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Pesquisa

Tecnologia para exames de parasitos intestinais é adotado em mais de 60 laboratórios brasileiros

Técnicas foram licenciadas para a empresa Immunocamp e estão sendo aplicadas em Manaus, Brasília e São Paulo

Na grande maioria dos laboratórios de análises e patologia clínica do país, os exames parasitológicos de fezes ainda são realizados com técnicas antigas. O procedimento mais comum é o de sedimentação espontânea, acompanhado de análises visuais manuais, métodos executados pelos laboratórios há mais de um século. Naturalmente, eles são suscetíveis a eventuais falhas e a erros humanos, o que reduz seu grau de precisão.

No entanto, técnicas mais avançadas e mais precisas já existem. Algumas delas começaram a ser desenvolvidas por pesquisadores da Unicamp na década de 2000 e resultaram em pelo menos quatro tecnologias que substituem, com muito mais eficácia, os tradicionais exames parasitológicos de fezes. Juntas, essas tecnologias possibilitaram o desenvolvimento de duas técnicas que, agora, começam a ser absorvidas por laboratórios de saúde públicos e privados do país.

As tecnologias resultaram em quatro pedidos de proteção; duas patentes já foram concedidas
As tecnologias resultaram em quatro pedidos de proteção; duas patentes já foram concedidas

Tecnologias da Unicamp ganham alcance nacional

Uma dessas técnicas parasitológicas, denominada TF-Test (Three Fecal Test), é discreta e de fácil manuseio por laboratórios e pacientes para o processamento de fezes humanas e de animais, com alta sensibilidade para a coleta e para o processamento de amostras fecais. Ela constitui o protocolo parasitológico do Diagnóstico Automatizado de Parasitos Intestinais (DAPI), a outra técnica, capaz de realizar análises computacionais precisas das imagens dos exames das fezes.

De acordo com os professores da Unicamp Jancarlo Ferreira Gomes, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e do Instituto de Computação (IC), e Alexandre Xavier Falcão, também do IC, ambos integrantes da equipe de desenvolvimento, essas técnicas já estão sendo utilizadas pelo maior laboratório público do estado do Amazonas, o Laboratório Municipal de Manaus (AM). Além disso, estão em fase de implantação em Brasília (DF), foram adotadas por um laboratório particular em São Paulo (SP) e foram apresentadas para serem empregadas no Sistema Único de Saúde (SUS).

“Em Manaus, são 12 máquinas em operação, que realizam cerca de 27 mil exames por mês”, afirma Gomes. “E, em Brasília, em torno de 14 máquinas estão sendo homologadas pelo governo do Distrito Federal e em breve serão implantadas para iniciar os exames. As máquinas correspondem ao conjunto destinado às análises, ou seja, incluem tanto a técnica parasitológica quanto a parte computacional que faz as análises das imagens”, explica o professor.

Gomes também cita uma instituição privada que já adotou as tecnologias, o laboratório da Associação Fundo de Incentivo à Pesquisa (AFIP), conhecido como AFIP Medicina Diagnóstica, localizado junto à Escola Paulista de Medicina (EPM), em São Paulo. “Eles já usam quatro máquinas para esses exames”, comenta Gomes.

Em paralelo, um passo ainda maior está em fase de implantação. O pesquisador conta que foram iniciadas conversas para a utilização da tecnologia no SUS. “Houve duas reuniões no Ministério da Saúde, em Brasília. É um planejamento longo, que pode levar quase um ano para ser concretizado. Mas seria um grande avanço”, afirma.

As tecnologias absorvidas como soluções inovadoras na sociedade foram protegidas pela Unicamp, com estratégia da Agência de Inovação Inova Unicamp, e licenciadas pela startup Immunocamp, empresa coirmã do grupo Bio Brasil Ciência e Tecnologia S/A, responsável por industrializar e comercializar o TF-Test.

Os professores Alexandre Xavier Falcão, do IC (à esquerda), e Jancarlo Ferreira Gomes, da FCM e do IC: técnicas mais avançadas e mais precisas

Avanços e vantagens do TF-Test

As tecnologias desenvolvidas na Unicamp que resultaram nas técnicas aplicadas pelos laboratórios nasceram a partir de uma parceria com a Immunocamp e contaram com financiamento do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), sob a coordenação de Gomes.

No início das pesquisas, o objetivo era desenvolver técnicas que fossem práticas, precisas, eficazes e com bom custo para realizar exames de parasitos intestinais. Assim foi criado, primeiramente, o TF-Test.

“Já tínhamos em mente o desenvolvimento de um sistema computacional de diagnóstico automatizado de parasitos intestinais. Mas era preciso preparar as amostras com características de concentração parasitária e eliminação de impurezas fecais para seu uso pelo equipamento. Assim foi desenvolvida a técnica de TF-Test, que seria o ‘combustível’ da nossa máquina. Ela foi criada com tubos apropriados para as coletas de campo das amostras fecais, para serem, em seguida, processadas por um protocolo parasitológico de laboratório. Assim começamos a preparar as lâminas para diagnóstico na máquina”, explica Gomes.

O pesquisador ainda esclarece o porquê do “Three” no nome do teste: “os parasitos do intestino são eliminados de forma inconstante através das fezes. Mas as técnicas parasitológicas tradicionais baseiam-se na coleta de apenas uma amostra de fezes, o que reduz a sensibilidade do exame em cerca de 20%. A nossa técnica faz três coletas em dias alternados, o que a torna muito mais precisa, com uma alta sensibilidade”, detalha o pesquisador.

