Uma das maiores iniciativas para mapeamento da biodiversidade das florestas tropicais do mundo, a competição internacional Xprize Rainforest anunciou no dia 15 de novembro, os vencedores da disputa que durou cinco anos e envolveu 298 equipes de 70 países. O Brazilian Team (BT), como é chamada a equipe que representa o Brasil na competição, ficou entre os seis finalistas na primeira fase, ocorrida em Singapura, em 2023, e chegou à final, ficando com a terceira colocação.
Não é por acaso que o Brazilian Team se destacou em uma competição com o perfil da Xprize Rainforest. O Brasil ocupa o 15º lugar em produção mundial de conhecimento científico, sendo o segundo maior produtor mundial de conhecimento em Zoologia e o sexto colocado em Botânica, de acordo com o International Science Ranking (SJR).
A equipe é coordenada pelo professor Vinicius Souza, da Escola de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), com o apoio da Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz (Fealq), e conta com membros da Unicamp, como a bióloga Simone Dena, do Museu de Diversidade Biológica do Instituto de Biologia (IB), os docentes Luís Felipe Toledo e André Victor Lucci Freitas, ambos do Departamento de Biologia Animal do IB, e o doutorando em Ecologia no IB Axell K. Minowa. O time desenvolveu equipamentos e tecnologias envolvendo drones, arranjos de sensores, robótica terrestre, coletores de ramos de árvores, água, serrapilheira e solo projetados para obter amostras de plantas, animais, DNA, imagens e sons para avaliação da biodiversidade.
Na última etapa do desafio, realizado entre 7 e 30 de julho deste ano, na comunidade do Tumbira, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro, as equipes finalistas tiveram a tarefa de mapear a biodiversidade presente em 100 hectares de Floresta Amazônica, sem a presença humana na área. Os dados deveriam ser coletados em 24 horas, e as informações pertinentes à biodiversidade seriam relatadas nas 48 horas seguintes.
No total, o time brasileiro documentou 418 taxa, dos quais 266 foram identificados até o nível de espécie, três das quais sendo possivelmente novas para a ciência. Também foram registradas interações complexas entre espécies e identificadas aquelas que oferecem serviços ecossistêmicos valiosos para a bioeconomia da floresta. O levantamento em campo nesta fase foi conduzido por 18 membros do Brazilian Team ao longo de 24 horas, e, nas 48 horas seguintes, os demais membros da equipe colaboraram para processar e analisar os dados e elaborar o relatório final entregue à coordenação do desafio.
“A equipe se esforçou para identificar plantas e animais até o nível taxonômico mais refinado possível, aproveitando essas identificações para análises e insights sobre a biodiversidade local”, explicou Souza. “As descobertas das equipes beneficiarão não apenas o Brasil, mas também países da América Latina, África e Ásia que possuem florestas tropicais em seus territórios.”
Com o prêmio de 500 mil dólares, o Brazilian Team planeja criar um fundo para pesquisas e capacitação voltado à conservação e restauração da Amazônia e da Mata Atlântica, fortalecendo ainda mais o legado de inovação e preservação deixado pela competição.
O time
O Brazilian Team é organizado em seis grupos: Robótica, Sensoriamento Remoto, Bioacústica, DNA, Biodiversidade e Insights e conta com mais de 100 colaboradores com conhecimento técnico-científico multidisciplinar (como biólogos, engenheiros, economistas, informatas e advogados), majoritariamente brasileiros, mas também de outros dez países, representando algumas dezenas de instituições nacionais e internacionais.
Detalhes das inovações
O grupo de robótica do BT desenvolveu equipamentos customizados, inovadores e de baixo custo para amostrar a biodiversidade da floresta de forma eficiente, inclusive em áreas de difícil acesso. O time pretende capacitar membros das comunidades locais para se apropriarem dessas tecnologias no futuro. Um exemplo prático é o uso de drones para localizar espécies de interesse para populações locais, facilitando o acesso a recursos para subsistência ou comercialização, melhorando assim o planejamento das atividades econômicas dessas comunidades.
A equipe de robótica também projetou uma centrífuga de tubos portátil para processamento de material genético em campo, já em processo de patente.
Mais de mil espécies amazônicas, entre animais e vegetais, tiveram seu DNA sequenciados antes do final da competição, para ajudar nas identificações das espécies durante a final. Nenhuma dessas espécies havia sido sequenciada anteriormente. O grupo de DNA desenvolveu uma série de protocolos de laboratório e análises bioinformáticas para obter sequências de DNA em campo do maior número de espécies no menor tempo possível. Essas inovações permitiram uma redução de até 90% nos custos de alguns procedimentos moleculares, além de facilitarem a identificação ao mesmo tempo de espécies de diferentes grupos taxonômicos, a partir de uma única amostra.
O grupo de sensoriamento remoto avançou no desenvolvimento de metodologias inovadoras para quantificar o carbono e a biomassa de florestas, além de mensurar a biodiversidade, tudo integrado em uma plataforma digital batizada de Floreviewer, que recebe e processa os dados e gera relatórios na nuvem. O grupo também inovou ao desenvolver métodos de amostragem autônoma, utilizando drones programados para capturar imagens de árvores de interesse. Com resolução suficiente para observar até as nervuras das folhas, as imagens foram analisadas por algoritmos de inteligência artificial (IA) do Pl@ntNet treinados para reconhecer espécies, que foram posteriormente quantificadas e registradas no mapa com sua localização exata na floresta.
O grupo de bioacústica, coordenado por Dena e Toledo, em parceria com o grupo de Robótica, desenvolveu soluções para coleta de gravações de áudio no dossel da floresta, em clareiras e até em ambientes aquáticos. Foram elaborados protocolos e softwares que utilizam IA para detecção, classificação e identificação automatizada de vocalizações de diferentes grupos animais, como aves, anfíbios, morcegos, primatas, além de sons de insetos. Além disso, mais de 16 mil gravações de sons de animais foram registradas pelo BT na Amazônia e utilizadas para treinamento dos algoritmos. “Utilizamos ferramentas que representam o estado da arte na área de monitoramento acústico e ainda aprimoramos para utilização nas nossas florestas tropicais”, aponta Dena.
Para organizar as informações de biodiversidade, o grupo de Insights criou a plataforma CESSABR (Contextual Ecosystem Services on Amazon of Brazil), que coleta e categoriza dados sobre os usos das espécies e os serviços ecossistêmicos que oferecem, desde uso para alimentação e madeira, até serviços de captura de carbono e ecoturismo. O CESSABR é um banco de dados protótipo com uma lista de 4.996 espécies de flora e 6.290 de fauna da Amazônia brasileira.