Software desenvolvido por estudante atinge precisão de 97% na identificação de meteoros
Quando cai, um meteoro produz luz e cor antes de atingir a superfície da Terra, formando um rastro no céu. Muitas vezes, esse “carimbo” é confundido com o de outros objetos, como aviões. Buscando eliminar o problema e possibilitar uma melhor compreensão do Sistema Solar, o estudante de Sistemas de Informação da Faculdade de Tecnologia (FT) da Unicamp Victor Yukio Shirasuna, orientado pelo professor André Gradvohl, desenvolveu um sistema de detecção automática de meteoros. O software obteve precisão de 97% na identificação de quedas de meteoros. A pesquisa foi publicada no periódico Astronomy & Computing. Os códigos dos algoritmos desenvolvidos e os dados utilizados na pesquisa têm acesso aberto. “Os cientistas podem obter várias informações a partir das imagens, como a velocidade com que o meteoro percorre os céus, realizando então outros estudos para entender melhor esses objetos e, a partir disso, entender melhor o Sistema Solar. A principal relevância do estudo é essa”, indica Shirasuna.
O orientador da pesquisa comenta que a motivação para o trabalho surgiu em 2022, quando câmeras de monitoramento astronômico foram instaladas no Museu Exploratório de Ciências, por meio de uma parceria entre a Unicamp e a Rede Brasileira de Monitoramento de Meteoros (Brazilian Meteor Observation Network – Bramon). “Eles comentaram que dependiam muito de um software proprietário para captura de imagens, manutenção de banco de dados e coleta de informações. Daí surgiu a ideia de utilizarmos algoritmos de aprendizado de máquina para não só detectar meteoros como também os diferenciar de outros objetos que surgem, como as trilhas de aeronaves, as descargas elétricas e os balões.”
O software proprietário, explica o professor, é um sistema cuja licença precisa ser comprada e cujo código-fonte, em geral, não é disponibilizado, dificultando melhorias. “O que o Victor fez e disponibilizou para a comunidade acadêmica é o modelo. Então qualquer pessoa que queira pode aprimorá-lo”, afirma.
Para o graduando, que em breve deve se formar, a ciência aberta é importante por contribuir para o desenvolvimento de pesquisas. “Tivemos um problema em nossa pesquisa porque lidamos com vários estudos anteriores ao nosso que utilizaram dados, mas não os disponibilizaram publicamente para que trabalhos futuros pudessem usá-los. Tivemos que coletar nossos dados e, agora, estamos disponibilizando publicamente esses dados, o modelo em si e a arquitetura que estamos utilizando. Isso é importante até para outros estudos poderem aprimorar nosso trabalho ou utilizarem nossos dados para outras pesquisas.”
Aprendizado profundo
Para treinar, validar e testar o sistema, foram usadas 7 mil imagens do céu que os pesquisadores obtiveram da própria Bramon e de bancos de dados da Base des Observateurs Amateurs de Météores (Boam, base de observadores amadores de meteoros), da França, e da UK Meteor Network (UKMON, rede de meteoros do Reino Unido).
O estudo utilizou o aprendizado profundo (deep learning), que imita o funcionamento do cérebro, para desenvolver o sistema. Shirasuna faz uma analogia do método com a montagem de blocos de Lego. “Você vai montando as peças e formando a sua arquitetura”, diz. Nesse contexto, os cientistas também utilizaram um mecanismo, denominado convolutional block attention module (módulo de atenção de bloco convolucional), com a proposta de melhorar a robustez, ou seja, a capacidade de generalização do software. “O mecanismo nasceu inspirado na percepção humana, porque tendemos a priorizar uma tarefa específica e ignorar o restante. Ele tende a focar as características mais importantes das imagens. E, particularmente, o convolutional block module chamou atenção porque se baseia em dois módulos, como se fossem blocos de Lego que podem se acoplar.” O primeiro, explica, foca o que está mais característico na imagem e o segundo, o ponto em que se encontra a característica mais importante. “Os dois blocos em conjunto são importantes para ressaltar a informação mais visível das características.”
Foram criadas duas arquiteturas, que tiveram desempenho similar, mas, além de obter os resultados desejados, os pesquisadores quiseram visualizar o que as redes neurais estavam vendo exatamente. Para isso, realizaram simulações e descobriram o que havia sido “observado” pelo algoritmo. “O que ocorre com bastante frequência nas aplicações de inteligência artificial é que não sabemos exatamente o que os modelos definiram como queda de meteoros e como não queda de meteoros. O que os blocos fizeram foi mostrar para que ponto a rede neural está ‘olhando’, porque ela poderia estar ‘olhando’ para outra parte da imagem que não o meteoro e, mesmo assim, classificar o fenômeno corretamente. De fato, constatamos que o algoritmo estava ‘enxergando’ o meteoro”, explica Gradvohl.
A pesquisa, recentemente apresentada por Shirasuna no III Workshop de Inteligência Artificial na Astronomia, foi descrita no artigo “An optimized training approach for meteor detection with an attention mechanism to improve robustness on limited data”.