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Como retomar o vigor da pesquisa científica?

"Tornar a atividade científica atrativa para novas gerações é um dos grandes desafios do momento para que possamos almejar a solução dos problemas que afligem atualmente a nossa sociedade, e o mundo em geral"

Prestes a completar 40 anos de pesquisa independente nesta Universidade e na iminência de me afastar definitivamente de minhas atribuições de docência e pesquisa, gostaria de compartilhar com os colegas algumas questões que entendo serem de grande relevância para o futuro da pesquisa científica na Unicamp e no país em geral. Nenhuma delas é de fácil solução e cada um de nós que participa da vida universitária terá certamente opiniões e sugestões distintas. Entendo que a experiência adquirida como pesquisador e também ao servir na gestão de pesquisa ao longo desses anos permite-me algumas reflexões a respeito. Como desenhar políticas científicas que possam atrair novas gerações de pesquisadores? Como garantir apoio adequado para que desempenhem suas funções acadêmicas buscando atingir níveis de excelência em suas atividades? Como nos posicionarmos frente aos novos modelos de divulgação científica? Como substituir a lógica numérica de publicações por outra que evidencie a relevância da pesquisa científica? Como oferecer à comunidade da Unicamp uma vivência universitária que permita transformações intelectuais e pessoais capazes de conduzir-nos que levem às necessárias transformações sociais?

A despeito de a ciência e tecnologia terem povoado crescentemente o imaginário e a vida diária dos cidadãos, paradoxalmente temos observado uma queda significativa nas matrículas em programas de pós-graduação, fenômeno que ocorre também no cenário internacional. Tornar a atividade científica atrativa para novas gerações é um dos grandes desafios do momento para que possamos almejar a solução dos problemas que afligem atualmente a nossa sociedade, e o mundo em geral, ao mesmo tempo que fomentamos o interesse pelo novo e desconhecido, a única maneira de continuarmos na trilha de progresso e desenvolvimento que o mundo percorreu ao longo das últimas décadas.

“A despeito de a ciência e tecnologia terem povoado crescentemente o imaginário e a vida diária dos cidadãos, paradoxalmente temos observado uma queda significativa nas matrículas em programas de pós-graduação”

A procura pela pós-graduação

O país tem fracassado em suas tentativas de melhorar a qualidade do ensino fundamental e médio, a despeito de o investimento público em educação ter atingido 5,8% do PIB em 2020, valor superior a de países desenvolvidos como EUA, Alemanha e Reino Unido, segundo dados do Banco Mundial. Apesar disso, o desempenho de nossos estudantes em avaliações internacionais como a do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA/OCDE) tem se mantido estagnado, abaixo da média dos demais países em Matemática, Leitura e Ciências. Isso exige reflexão e ação da Universidade pois tem impacto direto na formação básica dos ingressantes no ensino superior. Exige sobretudo a formulação de políticas públicas livres de vieses ideológicos e a formação de profissionais qualificados para liderarem a transformação do nosso sistema educacional público e privado que resulte em ganhos sociais e econômicos indispensáveis para enfrentar a reindustrialização do país e os desafios das novas ondas de inovação tecnológica.

Esse cenário é agravado pela queda a nível nacional no número de matrículas e de ingressantes em cursos de graduação na modalidade presencial, no período 2013-2022, uma redução de aproximadamente 17% e 26%, respectivamente, com diminuição de 3,2% no número de concluintes, segundo o Censo da Educação Superior de 2022 divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Na Unicamp, o número de alunos matriculados nos cursos de graduação e o de concluintes aumentou aproximadamente 10% e 14%, respectivamente, no período 2014-2023, registrando-se uma taxa de evasão de aproximadamente 10% no ano de 2023, segundo dados do Anuário Estatístico da Unicamp, 2024. Por outro lado, observa-se uma queda significativa no número de ingressantes nos programas de pós-graduação stricto sensu nos últimos dez anos com queda de aproximadamente 20% e 30% nos programas de mestrado e doutorado, respectivamente, de acordo com a mesma fonte. No mesmo período, observa-se uma redução de 15,4% no número de dissertações de mestrado defendidas e uma redução de 2,4% nas defesas de teses de doutorado (dados do Anuário Estatístico da Unicamp, 2024). A menos que os números da Universidade sejam uma singularidade, o que não acredito, é difícil entender, a não ser por dever de ofício, a opinião da presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo (21/7/24) que afirma não poder “… concordar com a alegação de que ainda haja uma crise na pós-graduação”.

