A vida existe por conta das proteínas. Essas moléculas são as principais executoras das funções biológicas. Toda informação que nosso DNA armazena para nossa existência (que também pode ser entendida como “o genoma”) é executada pelo organismo por meio da produção de proteínas.
Imagine que a receita de um bolo é o DNA. O bolo, em si, são as proteínas. A receita do bolo representa somente um apanhado de informações necessárias para fazer o bolo. Mas, só com uma receita em mãos, não se tem um bolo! Da mesma forma, só com o DNA não existe vida. As células produzem proteínas para executar as funções que o DNA contém.
Do ponto de vista das moléculas, as proteínas estão entre as mais complexas: são conjuntos (ou polímeros) de pequenas unidades chamadas aminoácidos. Pelo menos 20 aminoácidos diferentes podem se combinar das mais diversas formas, possibilitando um leque de opções na construção das proteínas, um leque tão vasto que nem a própria natureza o utiliza em sua totalidade.
A ordem na qual esses aminoácidos se ligam para formar uma proteína é extremamente importante para que essa possa desempenhar sua função de forma apropriada no organismo. E, em se tratando do ser humano, estima-se que nosso organismo produza mais de 100 mil tipos diferentes de proteínas (cientificamente conhecido como “o proteoma”).
Solucionar essa questão sempre significou um grande desafio para a bioquímica. No entanto, desde que ferramentas computacionais utilizando-se de inteligência artificial passaram a ser empregadas, esse desafio tem ficado cada vez mais perto de ser vencido. Essas ferramentas aproveitam-se de dados previamente obtidos nas bancadas dos laboratórios com o suor de muitos bioquímicos ao longo de décadas para construírem modelos computacionais capazes de predizer que forma as proteínas têm.
O poder de precisão dessas ferramentas é tamanho que rendeu esta semana o Prêmio Nobel de Química a David Baker, Demis Hassabis e John M. Jumper. Essas três pessoas e outras dezenas de colegas envolvidos em estudos da área por anos têm dedicado suas carreiras a predizer que forma uma proteína tem.
As portas abertas pelas citadas ferramentas já inauguraram uma nova era não só na química, mas também na biologia, mais especificamente na bioquímica. Isso porque possibilitam um eventual crescimento exponencial na capacidade de novos medicamentos chegarem ao mercado de maneira muito mais rápida.
Da mesma forma, novos compostos químicos que combatam doenças agrícolas terão chances aumentadas de sucesso. Isso porque esses compostos podem afetar a função das proteínas, as quais conheceremos cada vez melhor com essas ferramentas computacionais. E as proteínas estão envolvidas em simplesmente todos os ramos da vida.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.
Daniel Martins-de-Souza é docente do Instituto de Biologia, na área de Bioquímica e líder do Laboratório de Neuroproteômica e pesquisador do Experimental Medicine Research Cluster (EMRC).