Estudo traça perfil de agricultores urbanos
Entrevistas com horticultores fundamentam pesquisa de engenheira ambiental
Bem-estar, lazer, atividade ocupacional e saúde mental. Essas são as principais motivações para os agricultores urbanos de Campinas cultivarem suas hortas, constatou um estudo de mestrado realizado na área de saúde coletiva da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. A pesquisa, conduzida pela engenheira ambiental Marília Escanhoela, buscou traçar o perfil socioeconômico, de saúde e de segurança alimentar e nutricional dos horticultores do município paulista.
De forma geral, essa população compõe-se de homens negros aposentados, com média de 65 anos de idade, com baixa escolaridade e que migraram de zonas rurais, onde já haviam trabalhado com agricultura. Eles costumam morar em regiões de menor poder aquisitivo e próximas de periferias, mas o perfil de renda familiar varia entre aqueles que sobrevivem com menos de um salário mínimo e os que recebem entre cinco e dez salários.
Em alguns casos, a horta é a principal fonte de renda da família, mas, apesar de terem sido observadas situações de insegurança alimentar média e moderada, a maior parte deles se encontra em segurança alimentar, quando se obtêm mantimentos em quantidade e qualidade suficientes sem o comprometimento da maior parte da renda doméstica.
“Na minha pesquisa, não foi possível fazer uma correlação direta e afirmar que é a produção da horta que gera a segurança alimentar dessas pessoas, até porque entrevistamos apenas 45 agricultores”, ressalta Escanhoela, que antes de ingressar no mestrado participou de projetos de agroecologia voltados a mulheres. “Mas, quando levantamos o mesmo perfil socioeconômico e comparamos os níveis de segurança alimentar, conseguimos ver que as pessoas que não são agricultores têm menos segurança do que aquelas que eu pesquisei. Então dá para suspeitar que haja uma relação e seria interessante investigar isso mais a fundo”, avalia a pesquisadora.
Quando iniciou o mestrado, a engenheira pretendia averiguar se o envolvimento com as hortas influenciava de fato a saúde e o bem-estar dos agricultores de Campinas. No entanto faltavam informações sistematizadas sobre quem eram e onde estavam essas pessoas, o que gerou a necessidade de mapeá-las em primeiro lugar.
Sabe-se, com base na literatura científica da área, que o simples ato de cuidar de hortas traz uma série de benefícios que vão desde os mais imediatos, na alimentação – com um consumo maior de verduras e legumes frescos –, passando pela melhoria na saúde mental e na regulação emocional dos indivíduos e chegando à promoção do trabalho coletivo nas comunidades agrícolas.
Ainda que não tenha sido possível averiguar essa relação, as declarações dos agricultores indicam um resultado semelhante ao da literatura. A maioria deles possui uma boa perspectiva sobre a própria saúde e há relatos de superação de questões emocionais como depressão, diminuição dos níveis de glicose e redução da pressão arterial.
“Pôr as mãos na terra cura! A pesquisa foi realizada na área de saúde coletiva para mostrar esse tipo de relação. Essa área procura entender como as pessoas adoecem, por que adoecem e o que alivia a doença, para além do uso de medicamentos. Então buscamos opções de cuidado e de cura a partir de outras lógicas”, comenta o professor Herling Alonzo, orientador do estudo.
Políticas públicas
Em seu levantamento, Escanhoela encontrou 194 pessoas que atuam em 40 Unidades Produtivas Agrícolas Urbanas localizadas, em sua maioria, em áreas de ocupação. Essas hortas foram identificadas por meio de uma espécie de boca a boca, após uma primeira visita à Horta Comunitária do Itajaí, localizada no distrito de Campo Grande. A partir das informações fornecidas pelos agricultores com quem conversava, a pesquisadora verificava no Google Earth se havia indícios da existência de uma horta no local indicado e, caso comprovado, ia a campo verificar a plantação e entrevistar os trabalhadores.
Além da surpresa em relação ao motivo pelo qual essas pessoas cultivam hortas, outras expectativas também se viram questionadas ao longo do estudo.
Em geral, a literatura da área descreve o trabalho coletivo como uma fonte de bem-estar para os horticultores porque, entre outras características, permite o desenvolvimento de relações solidárias. No entanto, entre os agricultores urbanos de Campinas, predomina uma visão diferente sobre o trabalho coletivo, visto como uma fonte de estresse. Aqueles que trabalham em grupo descrevem diversas situações de conflito e desgaste, enquanto as pessoas que atuam individualmente afirmam preferir continuar dessa forma.
A autora suspeita que esse fator seja um sintoma da realidade social individualista que predomina nas grandes cidades. E também acredita haver uma relação com a ausência de políticas públicas voltadas à agricultura urbana na cidade paulista.
“Na ausência de uma política de Estado, eles ocupam áreas públicas de maneira individual. A grande exceção é a Horta do Itajaí, na qual os agricultores foram assentados. A tendência, no entanto, é de eles se estabelecerem e criarem plantações em áreas que não foram destinadas para isso. E, sem a destinação de recursos, insumos e assistência técnica, as hortas se configuram mais individualmente. Até porque gerir um grupo representaria um trabalho a mais para executar”, avalia.
Em 2024, Campinas regulamentou a sua Política Municipal de Agricultura Urbana e Periurbana, que havia sido promulgada em 2021. Está prevista na iniciativa a identificação de áreas potenciais para as plantações, além da liberação de pedidos para uso daquelas que já estão ocupadas. Isso traria uma garantia para os agricultores. Como existe uma insegurança jurídica relacionada à utilização desses terrenos, o grupo vive com medo de perder o acesso às áreas plantadas e evita fazer muitos investimentos nesses locais. A engenheira observa, no entanto, que sem uma destinação de verbas, dificilmente haverá uma mudança real na situação dos agricultores.
Durante a gestação da lei, Escanhoela e Alonzo participaram de um grupo de trabalho da prefeitura, contribuindo para a criação de uma ferramenta de mapeamento das hortas urbanas. Eles acreditam que esse tipo de colaboração é essencial para os trabalhos acadêmicos não ficarem “engavetados”, possibilitando a aplicação prática do conhecimento acumulado nas universidades.
“Durante a dissertação, nós fizemos contato com a prefeitura, descobrimos o grupo e participamos. E muitas coisas que nós descobrimos na pesquisa levamos para as discussões do grupo e ajudamos a repensar alternativas. Para mim, isso é muito importante porque é uma forma de fazer extensão a partir da pós-graduação”, afirmou o docente.