A produção científica e tecnológica

Ao longo dos últimos anos registramos uma queda no número de publicações de artigos em periódicos com circulação internacional que passou de 4520, em 2020, para 4159, em 2023, de acordo com o Anuário Estatístico da Unicamp 2024, em que pese o quadro de docentes e pesquisadores ter se mantido relativamente constante (média de 1.950 no período acima) e as mudanças drásticas no modelo de publicação de artigos científicos que não preza exatamente a qualidade mas sim a capacidade de os pesquisadores arcarem com os custos de publicação, algo que será objeto de outro texto. A porcentagem de publicações que se encontram entre as 10% mais citadas também não apresentou progresso nesse período observando-se um ligeira melhora nas colaborações internacionais e nas publicações conjuntas envolvendo pesquisadores acadêmicos e de corporações privadas.

Observa-se ainda um aumento significativo no número de publicações de artigos em periódicos de circulação nacional que, em 2013, representavam cerca de 17% e que, no ano de 2022, saltou para 38% do total de artigos publicados (Anuário de Pesquisa Unicamp, 2023). Mesmo reconhecendo que a comunidade acadêmica deva prestigiar os periódicos de circulação nacional, esse esforço não deve ocorrer às custas de uma menor inserção internacional de nossos grupos de pesquisa. 

O número de patentes depositadas no Brasil pelos pesquisadores da Unicamp registra uma queda acentuada no período 2017-2022 (de 81 para 32 depósitos nesse período) e uma recuperação no ano de 2023, quando foram retomados os níveis de 2021. Essa diminuição deve-se a uma mudança de critérios para depósito que passou a privilegiar as tecnologias com maior potencial de licenciamento. O número de patentes nacionais e internacionais licenciadas pela Universidade tem ficado na faixa de 18-25 ao ano, nos últimos cinco anos, com destaque negativo para o ano de 2020, quando esse número caiu para oito e positivo para o ano seguinte quando atingiu o recorde de 25 patentes licenciadas (nacionais + internacionais).

Como reconheceu o nosso colega Carlos Americo Pacheco, na 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, realizada recentemente em Brasília: “A política brasileira de inovação não conseguiu fazer o setor privado sair do lugar” (fazendo-se necessário que o mesmo assuma o protagonismo nesse processo).  Programas como os Centros de Pesquisa Aplicada e Centros de Pesquisa em Engenharia da Fapesp que usam o modelo de matching funds bem como o modelo Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) ajudam nesse esforço.

As pautas universitárias. Onde ficam a ciência e a inovação?

A Unicamp que desde sua criação teve como missão ser uma universidade líder em pesquisa e referência para inovação e solução de problemas econômicos e sociais e que almeja ser uma instituição de excelência a nível nacional e internacional, não pode deixar em segundo plano essa sua vocação e razão de existir, em favor de dar ênfase a pautas menos comprometidas com o avanço do conhecimento. Aqueles que aqui estão há mais tempo, podem constatar a queda na formação básica de boa parte dos alunos ingressantes. Essa dificuldade em atrair estudantes com as habilidades necessárias para almejar uma sólida formação em suas especialidades, e assim retornar à sociedade profissionais altamente qualificados, tem como consequência uma queda na qualidade do ensino em decorrência da necessidade de suprir deficiências básicas da parte do alunado, acumuladas durante os estágios anteriores à vida universitária. Assim, não surpreende que avaliações de rendimento dos diferentes extratos de estudantes que aqui chegam não apontem diferenças significativas entre eles.