Atualmente, o TF-Test é utilizado em mais de 60 laboratórios de referência do Brasil. De acordo com informações obtidas pela Bio Brasil, o TF-Test introduz vantagens e avanços, como seu sistema de filtragem por centrífugo-sedimentação, sua capacidade de preservar amostras por até 30 dias sem necessidade de refrigeração (o que facilita os processos laboratoriais), o fato de seu líquido conservante não ser agressivo às formas parasitárias e, ainda, por oferecer a capacidade de eliminar o mau cheiro que pode ser gerado nas amostras desse teste no laboratório.

O sistema DAPI faz a leitura e a análise de imagens com alta precisão para diagnosticar parasitos gastrintestinais em humanos e animais

Diagnóstico Automatizado de Parasitos Intestinais (DAPI)

O sistema DAPI, por sua vez, consiste em um instrumento de leitura e análise de imagens capaz de diagnosticar parasitos gastrintestinais em humanos e animais com elevada precisão. O DAPI representa um enorme avanço em relação aos métodos tradicionais de análise visual dos exames.

“Em seu funcionamento, o DAPI é dotado de algoritmos computacionais e usa ferramentas de Inteligência Artificial (IA) para realizar análises de imagens com alta precisão”, esclarece Falcão. Segundo o professor, “dessa forma, ele proporciona diagnósticos muito mais precisos e menos sujeitos às falhas dos procedimentos manuais. Esta tecnologia já foi apresentada em feiras e congressos internacionais e conta com a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”, acrescenta.

Além da maior eficácia dos diagnósticos efetuados e do aumento da confiança dos resultados dos exames fecais, a Bio Brasil também informa que a tecnologia possibilita terceirizar os exames parasitológicos realizados por pequenos e médios laboratórios para algum núcleo que utiliza remotamente o DAPI.

Próxima etapa

A evolução das tecnologias já absorvidas pelo mercado deu origem a um novo desenvolvimento, que caminha para o mesmo destino. Trata-se de um exame que utiliza a Flotação por Ar Dissolvido (FAD) para aprimorar ainda mais os resultados dos exames parasitológicos intestinais. Gomes explica como essa tecnologia representa um passo adiante:

“Após os primeiros desenvolvimentos, sabíamos que havia um ponto importante a ser aperfeiçoado. Na etapa de concentrar os parasitos e separar as impurezas, algo fundamental para um diagnóstico mais exato, era comum o emprego de reagentes altamente saturados. Mas esses elementos químicos acabavam destruindo as espécies de parasitos mais sensíveis, como cistos e oocistos de protozoários e larvas e ovos tênues de helmintos gastrintestinais. E, com isso, eles não apareciam totalmente nos resultados dos exames, gerando uma imprecisão e um falso resultado negativo. Era preciso encontrar algo que substituísse os reagentes danosos”, detalha Gomes.

As tecnologias já estão sendo adotadas por laboratórios de saúde públicos e privados de várias partes do país
As tecnologias já estão sendo adotadas por laboratórios de saúde públicos e privados de várias partes do país

Foi com esse objetivo que, no ano de 2015, também com o apoio do programa Pipe-Fapesp, foi iniciada uma nova pesquisa coordenada por Gomes, reunindo uma equipe multidisciplinar, com especialistas das áreas de medicina clínica diagnóstica, química e indústria de engenharia mecânica fina. No Instituto de Química (IQ) da Unicamp, a pesquisa contou com a participação do professor Edvaldo Sabadini e, na FCM, do bolsista em estágio de pós-doutorado Felipe Augusto Soares. O projeto resultou em um dispositivo inédito, capaz de detectar em um meio (a suspensão fecal) os parasitos intestinais de humanos mediante aplicação da FAD.

Isso se tornou possível graças à combinação de microbolhas de ar dissolvido e de um aditivo específico, um surfactante, com capacidade de aderência por reação iônica nas membranas externas dos parasitos. Dessa forma, foi possível criar correntes de microbolhas em meio líquido para suspender e separar os parasitos em uma área de interesse. Assim, foi obtido um material com menos impurezas e sem os reagentes agressivos que podem distorcer os diagnósticos.

Estudos realizados com a aplicação da FAD demonstram uma eficácia diagnóstica ainda superior à alcançada com a técnica do TF-Test, com a vantagem de não empregar reagentes químicos nocivos no processo.

Gomes conclui explicando que “a Immunocamp tem a licença desta tecnologia e está desenvolvendo um equipamento de mecanização para executar o processo. Ele está em processo de industrialização com o apoio do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) em um projeto sofisticado, que envolve conceitos de robótica e de mecânica fina. Em breve, também deve ser absorvido pelo mercado. E é um método vantajoso, eficaz e que não causa nenhuma agressão ao homem, ao ambiente e nem mesmo aos parasitos”, finaliza o pesquisador.

Matéria publicada originalmente no site da Inova Unicamp.

Inventores premniados:

Alexandre Xavier Falcão, Jancarlo Ferreira Gomes, Celso Tetsuo Nagase Suzuki, Sumie Hoshino Shimizu, Joao Paulo Papa, Luiz Cândido de Souza Dias e Fabio Franco Teixeira de Freitas foram premiados na categoria Tecnologia Absorvida no Mercado no Prêmio Inventores 2024.

Programação e homenagens

Este conteúdo integra uma série de reportagens produzidas pela Inova Unicamp sobre tecnologias licenciadas, absorvidas pelo mercado e empresas spin-offs acadêmicas da Universidade Estadual de Campinas. Você pode conferir todo o conteúdo no site da Inova e em formato de e-book na Revista Prêmio Inventores. A programação do Prêmio Inventores da Unicamp 2024 também incluiu o webinar “20 anos da Lei de Incentivo à Inovação e casos de sucesso de tecnologias da Unicamp absorvidas no mercado”, que aconteceu em 10 de setembro. Assista à gravação aqui!

Os patrocinadores do Prêmio Inventores 2024 são ClarkeModet e FM2S.

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