Pesquisadores do Grupo de Neurofísica do IFGW buscam formas de aperfeiçoar técnica de neuroimagem
Compreender os enigmas do cérebro humano é uma tarefa com a qual lidam diversos campos do conhecimento. Um dos mecanismos utilizados para isso é a geração de imagens. Por meio delas, torna-se possível conhecer as estruturas presentes no órgão e também aspectos de seu funcionamento, como o fluxo sanguíneo em suas diferentes regiões e de que forma os impulsos nervosos se relacionam com distintos estímulos e respostas.
Há várias técnicas de geração de imagens disponíveis, dentre as quais a Espectroscopia Funcional no Infravermelho Próximo (fNirs, na sigla em inglês), que permite analisar a atividade cerebral de forma contínua e não invasiva. Apesar de amplamente utilizada, devido a sua versatilidade e operação simples, a fNirs apresenta uma limitação significativa: a dificuldade de reproduzir os estudos em nível individual, fazendo com que seja empregada em estudos que consideram características de grupos. Isso significa que essa ferramenta se revela eficaz para mostrar, por exemplo, os efeitos de uma terapia em um grupo comparado a outro, mas não é a melhor opção para detectar mudanças no cérebro de uma única pessoa. Essa limitação também se manifesta em outras técnicas de neuroimagem.
Uma pesquisa do Grupo de Neurofísica do Instituto de Física “Gleb Wataghin” (IFGW) da Unicamp buscou formas de aperfeiçoar a fNirs, identificando fatores que limitam sua aplicação em nível individual e propondo uma metodologia que supere essas dificuldades. “O objetivo final é fazer disso parte do dia a dia, levar a neurociência para fora do laboratório e inseri-la em ambientes comuns”, explica Sérgio Novi Junior, autor da tese que recebeu o Prêmio Capes de Tese de 2023 na categoria Astronomia/Física. A pesquisa contou com a orientação do professor Rickson Mesquita.
De onde vem o ruído?
A Espectroscopia no Infravermelho Próximo (Nirs, na sigla em inglês) baseia-se nos princípios da óptica de difusão, segundo a qual a luz, quando incide sobre algo, é em parte absorvida e em parte espalhada, fator que depende das propriedades do meio no qual incidiu. No caso da Nirs, a luz se encontra em uma região do infravermelho em que a absorção por tecidos biológicos é baixa. “Isso permite que a luz penetre nesses materiais biológicos e interaja com outras moléculas além da água, componente majoritário nesse tipo de material”, aponta Mesquita. Assim, por exemplo, a partir da interação da luz com as moléculas de hemoglobina presentes no sangue, responsáveis pelo transporte de oxigênio, é possível verificar o funcionamento de partes do organismo, como o cérebro — a letra “f” incluída na sigla fNirs faz referência ao aspecto funcional do diagnóstico.
A limitação da fNirs surge nas discrepâncias presentes no resultado de testes executados em um mesmo voluntário ao longo de um período. Até certo tempo atrás, acreditava-se que isso se devia apenas a variações naturais do cérebro. No entanto, descobriu-se, outros fatores também interferem no processo. “Em uma semana, não há por que o cérebro apresentar as mudanças na escala que os testes apontam”, argumenta Novi Junior, que buscou caracterizar as fontes de ruído e propor soluções.
Entre essas várias fontes, a pesquisa identificou e destrinchou três delas: a primeira, denominada “artefatos de movimento”, refere-se a mudanças na intensidade da luz detectada por conta de movimentos no couro cabeludo que tiram do lugar os sensores, chamados optodos. Para resolver o problema, foi proposto um teste, realizado na Universidade Misericordia (EUA), parceira do estudo. Os optodos foram posicionados na região do lobo temporal, área do cérebro responsável pela linguagem. Os voluntários leram um texto em voz alta, movimentando a mandíbula, e depois silenciosamente. Comparando os resultados, elaborou-se um algoritmo capaz de remover esse efeito dos movimentos.
Outra fonte de ruídos é a ausência de informações anatômicas dos voluntários. O pesquisador explica que o posicionamento dos optodos na cabeça é feito seguindo uma média entre as pessoas, mas os locais exatos de fixação podem variar. “Ocorrem casos em que pensamos em avaliar o córtex motor, mas essa região está um pouco atrás ou à frente do ponto em que colocamos o optodo. Isso causa uma variabilidade grande nos dados”, comenta. Para garantir um posicionamento mais preciso, antes dos testes, parte dos voluntários teve áreas do crânio mapeadas com um neuronavegador, equipamento desenvolvido na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Feec). Com isso, as áreas a serem submetidas à fNirs passaram a ser identificadas com maior acurácia.
Uma terceira fonte de ruídos é o que Novi Junior chamou de “contaminações de origem sistêmica”: alterações fisiológicas nos voluntários que se refletiam na atividade cerebral, mas que não surgem no órgão. É o caso de alterações na pressão arterial ou nos batimentos cardíacos. Nesse caso, foram também propostos modelos matemáticos capazes de excluir essas interferências.
Novo método
O grande mérito da pesquisa de Novi Junior é o desenvolvimento de uma metodologia responsável por ampliar as possibilidades de aplicação da fNirs em diferentes contextos nos quais mostra-se necessário medir as funções cerebrais de indivíduos ao longo do tempo. O sucesso da nova metodologia comprova-se não só nos testes feitos, mas também nas diferentes parcerias já firmadas. Por exemplo, pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) aproveitaram a pesquisa para analisar o desenvolvimento cerebral de bebês. Já membros da Universidade Western (Canadá) aplicaram a metodologia em pacientes de Unidades de Terapia Intensiva (UTI).
Realizando atualmente um pós-doutorado na Western, Novi Junior celebra o reconhecimento pelo Prêmio Capes de Tese. “O prêmio traz muita visibilidade. Faz as pessoas me conhecerem enquanto pesquisador e abre muitas portas.” A conquista também é motivo de celebração para os colegas na Unicamp. “Para o nosso laboratório, isso é motivo de orgulho, nos traz grande visibilidade no Brasil”, comenta o orientador.