A pandemia deixou sequelas também no cenário acadêmico ao institucionalizar o trabalho remoto que contraria a essência do ambiente universitário, em que deve prevalecer a troca e o debate de ideias, o encontro e a colaboração entre seus entes e o trabalho de mentoria presencial entre alunos e docentes. Esse distanciamento, necessário na época da pandemia, se mantido, coloca em risco o vigor da pesquisa e da docência.     

Cabe ao corpo docente e aos dirigentes universitários tomar as ações necessárias para revigorar o ambiente acadêmico, ações como o estabelecimento de parcerias internacionais que incluam, por exemplo, centros conjuntos de pesquisa, programas de seminários, colóquios e eventos que tragam para os campi lideranças científicas nacionais e internacionais, oferecimento de programas de dupla titulação para nossos estudantes de graduação terem a oportunidade de usufruir do ambiente acadêmico nas melhores universidades do mundo, a atração de estudantes e professores internacionais que possam contribuir para consolidar e implantar novas linhas de pesquisa e, uma avaliação institucional com a participação de pesquisadores reconhecidos internacionalmente em suas áreas de atuação, além de outras ações capazes de resgatar o protagonismo da Unicamp no cenário nacional e internacional. Vale ressaltar que muitas dessas ações ou já foram adotadas ou ainda são adotadas de forma tímida em nossa Universidade.

“A pandemia deixou sequelas também no cenário acadêmico ao institucionalizar o trabalho remoto que contraria a essência do ambiente universitário”

Um toque de otimismo

No estado de São Paulo, a Fapesp tem procurado manter e criar programas que, espera-se, possam contribuir para estabelecer e revigorar áreas de pesquisa em nosso país através de iniciativas como Projeto Inicial, Projeto Geração, Jovem Pesquisador, Cepids e outros. O atrativo da Fapesp para jovens talentos de todo o território nacional e do exterior passa pelo significativo reajuste no valor de todas as modalidades de bolsas oferecidas pela Fundação, que entrou em vigor a partir de agosto deste ano.

Infelizmente, o mesmo não se verifica a nível nacional, onde prevalecem medidas emergenciais, como realinhamento tímido no valor das bolsas e tentativas como programas de repatriação/atração de pesquisadores que, espera-se, não tenham o mesmo destino do mal-sucedido programa Ciências sem Fronteiras.

Por outro lado, a Fapesp paga um preço alto pela eficiência na gestão e pela garantia de repasse dos recursos aos pesquisadores, garantidos pela Constituição Estadual, que, em última análise, sai do bolso dos contribuintes de nosso estado. O assédio sobre seus recursos por governantes estaduais de diversos matizes políticos através de medidas como a desvinculação de receitas tem tomado esforço e atenção contínuos da comunidade científica e da Fundação.

O aumento no número de pós-doutores na Unicamp que passou de 270, em 2013, para 953, em 2022, as ações institucionais de estímulo à pesquisa e a recomposição do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) permitem algum otimismo quanto ao revigoramento do ritmo e da qualidade da nossa produção científica no futuro próximo. No entanto, especial atenção precisa ser dada pelos gestores de nossa Universidade à captação de recursos para pesquisa, algo que ainda não retornou aos níveis pre-pandemia, tendo registrado uma queda da ordem de 27% na comparação entre 2023 e 2018 no que se refere ao número de projetos com financiamento sendo desenvolvidos na Unicamp.

Uma universidade que caminha para seu 60º ano de existência precisa refletir sobre qual o seu papel em nossa sociedade. Precisamos atrair e apoiar novas gerações de estudantes e pesquisadores para sermos protagonistas das mudanças que virão, para liderarmos as transformações e para contribuirmos com os avanços científicos e tecnológicos necessários a fim de construirmos uma sociedade melhor e mais justa. Uma sociedade na qual os nossos jovens sintam-se incluídos ao participares do esforço para vencermos os desafios dos novos tempos e ao compartilharem o orgulho de poder contribuir para solucionar esses desafios tendo como base uma sólida formação acadêmica.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.

Ronaldo A. Pilli é professor titular do Instituto de Química da Unicamp (e-mail: rapilli@unicamp.br)

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