que veio a se tornar, mais tarde, colega de docência no mesmo instituto. A proposta, apresentada pelo Departamento de Química Orgânica do IQ, foi aprovada pela Congregação do IQ em 28 de junho deste ano e recebeu parecer favorável da Comissão Especial do Conselho Universitário (Consu), formada pelos professores Rogério Custódio, do Departamento de Físico-Química do IQ, Maria Fátima das Graças Fernandes, coordenadora do Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e Marília Oliveira Fonseca Goulart, professora do Instituto de Química e Biotecnologia da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
Marsaioli chegou a Unicamp em 1970, apenas um ano após graduar-se engenheira química na Universidade Federal do Paraná (UFPR). No mesmo ano, ingressou no mestrado em química orgânica e foi admitida como professora do IQ, dando início a uma carreira marcada pela disposição em desbravar novos campos do conhecimento, contribuindo para a consolidação da química orgânica como área de excelência no Brasil. Autora de 180 publicações, acumulando aproximadamente 3,5 mil citações, recebeu a menção honrosa do Prêmio Governador do Estado (2001), o Prêmio Marie Curie da Sociedade Brasileira de Química (2011) e o Prêmio Inovação Unicamp (2014), entre outros. Em 2013, foi eleita membro da Academia Brasileira de Ciências.
Durante a homenagem, o reitor da Unicamp destacou que Marsaioli integrou uma geração de cientistas que construíram a instituição como uma universidade forte, já no seu surgimento, desempenhando, portanto, papel fundamental para que a Unicamp não apenas alcançasse rapidamente a excelência, reconhecida no país e no mundo, como também colaborasse para o desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil. “Estamos reconhecendo quem teve papel essencial na formação dessa instituição, pesquisadores que deram a fundação para a construção de uma universidade tão forte, apesar de todos os altos e baixos do nosso país. Se hoje podemos desbravar novos desafios, é porque tivemos essa fundação”, ressaltou Meirelles.
Conhecida por sua capacidade singular de conectar diferentes campos de conhecimento, o que permitiu abrir perspectivas para a pesquisa científica no Brasil e no mundo, Marsaioli explorou novas fronteiras em áreas como espectrometria de ressonância magnética nuclear (RMN), geoquímica orgânica, biocatálise e ecologia química, tendo estabelecido uma sólida cooperação com grupos de pesquisa de países como Estados Unidos, China, Holanda, França, Inglaterra, Espanha e Bélgica. Seus estágios de pós-doutorado foram realizados na Universidade da Califórnia (EUA) e no Centro Nacional de Pesquisa da França. Já na Universidade de Hamburgo (Alemanha), foi professora visitante, como bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Atuando sempre em contato com instituições de pesquisa de outros países, a professora dedicou-se à produção científica durante todo seu percurso profissional. O empenho na formação dos alunos e pesquisadores foi igualmente uma prioridade na carreira da professora, que coordenou um grupo de pesquisa na Unicamp dedicado a síntese orgânica, biocatálise, RMN e ecologia química – um grupo que leva seu nome. “Isso também deixei para a Universidade, porque é algo meu, é para a comunidade. E fico feliz que seja assim”, afirma a homenageada. Em sua trajetória, orientou 30 dissertações de mestrado e 52 teses de doutorado, além de ter supervisionado cerca de duas dezenas de pós-doutores.
Entre alunos e pares, é conhecida não apenas pela excelência técnica, mas pela ética e pela humildade, ressalta Pilli. Em sua fala em homenagem à docente, o professor do IQ exaltou uma profissional abnegada e dona de uma dedicação ilimitada. “Anita levou a cabo uma carreira invejável, reconhecida por todos da área de química de produtos naturais, da química em geral, no Brasil e no exterior. Ela nunca deixou de trilhar caminhos não criados: avançou muito na área de ressonância magnética, introduziu a área de ecologia química e a parte de geoquímica orgânica. Sem reivindicar qualquer conhecimento, sempre trabalhou em prol do instituto.”
Seu interesse pela espectroscopia de RMN de Carbono-13 na caracterização de compostos orgânicos merece destaque. A pesquisadora foi decisiva para a consolidação do Laboratório Institucional de Ressonância Magnética Nuclear (RMN) da Unicamp. “Juntamente com o professor Fred Fujiwara, dedicou-se durante muitos anos à gestão e à operação do espaço, garantindo que os equipamentos estivessem em pleno funcionamento 24 horas por dia, 7 dias por semana, mesmo durante finais de semana e feriados prolongados. Isso nos anos 1980”, sublinhou Pili. “Esta marca não foi deixada apenas nos químicos, com certeza transcendeu, chegando até mim”, confessou o reitor.
A criatividade e a paixão por desafios, cita o ex-pupilo, fizeram da professora uma inspiração. “Uma vez, Anita me disse algo que achei lindo: ‘Ronaldo, cada reação química que você faz é uma pergunta que você faz à natureza. Tente entender a resposta que ela te dá, e a partir daí, você pode alcançar uma solução, eventualmente’”, lembrou o professor do IQ. A trajetória da pesquisadora serve de inspiração também para suas netas, as estudantes Sophia e Gabriela Marsaioli. “Quem, sendo mulher, com a idade da minha avó, que vai fazer 78 anos, pode dizer que chegou aonde ela chegou? Ainda são poucas. Eu me sinto muito orgulhosa dela. O que fez, no seu tempo, é uma inspiração não apenas para mim, para minha irmã e para a nossa família”, disse Sophia. “O que ela construiu na sua carreira acadêmica vai ficar para a história”, emendou Gabriela.